sábado, 19 de junho de 2010

Cinco – Química

A segunda aula tinha começado e Rafael fazia o que podia para se concentrar no que o professor dizia. Eletro valência, eletro negatividade, reações químicas e mais dezenas de termos quase indecifráveis. Rafael adorava química, mas precisava prestar muita atenção para não se perder. E desde que Selton aparecera na sua vida, se concentrar tinha se tornado duas vezes mais difícil. Mas até que ele estava indo bem.

Faltando uns dez minutos para a aula terminar, o professor – um senhor baixinho, já quase na casa dos cinqüenta, com barbas e cabelos acinzentados e camisa social xadrez – pousou o giz no seu estojo de madeira e chamou a atenção da classe.

- Pessoal – sua voz era meio estranha, rouca e grave demais, o que contrastava com seu tamanho diminuto – Prestem atenção, só um momento. Já libero vocês para o intervalo.

Quando a turma finalmente se calou, ele continuou.

- No final desse capitulo tem uma bateria de testes. São uns trinta ou mais. – ele disse folheando a apostila – Claro que não tem como fazermos todos em sala de aula. Então, eu gostaria que vocês se reunissem em grupos de quatro ou cinco e fizessem todos os exercícios. Como serão grupos fica mais fácil pra vocês, é claro. Semana que vêm, na outra aula, sem ser a próxima, a gente conversa, vê quais vocês tiveram mais dificuldade e a gente corrige e tira as dúvidas. Tudo bem?

Então, começou uma série de protestos sobre o prazo e todo mundo tentando arrumar os grupos. Rafael não tinha muito dessa preocupação. Era uma espécie de pacto: ele e Ana faziam todos os trabalhos juntos – exceto aqueles que em que os professores arrumavam os grupos, mas felizmente essa tragédia ficou pra trás, no ensino fundamental. Logo, o mais difícil seria arranjar os outros dois integrantes. Rafael virou para o lado e disparou, antes que qualquer outra pessoa tivesse oportunidade – principalmente Débora que já estava cutucando o ombro no novato.

- Selton, entra no meu grupo com a Ana. A gente mora no mesmo bairro, aí fica mais fácil.

Selton olhou para Rafael, meio aturdido, como se tivesse sido atingido por um OVNI.

- Claro – ele respondeu – Se puder.

- Claro que pode! Deixa de ser bobo, Selton – Ana disse, depois de se levantar de sua cadeira.

- Beleza. Depois a gente combina onde e quando encontrar.

- Gente – disse, Débora, aproveitando-se da proximidade – posso entrar no grupo de vocês?

“Maravilha...”, Rafael pensou. Ana e Selton, trocaram um olhar duvidoso, como quem checa pra ter certeza, e depois olharam pra Rafael. Por fim concluíram:

- Pode – Ana disse – Se não ficar ruim pra você, porque chamamos o Selton porque moramos todos no mesmo bairro.

Rafael conteve o pensamento: “Diga que tem todos os problemas do mundo!”

- Não! Tem problema nenhum, não – Ela respondeu, sorrindo.

“Droga!” Quando achou que tinha conseguido afastar Débora de Selton, nem que fosse por meras horas, ela tinha dado um jeito de se enfiar no meio. O pior é que nem podia pedir que ela fosse procurar outro grupo, afinal, ainda havia vaga e todos eles eram “amigos”.

- Eu vou lá na cantina. Alguém vai comigo? – Ana perguntou.

- Vamos lá – Selton disse, levantando-se.

- Selton! – Débora o chamou – Trás uma lata de Fanta pra mim, por favor? Eu te dou o dinheiro.

“Que garota irritante! Para de falar com ele!”, Rafael estava começando a ficar vermelho de raiva, e sua expressão dificilmente enganaria quem quer que olhasse para ele.

- Claro – ele pegou o dinheiro com Débora e saiu com Ana da sala.

Rafael ainda estava guardando seu material, o que foi bom, porque assim podia esfriar a cabeça e esquecer da intromissão de Débora. Quando terminou de organizar as páginas do fichário, se levantou, checando se sua carteira estava no bolso e saiu da sala. Ou tentou, pelo menos.

