sábado, 19 de junho de 2010

Quatro – Pedido

Aquela manhã não foi muito diferente das últimas que se seguiram. Os dias se passavam naquele clima que misturava a tensão e felicidade absurda de ter Selton do seu lado. Graças a Rafael, o novato se integrou rapidamente à turma, embora sua simpatia ajudasse bastante. Logo, a imagem de garoto reservado se desfez e ele conquistou as pessoas. Era bastante esforçado e estava recuperando a matéria perdida com uma eficiência que deixou Rafael impressionado. Um dia ele se ofereceu para ajudar Selton com a matéria atrasada e o garoto aceitou os cadernos de Rafael. Só de ter motivo para falar com o novato, Rafael já sorria.

Por outro lado, um fantasma ainda o assombrava. Sempre que estava perto de Selton e notava a presença de Guilherme, seu corpo inteiro ficava tenso, como se levasse um choque ou se um balde de água fria caísse na cabeça. Felizmente, naquela manhã em especifico, Guilherme não tinha dado as caras – o que era pouco usual.

Se a ausência de Guilherme era saudada por um lado, a presença de Débora se tornava cada vez mais irritante. Ela estava realmente interessada em Selton e o único que parecia não notar era o próprio. Ou talvez notasse, afinal, eles conversavam bastante, todos os dias. Podia pelo menos agradecer por não ter que responder mais nenhuma pergunta sobre suas opiniões sobre a garota. Ver os dois juntos e ganhando uma intimidade que ele não tinha lhe ardia o sangue.

A primeira aula terminou e uma leva de alunos entrou para sala, logo após a professora de literatura sair. Era comum o número de presentes aumentar no segundo horário, por diversos motivos. E entre a dezena de alunos que chegou atrasado, Guilherme veio junto.

- Ótimo – Rafael reclamou ao vê-lo entrando.

- Que foi, Rafa? – Selton perguntou, ouvindo de relance o que Rafael tinha dito.

-Ahn... – Rafael nem tinha percebido que Selton estava por perto – Nada! só resmungando...

- Doido – Selton disse – Aqui, você joga bola?

- “Bola”? Futebol?

- Éh! O pessoal disse que volta e meia eles juntam uma grana, alugam uma quadra aqui perto e batem um futsal. Tá afim de ir lá?

“Ótimo! Futebol... ele não consegue desgrudar o olho da Débora e acima de tudo gosta de futebol...”, pensou, desanimado.

- Não jogo, não.

- Sério?! – Selton se espantou.

- Éh! Essa coisa de esportes,... não é muito minha praia – era verdade. Desde criança, ele e objetos esféricos não se entendiam muito bem. Quando ele, Alex e o pai brincavam de bola no jardim ou na rua, ele sempre a chutava pra longe, ou errava, ou muitas vezes caia tentando passá-la. A coisa não era muito diferente em outros esportes. Rafael parecia não ter a menor coordenação motora, nem senso de direção, distância e força. Em resumo, era um desastre quando se tratava de esportes.

- Mas curte assistir? Nós vamos, você assiste meus dribles nos pernas de pau – Selton sacudiu as pernas, simulando “seus dribles” – e depois, parece que os caras vão pra um barzinho ou coisa assim.

Rafael teve quer rir do jeito de Selton. Ele estava bem animado com aquela história de futsal. Não era pra menos: em poucos dias já estava se enturmando com os garotos, sendo convidado pra eventos. E Rafael pôde perceber que ele realmente gostava de esportes, embora aquele não tinha sido um tópico sobre o qual tinham conversado.

- Não sei... – Rafael disse, incerto.

- Que isso, cara. Vamos, sim! Vai ser maneiro.

- Vou ver e depois te falo.

Selton ficou um pouco. Encostando na carteira, apontou a caneta Rafael.

- Vê lá, hein, Rafa. Fura comigo, não!

Rafael deu uma risada, achando graça da insistência do novo amigo.

- Beleza. Vou ver o que posso fazer.

- Beleza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário