quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trinta e Cinco - De Serviço

Já era noite e mesmo que o quartel onde Rodrigo servia fosse bem próximo à área centra da cidade, naquele horário, não havia qualquer movimento na rua. Alguns carros passava vez ou outra e sumiam rápido na escuridão. Díade semana, nem o bar na outra esquina tinha vida; tão logo os últimos clientes saiam, as portas se abaixavam.

Aquele devia ser o serviço mais enfadonho de todo o exército. Montar guarda. Ficaria uma boa parte da noite de pé, com um fuzil na mão, vigiando a entrada e saída de pessoal, o que, àquela hora da noite, não seria ninguém.

Rodrigo já estava de pé do lado de fora da guarita há duas horas e não percebera a passagem do tempo, desde que o trânsito de pessoas cessara. Sem nada para chamar sua atenção, desligou-se do mundo. Ainda pensava naquela mesma manhã, quando literalmente roubara a cueca de Alex. Enquanto o amigo se arrumava na sala, Rodrigo terminava a punheta que começara no quarto, com medo que amigo entrasse no banheiro procurando a cueca e o pegasse sentado no vaso, nu, agarrado ao pau, se masturbando com o nariz enfiado na peça sumida. Quanto mais pensava nisso, mais intenso ficava seu tesão. Gozara horrores despejando toda porra no vaso. Depois do orgasmo, ficara decepcionado por não ter sido pego com a boca na botija; talvez fosse exatamente isso que precisasse para conseguir a transa da sua vida.

De pé, na guarita do quartel, lembrava-se daquela manhã, sentindo o pau ficar duro, pela milésima vez e as bolas doerem de tesão. Tudo isso porque a cueca roubada passara o dia inteiro no bolso de sua farda e desde que saíra de casa não teve tempo para se “aliviar”. Agora que estava de serviço, tinha que se segurar e tentar disfarçar o volume na calça, porque não podia correr o risco de ser pego de barraca armada. Sorte que seu oficial só passava ali para inspecionar a guarda de duas em duas horas, quando os soldados trocavam de posto. Para sua sorte, isso estava prestes a acontecer, com sorte, poderia voltar até o prédio do alojamento e, com sorte, aproveitar parte do seu tempo de descanso para aliviar o tesão que estava sentindo, o banheiro da guarita seria muito arriscado.

Quando a troca da guarda aconteceu, Rodrigo pediu ao seu oficial permissão para ir ao prédio do alojamento. Tão logo a permissão foi concedida, Rodrigo atravessou o estacionamento escuro às pressas, passou por outros postos de guarda sem qualquer empecilho, apenas batendo uma continência bem informal. Seguindo por corredores mal iluminados, Rodrigo chegou ao banheiro do alojamento. Sem se importar muito com barulho, ele fechou a porta e se fechou em um dos reservados.

Respirou aliviado. Estava sozinho. Tudo que ouvia agora era o silêncio, imerso na semi-escuridão. Enfiou a mão no bolso e tirou a cueca de Alex. Seu coração palpitava fora de compasso, quase como se tocasse um artefato de poder milagroso. Reverenciava aquele pedaço de pano com fervor. Sentia-se obcecado. Sentia-se tomado por um tesão sem controle.

Abriu a fivela do cinto e deixou a calça cair até o tornozelo, se amontoando acima as botas. Sem muita delicadeza, apertou o pau e começou a se masturbar, como naquela mesma manhã, com força, intensidade, desejo, paixão. O cheiro do saco de Alex na sua cara o deixava louco, inebriado, viciado. Deixou todo seu tesão aflorar, sem medo, sem pudor, apenas um pouco de comedimento para não acabar gritando no meio do quartel. Precisava gozar logo para voltar ao serviço.

De pé de frente para o vaso, ele levava a diante sua punheta desesperada, tão imerso naquele desejo que não percebeu que a porta do banheiro fora aberta e alguém entrava pé ante pé, silenciosamente. A mão de Rodrigo batia contra sua virilha, fazendo um som parecido com uma salva de palmas, o suor começava a brotar dos poros e a respiração curta lhe mandava oxigênio em curtas rajadas. A cabeça do pau em riste, bem acima do vaso, para evitar lambanças inconvenientes. Estava bem perto de gozar quando a porta do reservado se abriu de repente.

Primeiro sentiu o terror. Olhou através da parca claridade e logo reconheceu a silhueta do seu oficial da guarda, o Tenente Gomes. O susto foi tão grande que seus músculos não responderam a nenhum de seus comandos para se mover, esconder a cueca na mão, guardar o pau – agora em declínio – ou vestir a calça. A situação não poderia ser mais vexatória, não pensava em nada que pudesse dizer para se justificar.

Tenente Gomes era um homem bem formado, com ombros largos e encorpado, não muito mais alto do que Rodrigo. Tinha o rosto grande, quadrado, de olhar quase sempre severo, cabelos bem raspados e acinzentados. Seus olhos pequenos brilhavam na escuridão.

- Ah! Soldado... – Gomes lamentou. Mas não era verdade, era um tom de fingimento. O Tenente deu um passo em direção a Rodrigo, que recuou e se viu sem muito lugar pra onde correr. Lentamente, Gomes estendeu a mão e com força segurou o punho do soldado que apertava a cueca roubada. Rodrigo resistiu mas o tenente era mais forte que ele. – Eu sempre soube que você era um viadinho pederasta – e o empurrou, fazendo-o sentar no vaso.