Quando chegou perto da porta, alguém entrou na frente dele.

- Espera, Rafael. Quero falar com você.

Era Guilherme que tinha entrado na sua frente. Vislumbrar aqueles olhos verdes na face pálida era de assustar.

Rafael estancou ao encarar Guilherme, ele olhou para os lados a procura de ajuda, mas não encontrou ninguém que pudesse tirá-lo dali.

- O que você quer? - disparou, agressivamente

Guilherme se assustou e recuou um pouco:

- Calma, Rafa. Eu só ia pedir pra entrar no seu grupo.

Rafael ficou desconcertado. Podia jurar que Guilherme estivesse prestes a irritá-lo com insinuações, como sempre fazia.

- Ah! - disse - Tenho que ver com a Ana e com o Selton, combinei de fazer o trabalho com eles, mas acho que não tem problema, precisamos mesmo de mais.

- Os caras já fecharam o grupo deles e eu sobrei; por isso perguntei se podia fazer com vocês.

- Vou ver com eles e te falo.

- Beleza - Guilherme saiu da frente e Rafael pode, enfim, passar. Experimentou um segundo de alivio, antes que o colega voltasse a falar: - Você ficou amigo do novato rapidinho, não foi?

Rafael congelou.

- O que disse?

- Você e o tal Selton ficaram amigos bem rápido.

- Ele é meu vizinho de rua. As coisas ficaram mais fáceis. - respondeu Rafael na defensiva. Ele tinha se enganado quanto às boas intenções de Guilherme, era óbvio que a abordagem não seria tão inofensiva.

- Eu percebi você olhando para ele durante todo esse tempo, e não me pareceu que era só amizade - e, de uma hora para outra, o cinismo tão peculiar de Guilherme voltou.

- Do que você está falando?!

- Depois nós conversamos melhor, Rafa. - disse de um modo bem sugestivo. – Ah! Você sabia que a Débora vai assistir ao nosso jogo hoje, mais tarde? Ela parecia animada em ver o Selton jogar. Como eu te disse, antes. O que ela quer, ela pega... - e se retirou, deixando Rafael perplexo e trêmulo para trás.

Quatro – Pedido

Aquela manhã não foi muito diferente das últimas que se seguiram. Os dias se passavam naquele clima que misturava a tensão e felicidade absurda de ter Selton do seu lado. Graças a Rafael, o novato se integrou rapidamente à turma, embora sua simpatia ajudasse bastante. Logo, a imagem de garoto reservado se desfez e ele conquistou as pessoas. Era bastante esforçado e estava recuperando a matéria perdida com uma eficiência que deixou Rafael impressionado. Um dia ele se ofereceu para ajudar Selton com a matéria atrasada e o garoto aceitou os cadernos de Rafael. Só de ter motivo para falar com o novato, Rafael já sorria.

Por outro lado, um fantasma ainda o assombrava. Sempre que estava perto de Selton e notava a presença de Guilherme, seu corpo inteiro ficava tenso, como se levasse um choque ou se um balde de água fria caísse na cabeça. Felizmente, naquela manhã em especifico, Guilherme não tinha dado as caras – o que era pouco usual.

Se a ausência de Guilherme era saudada por um lado, a presença de Débora se tornava cada vez mais irritante. Ela estava realmente interessada em Selton e o único que parecia não notar era o próprio. Ou talvez notasse, afinal, eles conversavam bastante, todos os dias. Podia pelo menos agradecer por não ter que responder mais nenhuma pergunta sobre suas opiniões sobre a garota. Ver os dois juntos e ganhando uma intimidade que ele não tinha lhe ardia o sangue.

A primeira aula terminou e uma leva de alunos entrou para sala, logo após a professora de literatura sair. Era comum o número de presentes aumentar no segundo horário, por diversos motivos. E entre a dezena de alunos que chegou atrasado, Guilherme veio junto.

- Ótimo – Rafael reclamou ao vê-lo entrando.

- Que foi, Rafa? – Selton perguntou, ouvindo de relance o que Rafael tinha dito.

-Ahn... – Rafael nem tinha percebido que Selton estava por perto – Nada! só resmungando...

- Doido – Selton disse – Aqui, você joga bola?

- “Bola”? Futebol?

- Éh! O pessoal disse que volta e meia eles juntam uma grana, alugam uma quadra aqui perto e batem um futsal. Tá afim de ir lá?

“Ótimo! Futebol... ele não consegue desgrudar o olho da Débora e acima de tudo gosta de futebol...”, pensou, desanimado.

- Não jogo, não.

- Sério?! – Selton se espantou.

- Éh! Essa coisa de esportes,... não é muito minha praia – era verdade. Desde criança, ele e objetos esféricos não se entendiam muito bem. Quando ele, Alex e o pai brincavam de bola no jardim ou na rua, ele sempre a chutava pra longe, ou errava, ou muitas vezes caia tentando passá-la. A coisa não era muito diferente em outros esportes. Rafael parecia não ter a menor coordenação motora, nem senso de direção, distância e força. Em resumo, era um desastre quando se tratava de esportes.

- Mas curte assistir? Nós vamos, você assiste meus dribles nos pernas de pau – Selton sacudiu as pernas, simulando “seus dribles” – e depois, parece que os caras vão pra um barzinho ou coisa assim.

Rafael teve quer rir do jeito de Selton. Ele estava bem animado com aquela história de futsal. Não era pra menos: em poucos dias já estava se enturmando com os garotos, sendo convidado pra eventos. E Rafael pôde perceber que ele realmente gostava de esportes, embora aquele não tinha sido um tópico sobre o qual tinham conversado.

- Não sei... – Rafael disse, incerto.

- Que isso, cara. Vamos, sim! Vai ser maneiro.

- Vou ver e depois te falo.

Selton ficou um pouco. Encostando na carteira, apontou a caneta Rafael.

- Vê lá, hein, Rafa. Fura comigo, não!

Rafael deu uma risada, achando graça da insistência do novo amigo.

- Beleza. Vou ver o que posso fazer.

- Beleza.

Três – Lucas

O vento frio da manhã parecia especialmente frio ali.

O sol mal tinha nascido e Guilherme já estava fora de casa. Foi relaxante poder ver que a cidade podia ser calma, com poucas pessoas andando pelas calçadas e menos carros e caminhões transitando de um lado para o outro.

Guilherme decidira, na noite anterior, que precisava passar em outro lugar antes de ir para a escola. Chegaria atrasado, com certeza, mas não tinha muita escolha. Não era nem uma questão de escolha. Ele precisava.

Cruzara a cidade na direção oposta que normalmente fazia todos os dias. Tomara um ônibus que, aliás, nunca tomou, e embora as imagens que passavam na janela não eram as que estava acostuma a ver todos os dias, estava tão distraído com seus problemas que não se incomodara com nada.

Desceu num bairro suburbano, depois de uns dez minutos no ônibus. O cemitério era logo do lado do ponto; após a grande entrada de pedras, um morro subia para os outros terrenos da propriedade. Guilherme caminhou, observando outros enlutados andando de cabeça baixa e – por mais estranho que pudesse parecer – alunos que cortava caminho pelo cemitério para chegar a uma escola estadual ali perto.

Depois de andar um pouco Guilherme chegou a um tumulo, perto de um grupo de árvores bem frondosas, de folhas verde escuro, que, àquela hora da manhã, projetava uma sombra fria sobre ele. A lápide de granito cinza no chão estava gravada com os entalhes:

Lucas Tavares Villela

16 de novembro de 1994 – 4 de abril 2009

Amado filho e irmão

Guilherme suspirou. Ainda não tinha se acostumado a chegar àquele lugar, afinal, despertava sempre a lembrança triste de que o irmão tinha partido.

- Bom dia, mano – ele disse, sem ânimo, ajeitando a mochila no ombro, e a mão no bolso.

- Bom dia. Acordou cedo, hoje.