Rodrigo estava mudo, estático. Seus neurônios não respondiam direito.

Tenente Gomes o olhava com superioridade, com arrogância e um sorriso sádico e medonho. Sem fazer barulho, ele abriu a fivela do cinto e correu o zíper da calça. Só então Rodrigo começou a entender o que o Tenente queria.

Gomes enfiou a enorme mão dentro da calça e revelou a mala. Seu pau meia bomba pulsava, dando sinais de vida.

- Chupa, soldado – ordenou.

O terror de Rodrigo sumiu e o tesão desmedido tomou controle de seu corpo outra vez. Não era quem ele queria, nem perto disso, mas não respondia mais por seus atos.

Ele apenas bateu a porta do reservado.

Trinta e Quatro - Contra a Parede

Quando Guilherme voltou à sala, seu pai já tinha terminado de lavar os pratos e os talheres e estava sentado no sofá assistindo Jornal Nacional.

- Demorou – Eduardo disse – Não me diga que se perdeu no apartamento.

Guilherme não riu. Ele estava mais sério do que o habitual, mãos no bolso e olhos cerrados.

- Eu sei porque você me convidou para jantar, hoje.

Eduardo também ficou sério.

- Do que você está falando, Guilherme?

- Eu vi as escovas na pia e as camisinhas no armário, pai. Ou você achou que eu não as notaria?

Eduardo, pego de surpresa, ficou sem reação. Depois, engoliu em seco.

- Eu não sei o que dizer, Guilherme.

- Que tal: “eu tenho transado, feito sexo com outras pessoas além da sua mãe”?

- Outras pessoas, não?! - Eduardo, disparou, ofendido – Eu não saio por aí transando com Deus e o mundo!

- Por que você não disse, logo de uma vez, se foi pra isso que você me chamou?

- Porque percebi que minha vida sexual não diz respeito a você?! – Eduardo gritou.

Guilherme pensou bem no que o pai tinha dito.

- Concordo com você. Sua vida sexual não me diz respeito. Mas você me chamou aqui, me convidou pra jantar e fez meu prato favorito. O que significa que você estava disposto a discutir alguma coisa comigo e não era sua vida sexual. Certamente, não é a minha também...

Eduardo olhava o filho, com o evidente arrependimento estampado no rosto. Tinha se esquecido que Guilherme era um observador nato e inteligente para além dos limites comuns, qualquer mínimo detalhe lhe revelava-lhe uma história inteira.

– Eu acho que virou mais do que “só sexo” – Guilherme continuou - e você precisava ser honesto com a sua família. E a única pessoa sã na família que restou sou eu.

- Eu não queria que acontecesse, Guilherme – Eduardo se defendeu, com lágrimas nos olhos - Faz quase um ano que seu irmão se foi, que sua mãe me expulsou da vida de vocês. Você tem idéia do quanto é solitário aqui, tendo que lidar com abandono, com luto, com saudade?

- Não estou te condenando, pai – Guilherme o interrompeu – Eu entendo o quanto essa situação toda é ruim e fica mais fácil com alguém do lado. Quando você me chamou, logo imaginei que você diria algo parecido, que tinha conhecido alguém, que estava em um relacionamento.

- Nada te escapa, não é mesmo?

- Nada! – Guilherme afirmou em tom definitivo. Ele tirou a mão direita do bolso, com cuidado e colocou os dois barbeadores em cima da mesa – Quem é ele, pai?

Trinta e Três - Deletar

Ana já tinha ido embora. Rafael subira para o seu quarto, ainda se sentindo pesado, remoendo o gosto daquele estranho fracasso.

“Talvez eu não seja capaz de tirar isso de dentro de mim. Talvez nem deva... Talvez seja algo pra guardar só comigo, se não quiser ficar sozinho. Até porque, logo esqueceria aquela história de estar apaixonado por Selton e, se tudo der certo, até mesmo de garotos de uma forma geral. Não precisaria contar nada para Ana, porque, no fim das contas, não haveria nada para contar. Não haveria nada para contar a ninguém”

Rafael ligou seu computador, com uma idéia fixa na cabeça: enterraria de uma vez por todas aquela história de gostar de garotos e começaria pelos vídeos. Assim que o computador concluiu a inicialização, Rafael clicou em “Meus Documentos” e abriu a pasta em que guardava seus vídeos. Era uma lista imensa, vários e vários vídeos, baixados durante a madrugada acompanhados de muita punheta e porra. Aquilo estava para acabar, cair em esquecimento. Rafael apertou ctrl +a e todos os arquivos dentro da pasta foram selecionados. A partir daquele dia esqueceria a existência de pornografia. Gay pelo menos. Ainda havia um imenso mar digital de pornografia hétero para se divertir.

Com certa hesitação, ele apertou o Del. A caixa de mensagens apareceu e um a um os vídeos foram deletados. Ia demorar deletar centenas de vídeos.

- O que você está fazendo? – Alex perguntou.

Rafael se assustou e num reflexo já muito bem treinado, ele apertou Windows + d, e todas as janelas abertas foram minimizadas.

- Só... deletando alguns arquivos – ele respondeu, sobressaltado – Não era pra você estar trabalhando?

Alex ainda vestia a farda camuflada, a boina verde e o coturno pesado, que lhe cobria até a metade da canela. Era impressionante ver como o irmão ficava bem fardado.

- Que horas você acha que são? – Alex respondeu.

Rafael girou na cadeira e viu. Já era bem tarde.