Guilherme nunca soube se era fruto da sua imaginação ou se, sempre que visitava o tumulo do irmão, via o espírito dele seu lado, como quando discutiam ou jogavam video game até altas horas da madrugada. Sentia a presença do irmão, nitidamente, e sempre que ia ao cemitério, conversavam como se ele nunca tivesse partido. Aliás, diante da lápide de Lucas, era o único lugar que Guilherme conseguia baixar a guarda e se permitia sentir vulnerável. Qualquer outra pessoa que visse o irmão morto provavelmente teria se assustado, gritado, entrado em pânico. Guilherme nunca estranhara a visão do irmão, talvez por achar que aquela imagem era mais fruto de sua imaginação do que o corpo espiritual de seu irmão.

- Eu precisava vir aqui.

- E perder sua aula de literatura?... – Lucas ergueu a sobrancelha.

Guilherme fez cara de desdém.

- É literatura... – como se a insignificância da matéria fosse evidente.

Lucas e Guilherme tinham quase o mesmo semblante. Ambos tinha o mesmo olhar altivo estampado nas íris verdes e a pele quase tão clara quando uma folha de papel. Lucas também era loiro como o irmão e tinha o nariz fino e pontiagudo. Na verdade, as únicas coisas que poderiam distingui-los eram o peso e a altura: Lucas era mais magro e mais baixo que o irmão mais velho. Guilherme sempre o via (ou o imaginava) vestido com um sobretudo negro cobrindo-lhe o corpo.

- Outras coisas têm me perturbando – disse Guilherme.

- Como sempre – o irmão comentou, displicentemente.

- Pois é...

- Mamãe não tem facilitado pra você, não é mesmo?

- Não. Acho que ela tem melhorado um pouco. Outro dia ela foi até a casa da vovó. Me deixou louco de preocupação, mas é um avanço. Ela só saía de casa pra ir naquele psiquiatra de araque...

- Ela tem feito o que pode, Gui.

- Eu sei, eu sei. Mas tem sido muito difícil ter que monitorar as noites de sono dela, os remédios. Eu mal tenho dormido e ainda tenho que estudar que nem um maluco pra passar no ITA, estudar pra provas, trabalhos, academia...

- ... Ana – Lucas o interrompeu, com um sorriso no rosto.

Guilherme no entanto não achou muita graça. Sua expressão se fechou ainda mais.

- Ela não quer saber de mim, Lucas. Mas não é disso que eu estava falando.

- Claro – Lucas ficou sério – Continue.

- Eu queria que o pai voltasse pra casa, sabe. Talvez fosse mais fácil.

- Como, se ele trabalha o dia inteiro fora?! – Lucas pontuou.

- Pelo menos teria alguém pra dividir a tensão. Alguns dias atrás, eu tentei convencê-la a deixá-lo voltar – Guilherme bufou, desprezando a idéia que tivera em tal momento – Duas horas de choro, repetindo que foi culpa dele você ter... – Guilherme hesitou – ...você sabe.

- Morrido?

- Não é bem essa a palavra que eu escolheria... – Guilherme respondeu.

Lucas balançou a cabeça, sério.

- Não foi culpa dele.

- Eu sei que não, Lucas! Só que não tem como convencê-la disso!

- Não é culpa sua, também – Lucas disse, de repente.

Guilherme encarou o irmão, perplexo.

- Eu não disse isso.

- Não disse. Mas sei que você pensa nisso, às vezes.

Guilherme queria falar alguma coisa, queria negar que aquilo fosse verdade. Não podia. O sentimento de culpa era recorrente, sim. Achava que se fosse mais atento, talvez tivesse evitado aquela tragédia.

- Não havia nada que você pudesse fazer, Gui.

- E parece que não há nada que eu possa fazer agora.

Lucas respirou fundo, encolhendo os ombros, e depois relaxando-os.

- Pode ir pra aula. Pode, não! Deve!

Guilherme ficou calado um tempo, pensando. Até que disse:

- Você provavelmente está certo.

Dois – Polígrafo

Rafael acordou mais cedo que o habitual naquela manhã, com uma brutal sensação de cansaço – sem mencionar que sua ereção matinal estava duas vezes mais intensa. Antes de sair do quarto, vestiu apenas a cueca e a camisa para disfarçar e foi para o andar debaixo. Logo na cozinha, ouviu o barulho do chuveiro, vindo do banheiro social. O único que usava aquele banheiro era o irmão, cujo quarto era também no primeiro andar. Mas não custava confirmar.

Foi à cozinha e viu a mãe, ainda de camisola clara, cabelo amarrado e rosto amarrotado, começando a preparar o café.

- Bom dia, mãe.

- Bom dia, filho – Sueli disse, surpresa – O que está fazendo a essa hora fora da cama?

- Preciso falar com o Alex. Meu computador começou a dar problema. Queria que ele desse uma olhada.

- Ele está no banho.

Rafael se virou para ir ao banheiro, quando sua mãe o chamou:

- Que horas seu computador deu problema, Rafael?

Rafael hesitou, levantando uma sobrancelha. “Ferrou!”

- Você foi dormir antes do seu irmão, porque não pediu pra ele antes de deitar? – Sueli disse, farejando alguma coisa no ar.

Rafael sabia que não jamais conseguiria mentir para a mãe, ela era quase um polígrafo ambulante. Nem ele nem Alex jamais foram capazes de enganá-la. No entanto, mesmo sabendo que seria quase impossível mentir para Sueli, o instinto de Rafael as vezes dizia que era a única coisa a ser feita.

- Eu – gaguejou – Não falei nada ontem justamente porque não faria diferença; não teria como ele arrumar ontem mesmo.

- E você preferiu acordar quarenta minutos antes do necessário só pra pedir a ajuda dele, enquanto podia ter feito isso antes de ir dormir?...

- Foi – ele respondeu, completamente descrente que fosse convencê-la de que tinha sido aquilo que acontecera.

Ela colocou virou o bule de café e deixou o líquido escuro e quente cair na garrafa térmica pelo, e a fumaça de cheiro forte logo encheu a cozinha.

- O que eu já falei sobre computadores ligados de madrugada? – Sueli disse.

- Eu sei, mãe. Desculpa. – Rafael disse, envergonhado, pensando o que a mãe acharia se soubesse que tinha passado a madrugada se masturbando enquanto via pornografia gay na internet. Pior: o que faria?

- Tudo bem. – ela disse, sem se importar muito nem com a mentira nem com o fato de ficar acordado de madrugada no computador. Ela confiava na responsabilidade do filho; e mentir, bem... que adolescente não mente? - Fala com seu irmão, e dorme mais um pouco, daqui a pouco eu te chamo.

Rafael nem disse nada, para não complicar sua situação. Simplesmente se virou e bateu na porta do banheiro social, que ficava no curto corredor, entre a cozinha e a sala. Ele bateu na porta e chamou o irmão.

- Alex!

- Pode entrar.

Rafael abriu a porta e uma fumaça densa de vapor saiu, junto com o calor úmido. Para um militar orgulhoso, Alex tomava um banho exageradamente quente. O irmão já havia terminado seu banho e estava se secando. Era impressionante como laços consangüíneos podiam deixar um homem extremamente atraente, numa situação excitante, em algo sem a menor graça. Qualquer outro homem teria levado Rafael à loucura, mas seu irmão estava muito longe de se tornar um objeto de desejo.

- Tem como você dar uma olhada no meu computador, depois?

- O que houve? – Alex perguntou, enquanto esfregava a toalha no cabelo.

- Não sei. Desligou de repente e não ligou mais.

- Mentiroso. Estava vendo pornografia na internet de novo, não é! – Alex disse, rindo do irmão, que fechou a cara, roxo de vergonha.

- Cala a boca! A mãe vai te ouvir! Vai fazer ou não?!

- Vou. Depois que chegar do quartel, eu dou uma olhada.

- Valeu.

Rafael respirou aliviado pelo irmão não ter continuado a gozação. Fechou a porta, e subiu de volta para seu quarto, seguir o conselho da mãe e tentar dormir mais um pouco.