- Achei que fosse mais cedo.

- Acabei de chegar.

- Hmm... – Rafael murmurou – Bem vindo – Alex raramente subia ao segundo andar pra dar “oi” para ele. Quando chegava, ia direto para o banho e depois saia para encontrar a namorada. Quando muito, ficava pra jantar. Observando melhor, Alex parecia um pouco tenso, com olhos bem abertos, e respiração curta – Tem alguma coisa errada?

Alex hesitou.

- Na verdade tem – Alex entrou no quarto do irmão, sentou-se em sua cama, puxou com força a cadeira em que Rafael estava sentando e colocou frente a frente. Rafael encarou o irmão mais velho com um olhar assustado.

Alex pensou por horas a fio no que deveria fazer a respeito da sexualidade do irmão. O que Rodrigo tinha lhe dito, serviu para alguma coisa. Concordou que não era hora de envolver a mãe no assunto, até descobrir o que Rafael pensava de si mesmo. E a única maneira de saber isso era conversando com ele. E como Rodrigo também tinha dito, não poderia confrontar o irmão até saber o que passava na sua própria cabeça. No último dia, pôde esfriar as idéias e organizá-las. Ainda não era o que esperava da vida do irmão, mas quem era ele pra dizer alguma coisa? Bater, espernear, xingar, ignorar não tornaria as coisas mais fáceis, não mudaria o irmão. E se mudasse, talvez mudasse pra pior. Tudo que podia pensar naquele momento era tornar as coisas mais fáceis para Rafael, ou no mínimo, menos dolorosas.

Olhando nos olhos do irmão, ali, no quarto dele, pensou “E vai ser menos doloroso contar que descobri por acaso os vídeos no computador?” Talvez não houvesse tempo para explicar tudo o que precisava, para fazê-lo entender que foi um acidente. “E se ele quiser contar? E se ele estiver se preparando para contar pra gente e acabar atropelando o tempo dele?”

- Alex, o que foi? – Rafael perguntou – Você está me assustando.

“Eu estou assustado” As palavras não saiam. Era muito mais complicado do que antecipara. Já tinha enfrentado treinamentos pesados no exército, testes de sobrevivência, salto de pára-quedas, e nada do que passara tinha o deixado tão nervoso quanto naquele momento.

Alex mordeu o lábio, percebendo que ele mesmo ainda não estava pronto para aquela conversa. Mas já tinha alarmado o irmão, precisava de alguma coisa pra falar.

- É que venho pensado há algum tempo... em comprar um par de alianças pra mim e pra Carla.

O olhar de espanto de Rafael sumiu, deixando lugar para um sorriso de felicidade.

-Sério?! As coisas estão sérias assim?

Alex abaixou a cabeça, envergonhado. Realmente, era uma surpresa pensar em alianças, ele nunca ficava com a mesma garota por mais de algumas semanas e Carla vinha resistindo por mais de meses, sem dificuldade alguma. Alex gostava de verdade a garota e antes de achar os vídeos do irmão, estava pensando em comprar um par de alianças e oficializar o namoro dos dois.

- Éh, só que eu nunca fiz isso. Não sei se está cedo, se devo esperar um pouco mais.

Rafael riu:

- Alexandre Moreira Silva e Castro, você está me pedindo conselhos amorosos, porque está inseguro?! Meu Deus! Um sinal do apocalipse!

- Ah! Qual é, Rafael!

- Fala sério? Quando passou pela sua cabeça que você passaria por aquela porta, faria toda essa entrada dramática, pra me perguntar o que eu acho de você dar uma aliança para uma garota?!

Mesmo que “toda aquela entrada dramática” não fosse por causa daquele assunto, Alex tinha que admitir que nem em seus mais loucos devaneios podia imaginar aquilo acontecendo.

- Ok. Você venceu. Mas o que acha?

Rafael tentou ficar sério e pensar no que o irmão lhe pedira por um instante, sem perceber que ele não estava ali para isso:

- Ignorando o fato de que eu também não entendo muito desse assunto, acho que se você gosta mesmo dela, não existe essa história de cedo.

- Eu gosto mesmo dela – Alex admitiu, corando.

- Aí está sua resposta.

- Valeu, mano – Alex se levantou, em partes arrependido de não ter feito o que queria, mas também feliz por ter conseguido uma conversa sincera com o irmão. Talvez aquele fosse o primeiro passo pra conseguir falar do que realmente importava. Quando estava chegando a porta, ele se virou – Quando você estiver gostando de alguém, qualquer pessoa, qualquer pessoa mesmo, pode contar comigo se quiser conselhos, desabafar... qualquer coisa... Ok?

- Alex, você está me assustando. De novo.

Alex sorriu, e desceu para tomar seu banho.

Rafael voltou para o computador e viu que seus vídeos já tinham sido todos deletados, sem jamais suspeitar que ele não tinha sido o único naquela casa a vê-los.

Trinta e Dois - Duas Escovas

A lasanha estava deliciosa, exatamente como Guilherme se lembrava. Tiveram que servir seus pratos na cozinha para terem espaço na mesa da sala, já que os pratos entrariam numa luta injusta contra a travessa de lasanha. Apesar de meio espremidos, o jantar tinha sido agradável. Guilherme e o pai trocaram conversas interessantes, principalmente sobre os filmes que não assistiram juntos nos últimos meses, coisa que os dois faziam quase sempre. Evitaram falar de qualquer tipo de problema para não estragar aquele momento raro de paz. Ao terminarem de jantar, ainda ficaram sentados um tempo, esperando a comida se acomodar no estômago. Lasanha era uma maravilha, mas pesava muito.