Um – Vírus

Já era tarde da noite e o silêncio sepulcral só era vencido pelo barulho do cooler do computador de Rafael. Pelo cooler e pela respiração ofegante. Naquela noite particularmente quente, Rafael não conseguira dormir por causa do calor, revirou na cama, se embolando nos lençóis, a cueca parecia apertada demais, a cama estava desconfortável, o suor pinicava a pele e o travesseiro parecia estar infestado de formiga. Chegou a um ponto em que respirar era difícil, e abriu a janela para arejar o quarto. Embora a janela estivesse escancarada, não entrou vento algum. Lá fora a situação estava tão caótica quanto do lado de dentro.

Rafael não podia culpar apenas o calor pela noite insone. Desde o dia que admitiu pra si mesmo que sentia por Selton, muito mais que amizade - muito mais! – sempre que se deitava e fechava os olhos, se imaginava colado ao corpo do garoto, beijando-lhe sofregamente, nus. Não precisava nem fantasiar por muito tempo. Bastava lembra-se do sorriso de Selton e imaginar como seus lábios deviam ser quentes, para ficar excitado. Aí não havia posição pra dormir que fosse confortável. Só conseguia relaxar depois de tocar uma punheta bem demorada, pensando em como seria ao menos beijar Selton.

Aquela noite não era exceção. A não ser pelo calor absurdo e pelo computador ligado. Talvez fosse pela excentricidade da noite ou porque realmente não conseguia dormir, mas Rafael decidiu navegar na internet, a procura de sites pornô. Claro que aquela não era a primeira vez que acessa o xTube pra ver homens transando e se masturbar; mas era, seguramente, a primeira vez que o fazia sem repetir o mantra incessante de que era apenas curiosidade adolescente. Tanto que optou por ver apenas conteúdo gay.

Sentou-se em frente ao computador, completamente pelado, de pernas esticadas, com os olhos muito atentos a tudo que passava na tela, afinal, era o único sentido que podia dispensar àquela atividade. Tinha desligado as caixas de som e procurava manter seus ouvidos ligados a qualquer som que pudesse soar pela casa. Abria diversos vídeos, revezando entre o mouse e o próprio pau, que estava em riste a um bom tempo. Morenos, loiros, magros, malhados, ativos, passivos, boquetes, punhetas, penetrações espetaculares... Pornô profissional, amador, amador com jeito de profissional e profissional com jeito de amador. Era tanto conteúdo indecente, tanta putaria que Rafael ficava em dúvida entre o que assistir.

Estava no fim de um vídeo de dois twinks transando, quando sentiu o orgasmo chegando. Acelerou os movimentos de vai e vem da mão e ofegando; no reflexo do prazer, fechou os olhos, pensando me Selton, pensando em gozar com Selton depois de uma transa louca. Aí, sabe-se lá porque, quando sentiu que ia gozar, ele abriu os olhos e pôs os olhos na tela do computador.

Alerta de Vírus

- O quê? – Rafael desconcentrou-se.

O seu anti-vírus detectou uma ameaça.

Não se preocupe...

Rafael nem terminou de ler a mensagem e, de repente, surgiu uma tela de erro totalmente azul e o computador reiniciou, com um barulho estranho. O garoto esqueceu completamente do que estava fazendo.

- O que aconteceu? – sussurrou, incrédulo. “Óbvio! Um vírus, idiota!”

Apareceu a tela de boot e o beep de memória apitou. Rafael encarou a tela apagada, esperando que o Windows carregasse. E esperou... esperou... esperou... e nada. A tela de boot reapareceu, o apito da memória RAM outra vez e nada do sistema operacional carregar.

- Só me faltava essa.

Estressado, Rafael apertou o botão de Power do computador, para desligá-lo, esperou alguns segundos, já completamente broxado. O processo frustrante se repetiu: boot, beep, tela escura e o computador reiniciava. Rafael franziu o rosto o cenho, desanimado. Tudo o que menos precisava naquele momento era que seu computador desse defeito.

Na esperança de que tudo se resolvesse, desligou o aparelho mais uma vez e religou. Não adiantou nada.

- Droga.

Agora seu quarto estava mergulhado na escuridão e em silêncio.

Considerou tomar um banho e terminar sua bronha no chuveiro, mas desanimou tanto que se resignou a ir deitar-se e dormir.