À medida que o tempo passava, Guilherme se tocava que talvez estivesse errado; talvez o jantar não fosse um pretexto para uma conversa complicada. Era apenas um jantar de pai e filho separados pela tragédia familiar. Difícil de acreditar, principalmente quando sua intuição gritava que havia segundas intenções no convite do pai. A hora crítica, no entanto, se aproximava. Ele sabia que o pai não tocaria em nenhum assunto delicado enquanto comessem; esperaria até o fim do jantar para terem a temida conversa.

Suas especulações caíram por terra quando Eduardo disse:

- Você põe os pratos na pia e guarda a Lasanha no forno, enquanto escovo os dentes?

Guilherme escondeu sua surpresa e fez o que o pai pediu. Empilhou os pratos e os talheres e se dobrou para pra passar entre a mesa e a poltrona; deixou-os na pia e com cuidado pra não derrubar a pesada travessa de lasanha, abriu o forno e a guardou.

- Deixei uma escova nova pra você em cima da pia - Eduardo comentou, voltando a sala.

- Obrigado - Guilherme respondeu - Só vou lavar a louça...

- Deixa isso aí, que daqui a pouco eu arrumo.

Guilherme nem esperou o pai insistir. Odiava lavar louça e se tinha alguém se prontificando a fazê-lo no seu lugar, ele não pestanejava.

- Ok – Guilherme disse.

Enquanto o pai arregaçava as mangas pra começar a limpar os pratos sujos, Guilherme foi ao banheiro. Ironicamente, o banheiro era espaçoso, até demais. Se o arquiteto daquele prédio tivesse sido menos generoso com o banheiro, teria mais espaço, por exemplo, na sala, onde ele era definitivamente mais necessário!

Guilherme viu a embalagem inviolada da escova que o pais mencionara em cima da pia. Pegou-a e a abriu, tirando o produto; a pasta de dentes estava num copo de plástico, junto com outras duas escovas. Guilherme espremeu o tubo, tirando a pasta branca e espalhando-a nas cerdas da escova nova que segurava em sua mão, mas aquelas duas outras escovas no copo estavam o incomodando.

Começou a limpeza bucal, distraidamente, ainda olhando para o copo. Uma delas estava bem usada, com as cerdas um pouco tortas e a outra tinha sido usada também, mas com menor freqüência. Seu pai morava sozinho, não tinha razão para ter duas escovas no banheiro. A única explicação plausível era que mais alguém freqüentava o apartamento. Mas outra coisa não tinha explicação...

Ele lavou a espuma mentolada e cuspiu-a. Tinha algo estranho naquela imagem. Ele precisava investigar mais, saciar sua curiosidade.

- Pai! O sabonete acabou! – ele gritou.

- Tem mais no armário! Pode pegar.

Pronto! Agora tinha uma desculpa pra abrir o pequeno armário com o espelho, acima da pia. Mal virou a portinhola e deu de cara com uma caixa de preservativos. Não chegou a ser exatamente uma surpresa. Já imaginava que, depois de tanto tempo afastado da esposa, o pai estivesse “suprindo” suas necessidades. Guilherme pegou a caixa e viu que já tinha mais da metade vazia; esticou os olhos para a lixeira ao lado do vazo. Exceto pelo papel higiênico amassado e fios dentais usados, não havia nada de interessante no lixo, além da embalagem preta aberta e do que Guilherme reconheceu como o extremo de uma camisinha usada.

- Interessante – ele sussurrou.

Tinha uma olhada pendurada na porta do Box e outra esticada num gancho ali perto. Com as mãos, ele apertou as duas e elas ainda estavam úmidas.

Tudo que notara já era esperado. As escovas, as camisinhas, as toalhas molhadas. Desde que o pai o convidara para jantar, imaginava que anunciaria algo daquela gravidade e, como ainda não dissera nada, talvez tivesse perdido a coragem. No entanto, restava uma coisa que não se encaixava. Logo que abriu a porta do armarinho, viu dois barbeadores descartáveis guardados nas prateleiras...

Trinta e Um - Lasanha

Guilherme tinha conseguido convencer uma tia sua a ficar de olho em sua mãe para que pudesse comparecer ao jantar que tinha prometido ao pai. Não queria deixá-la mais uma noite sozinha e poderia demorar ainda mais pra voltar naquela noite em especial. Sabia que aquele jantar era apenas um pretexto para uma conversa séria, que poderia ter repercussões ainda mais graves. Guilherme já imaginava do que se tratava, mas não queria colocar os carros na frente dos bois. Embora não se enganasse com freqüência, havia precedentes de seus erros. Lucas era prova disso.

Eduardo morava num apartamento quase tão pequeno quanto Guilherme e Mônica. O filho, ao entrar, teve a impressão de que os dois morreriam sufocados ali. A sala era minúscula com uma mesa redonda pra uma pessoa, um sofá de dois lugares estava espremido contra a parede, porque a estante era grande demais para estar ali. A televisão de vinte polegadas parecia desproporcional a tudo ao redor.

Eduardo percebeu o olhar espantado do filho e disse:

- É meio complicado pagar dois aluguéis... Tive sorte de encontrar esse apartamento.

- “Apertamento”, você quis dizer!

- Sim, é meio apertado, mas pra mim basta. E é uma situação temporária...

Guilherme olhou para o pai, vendo o brilho otimista tão peculiar.

- Claro – concordou, sem muita convicção de que as coisas mudariam.

- Eu estou terminando de cozinhar a lasanha. Quer me ajudar a montar?

Guilherme não conseguiu conter o sorriso, desta vez, sincero. Eduardo não era nenhum chef da alta cozinha, mas tinha uma mão abençoada pra fazer todo prato simples que se pode imaginar. Foi com o pai que aprendera a fazer o mexido perfeito e também um macarrão ao alho e óleo que surpreenderia qualquer pessoa acostumada com comidas sofisticadas. Mas de tudo que sabia fazer, a lasanha era “especialidade” de Eduardo. Antes da morte de Lucas, pelo menos uma vez por mês, ele expulsava Marina da cozinha e preparava uma lasanha à bolonhesa espetacular. Guilherme ficou feliz por finalmente comer uma lasanha que não fosse congelada.

- Mãos à massa.

Guilherme lavou as mãos na pia minúscula e ajudou o pai a preparar o molho de tomate, fatiar a mussarela e o presunto enquanto a carne moída cozinhava.

- E como vão as coisas no colégio? – Eduardo perguntou.

- Vão bem – Guilherme respondeu, espalhando o molho de tomate sobre a última camada de macarrão - Estou mais preocupado com o vestibular do ITA do que passar de ano.

- Você vai mesmo fazer essa prova?

- Por quê? Acha que eu não consigo?

- Guilherme, se eu conheço alguém que passaria nessa prova é justamente você – Eduardo disse com certa dose de orgulho – É que com toda essa história do seu irmão e essa crise da sua mãe, achei que você tivesse mudado seus planos.

Guilherme tinha, sim, pensado em mudar seus planos. Se passasse no vestibular do ITA, teria que mudar de cidade por uns bons anos e, desde que se viu como babá de Marina, se perguntou se seria uma boa idéia ir embora. Mas tinha que considerar outras coisas também:

- Lucas não ia querer que eu desistisse da prova e sobre a mãe, como você disse, é uma situação temporária...

- É, sim, filho.

- E você, pai? Como tem ido sozinho? – Guilherme perguntou, mas por educação do que preocupação. Sabia que não estava sendo fácil para o pai.

- Eu tenho me virado bem. Tive que entrar na academia pra compensar toda porcaria que tenho comido, meus sábados foram tomados pelas faxinas que não tenho tempo de fazer durante a semana. No fim, todo esse choque parece servir de alguma coisa, afinal, estou ficando menos preguiçoso.

- Reparei mesmo que você está bem mais em forma do que antes. Parece até mais novo, mais feliz – Guilherme disse, fingindo uma nota de ressentimento. Não estava irritado com a felicidade misteriosa do pai, mas precisava saber o que realmente se passava e ele sabia que a culpa podia ser uma forte aliada na hora de desencavar histórias.

- Não me entenda mal, Guilherme – Eduardo disse a tristeza emergindo em seu rosto, as lágrimas brotando – Eu ainda choro a morte do seu irmão, ainda passo minhas noites imaginando como seria se tivéssemos feito tudo diferente. Sinto muito a falta do Lucas, de você e da sua mãe. Mas a morte dele fez tudo mudar, e, ao contrário da sua mãe, estou tentando ver o lado bom dessa mudança, por mais dolorosa que ela seja.

- Não estou te culpando, pai – Guilherme disse, cabisbaixo – Pelo contrário. Também acho que temos que fazer o melhor possível com o que está ao nosso alcance.

Eduardo admirou a hombridade do filho, que ainda tão novo parecia um adulto.

- Eu sei que tem um peso muito grande sobre você, filho. Eu sei que sua mãe não quer olhar pra mim nesse momento, mas saiba que pode contar comigo pra dividir esse fardo. Nem que seja só pra vir conversar comigo.

Guilherme olhou para o pai e começou a repensar suas próprias atitudes. Talvez o pai estivesse “feliz” justamente porque o manteve afastado todo aquele tempo da pressão que era conviver com a mãe mentalmente abalada. Eduardo via a tristeza nele e isso era inegável; mas era como olhar um iceberg. O pai não sabia que a maior parte do sofrimento adormecia embaixo d’água. E como dizem, ignorância é felicidade. E, assim sendo, ele não podia tirar aquela felicidade do pai, que estava lhe fazendo tão bem; só traria preocupação e estresse há alguém que já tinha que sofrer com o abandono e perda de um filho. Era desnecessário fazê-lo passar por mais tormento.

- A lasanha já está montada. É só colocar no forno. – Guilherme desconversou.

- Você põe pra assar enquanto eu tomo aproveito pra tomar um banho.

- Vai lá, pai.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Trinta - Contar ou Não Contar?

Rafael tinha chamado Ana para finalmente estudarem probabilidade em sua casa. Com toda aquela maluquice de paixão por Selton, ciúmes da Débora, perseguido por Guilherme e jogos e futsal, ele não teve tempo nem cabeça pra organizar sua mente para estudar algo que não entrava na sua cabeça; precisava de total concentração para conseguir absorver a matéria. Não que estivesse preparado para aprender, mas queria ter outra coisa em mente, pra poder se distrair e tirar Selton da cabeça.

Estavam na sala de estar, com livros, lapiseiras e borrachas espalhados pela mesinha de centro. Era mais confortável estudar ali por que podiam se sentar no chão, com bastante espaço e ficavam bem mais perto da cozinha.

Embora se empenhasse, Rafael não conseguia se concentrar. Sempre que se frustrava, deixava-se levar por seus pensamentos e acabava lembrando-se de seus problemas. Ana estava explicando ao amigo um exercício relativamente simples quando percebeu que não tinha nem uma parcela da atenção dele.

- Terra chamando Rafael. Como vão as coisas em Marte? Algum homenzinho verde?

- Oi? Quê? – Rafael perguntou, confuso.

- Você não ouviu uma palavra do que eu disse, não é mesmo?!

- Não, Ana. Desculpa. Acho que preciso de uma pausa.

- Não tem nem meia hora que estamos estudando, Rafa! – Ana protestou.

- Desculpa, Ana. Eu só estou de cabeça cheia pra estudar. Ainda mais matemática.

Ana olhou para o amigo, com um olhar muito preocupado.

- Presumo que você não vá me contar o que está acontecendo...

Rafael encarou a amiga nos olhos:

- Bem, que eu queria.

- Rafa! Nós somos amigos! Melhores amigos! Você pode me dizer o que quiser! – Ana exclamou, com um misto de desespero, frustração, revolta e preocupação.

Rafael pensou, olhando para a amiga, que devolvia o olhar com uma expressão intensa. Ela sabia que algo de ruim se passava com ele; como ela mesma frisara, eram melhores amigos e conheciam as mínimas nuances de cada um, ou pelo menos quase todas. Nunca tivera coragem de contar para ela que era gay. Na verdade, tivera medo por anos de contar para si mesmo, de admitir que gostava de meninos, e mesmo, agora, que se sentia mais certo do que realmente gostava, ainda era difícil entender o que se passava. Não foi capaz de dizer a verdade a Selton, quando lhe perguntara se era gay, fraquejara no último instante.

Tinha que levar em consideração também, que Selton não era seu melhor amigo, era o cara por quem estava apaixonado é que nunca daria bola pra ele, isso por si só já tornava as coisas complicadas. Ana era sua amiga há anos, sempre estavam juntos pra tudo, podiam contar um com o outro pra qualquer coisa.

Seu otimismo cresceu ao se tocar que podia compartilhar com alguém toda a pressa que vinha sentindo nos últimos dias, se liberar, desabafar, pedir conselho e chorar até! Ana podia ser a pessoa que precisava pra se abrir.

- Eu... eu... – gaguejou. Ana até se inclinou pra frente, na expectativa.

“E se ela não entender? E se ela... e se ela não entender? Eu vou ficar sozinho...” O terror o consumiu como o fogo queima uma floresta. Nunca a idéia de ser rejeitado pela amiga tinha lhe pego com tanta força. Não havia medo de violência, não havia medo de humilhação. Havia o medo de ser abandonado, de estar sozinho, sem ninguém em quem confiar outra vez.

- O que foi? - ela perguntou – Rafa, o que foi?

- Não é nada, Ana – disse, finalmente, secando as lágrimas que brotaram nos olhos. Ele se levantou, de cabeça baixa, indo em direção ao banheiro – Só preciso lavar o rosto e a gente continua estudando

- Rafa, eu sei que tem alguma coisa errada com você! Porque não me conta?

Mas Rafael a ignorou. Bateu a porta do banheiro e se trancou lá. Pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, recuou quando devia ter ido em frente. Podia ter contado a Ana o que sentia por Selton, podia contar que morria de ciúmes de Débora, podia pedir ajuda, qualquer coisa! Ou não... Não podia sacrificar anos de amizade por uma paixão que passaria em alguns dias ou semanas. Amizade vem em primeiro lugar.

Rafael abriu a torneira e encheu as mãos de água, jogou-a no rosto e procurou se acalmar. Tinha que manter o controle pra conseguir convencer Ana de que não havia nada de errado com ele. Ou pelo menos de que não era nada grave.

Ele saiu com o rosto ainda úmido, e encontrou Ana, sentada no chão, debruçada sobre os papéis, lapiseira em punho e cabelo preso. Mesmo concentrada nas contas, Rafael sabia que ela ainda estava preocupada.

- Desculpa, Ana. Só estou estressado com essa matéria, só isso.

Ela levantou o olhar, séria.

- Eu sei, Rafa. Vem cá que eu te ajudo.


Vinte e Nove - Aproximação

Sueli desceu sozinha para tomar seu habitual café do meio da manhã. Ainda insistiu que Lúcia fosse com ela, mas não conseguiu. Entre tomar café sozinha e passar a manhã sonolenta, preferia descer desacompanhada mesmo.

Logo que chegou ao balcão já pediu à atendente uma xícara de café.

Quando seu pedido foi entregue, o homem disse:

- O cavalheiro ali, já pagou o café.

Sueli, que estava distraída, se espantou:

- O quê?! Quem? – ela olhou para onde o homem apontou. Sentado logo ali perto, estava Pablo, sorrindo simpaticamente e acenando. O jovem advogado estava ainda mais elegante do que o dia anterior, calça social preta e uma camisa esporte fino clara com listras azuis. Sueli suspirou, pensando: “Eu mereço...” Pegou sua xícara pelo pires e se sentou do lado de Pablo.

- Por favor, me diga que a Lúcia não armou isso?

- Não exatamente...

- “Não exatamente”?

- Venho aqui todos os dias. Ela só me avisou que horas você viria.

- Aquela desajuizada... – ela reclamou, abrindo bolsa – Não tem nada na cabeça. Aqui, o dinheiro do café.

- Porque você está resistindo tanto? – Pablo perguntou, recusando a nota de dois reais – Imagino que você deva ser uma mulher independente, mas uma cortesia não faz mal a ninguém.

- Isso não é uma cortesia, é uma tentativa de aproximação.

- Por que não pode ser os dois? – Pablo retrucou, aproximando-se.

- Porque nenhum nós não deveríamos.

- Não vejo motivo nenhum para tanto.

- Deus! Você é insistente.

- Não acredito que tenha a ver com Deus, mas sim, sou muito insistente. E tudo que peço são alguns minutos, um café amigável. Só isso.

Sueli percebeu que não teria jeito de se livrar de Pablo com facilidade. E realmente, não faria mal algum dispensar alguns minutos de conversa. Hesitante, ela guardou o dinheiro do café na bolsa, fechou-a e delicadamente, bebericou um pouco da bebida.

- Antes de começarmos nossa “conversa amigável”, por que esse interesse em mim? O que aconteceu com as meninas de vinte e poucos anos? Sumiram?

- E estou interessado em você há muito tempo. Como disse, via você no fórum, admirando, não apenas seu trabalho, mas você também. Esse era o meu interesse.

- Estritamente profissional?

- Claro que não.

- Você sabe que tem mais chances de se dar bem com uma garota da sua idade do que comigo?

- Depende do que você define como “se dar bem”.

- As coisas nunca vão passar desse cafezinho.

- É tudo o que peço.

Vinte e Oito - Dando o Troco

Rafael seguiu Guilherme e, ao alcançá-lo, perguntou:

- O que você está tramando?

Guilherme se virou, e aquele ser quase angelical que se materializava perto de Ana sumiu, deixando lugar para o habitual Guilherme: o sarcástico e irritante.

- Do que você está falando?

- Alguma coisa você está tramando, Guilherme. Esse tipo de bondade nunca foi muito a sua praia. Ou você acha que vai impressionar a Ana, “salvando os fins de semana” dela?

Guilherme olhou para Rafael, com algo que parecia desprezo:

- Você devia me agradecer, Rafa. Ontem, a Débora me disse que as coisas entre ela e o Selton já estavam encaminhadas, e que ficariam no fim de semana, quando fossem fazer o trabalho. Sem o trabalho, sem ficada.

- O que o faz pensar que eu me importo? – Rafael disse, desafiante.

- Eu já percebi como você olha pra Débora quando ela está com o Selton, ou fala dele. A raiva fica estampada na sua cara, só os outros não percebem. Você se corrói de ciúmes, Rafa. E com razão, diria.

- Ele é meu amigo! Já falei isso!

- Eu nunca disse o contrário, Rafa. Mas admita, você gostaria de ser algo mais... – Guilherme sorriu, malignamente.

Rafael engoliu em seco:

- Não! – mentiu.

Guilherme riu.

- Ok. E eu sou a rainha da Inglaterra – e se virou para ir embora – Aproveite minha boa vontade, Rafael, e agradeça por ter adiado a ficada dos dois. Ela será inevitável se não fizer alguma coisa e rápido.

- Eu vi você saindo de um carro, ontem – Rafael disse. Guilherme estancou e voltou a encarar Rafael, toda sua arrogância tinha desaparecido.

- Do que você está falando? – Guilherme perguntou, receoso.

- Ontem, você me encurralou no fim da aula e saiu, de repente. Lá fora, vi você sair de um carro, com um homem lá dentro.

Guilherme inclinou a cabeça, com um olhar intenso.

- Fiquei pensando: porque será que você me persegue tanto? Será que esse é o jeito psicopata que você arranjou de me “cortejar”?

Guilherme sustentou aquele olhar sério, mortífero por alguns instantes:

- Sabe, Rafa, eu sei o que você está tentando fazer: quer usar algum podre meu para me manter afastado, ou pelo menos sob controle - até que seu típico sorriso emergiu e seus olhos faiscaram – mas antes que você pense que eu estava me encontrando com um amante secreto, saiba que aquele era meu pai.

- Se era seu pai, porque saiu a pé e não de carro com ele?

Guilherme pensou por um momento, cogitando se devia falar.

- Sabe, se chegar a descobrir isso, talvez a gente possa voltar a conversar. Até lá... evite bancar o bad boy, que você não é, e tente não passar por momentos embaraçosos como esses.

Rafael olhou para Guilherme com a expressão fechada. Tinha certeza de que poderia afugentá-lo com aquela história do carro, mas tudo o que conseguiu foi ser humilhado.

- Posso ir agora? – Guilherme perguntou, ironicamente.

Vinte e Sete - Eficiência Insuspeita

Rafael e Selton encontraram Ana no ponto de ônibus e pegaram a habitual condução até o colégio. Ana até estranhou a disparidade entre o humor de Rafael no dia anterior, com o novo que ressurgira, aparentemente, depois de uma noite de sono. Nunca tinha visto ninguém de tão bom-humor, logo às seis e meia da manhã.

E, realmente, Rafael estava mais aliviado por ter pedido desculpas a Selton e ele ter aceitado tão bem. Ainda sentia que sua amizade era mais importante que qualquer briga. Queria, mais do que tudo, a amizade de Selton e não jogaria isso no lixo por tão pouco, nunca mais!

Lá pelas tantas, Débora surgiu para falar com Selton, com seu carisma abrasador. Como sempre, Selton acabou dando atenção à garota, mas, pra variar, Rafael tentou controlar seu ciúme e conseguiu, ao menos, tolerar a falação infindável da garota, sem querer arrancar sua cabeça do pescoço com uma faca enferrujada. Tudo que podia fazer era torcer para que o dia de fazer o raio daquele trabalho demorasse muito para chegar e que até lá, Débora insistisse tanto que perderia a graça para Selton e que eles não ficariam.

Mas também não podia esperar que Selton ficasse solteiro e sozinho para sempre. Se continuassem amigos – como esperava que acontecesse por muito tempo – logo apareciam as ficadas, as garotas interessantes; até porque, depois do jogo da noite anterior, Selton se tornou bem popular. Logo, passaria a sair e andar mais com os caras do jogo, baladas insanas e garotas à vontade. Não! Era melhor mesmo e acostumar com a idéia de Selton ficar com outras pessoas. Até porque a idéia de se ressentir por algo que nem existia era absurda!

E Selton não seria a primeira paixão que teria que superar por não ser correspondido – e certamente não seria a última. Já teve que esquecer várias outras garotas no passado e tinha sobrevivido muito bem obrigado. Não seria diferente só porque Selton era homem. Passaria por um sombrio período de melancolia, acompanhado de diversas músicas melosas, algumas sessões de filmes com Ana e estará pronto pra outra. Se bem que, outra como aquela ele não queria nunca mais.

Era hora do intervalo, Ana e Rafael estavam conversando sobre qualquer coisa, enquanto Selton e Débora prosseguiam a dançar verbal deles, quando Guilherme apareceu carregando uma pasta. Ele parecia cansado, mais do que o habitual.

- Bom achar todos vocês aqui – Guilherme disse entregando a pasta a Ana – Eu estava de bobeira ontem a noite, aí fiz os exercícios de química, do trabalho. Dêem uma olhada e se quiserem podem tirar cópia pra verem o que tem dúvida.

- Ei! Vai com calma - Selton disse – Você já fez o trabalho?! Sozinho?!

- Eram mais de trinta questões Guilherme! – Ana relembrou, espantada, enquanto folheava as páginas – E você fez no computador?! - Débora e Rafael se aproximaram de Ana e olharam por cima do ombro dela, observando. Fórmulas inteiras, estruturas atômicas de hidrocarbonetos, equações químicas perfeitas, com a sinalização dos elétrons de valência, símbolos químicos. Parecia um livro-texto de química – Quando você fez isso?!

- Às vezes tenho crises de insônia. Fiquei acordado a noite inteira, aí aproveitei pra adiantar o trabalho.

- “Adiantar”?! – Rafael exclamou - Você fez o trabalho!

- Todas as questões estão aqui – Ana constatou, chegando à ultima página.

- Bem, eu não tenho certeza de que estejam todas certas, fiz o que pude. E depois preciso do nome de vocês pra fazer a capa. Como o trabalho é só pra semana que vem, dá pra resolver isso mais pra frente.

Os quatro estavam impressionados com a eficiência absoluta de Guilherme. Rafael sabia que ele era inteligente, mas não que podia resolver uma série de dezenas de exercícios de química e ainda fazer todos os gráficos e reações químicas no computador.

- Como você fez os desenhos? – Rafael perguntou.

- Qualquer meia hora em Corel Draw resolve isso. E só tem hidrocarboneto... aí o “copiar e colar” ajuda bastante.

Rafael farejou que tinha alguma coisa no ar. Modéstia nunca foi uma característica de Guilherme.

- Obrigada – Ana disse, desconcertada – Você... salvou meu fim de semana.

- Salvei o meu também.

- Valeu mesmo, cara – Selton disse, olhando o trabalho.

- Eu vou lá comprar alguma coisa pra ver se fico acordado.

- Vai lá, Gui – Débora disse desanimada. Talvez porque seus planos de tentar ficar com Selton no fim de semana tinha ido por água abaixo.

Guilherme se afastou, enquanto Rafael ainda pensava nos prováveis motivos que o garoto teria para “tamanha gentileza”. Conhecia bem ele, Guilherme não dava ponto sem nó. Alguma coisa ele estava armando, e não devia ser boa.

- Gente, já volto.

Vinte e Seis - Arrependimento

O barulho da água caindo era insuportável. Alex tinha fechado a porta do banheiro para tomar seu banho, bem cedo, quase cinco da manhã, afinal, tinham dois homens pra se arrumar para não se atrasarem.

Rodrigo, encostado no batente da porta, de braços cruzados, se remoia por dentro. Nem mesmo o álcool e o tesão foram suficientes para fazer o que há anos desejava. Quando, delicadamente, conseguiu abaixar a cueca de Alex durante seu sono com o caminho livre e desimpedido para realizar sua mais louca fantasia, simplesmente não teve coragem. Fraquejou o último segundo. Repensou o que estava fazendo e temeu que, ao acordar, Alex percebesse o que havia acontecido e se enfurecesse, principalmente com todas as questões sobre a sexualidade do irmão, a angústia de não saber o que fazer. Em qualquer outra noite poderia ter acontecido, mas naquela, Rodrigo ficou com medo do amigo ter alguma reação violenta e, uma única vez na vida viu Alex bater em um cara. Dizer que a vítima foi partida ao meio seria pouco.

No fundo, apanhar de Alex era o que menos o preocupava. Perder amizade dele era o que podia acontecer de pior.

Amizades nunca significaram muito em sua vida, por isso era fácil transar com amigos héteros, aproximava-se deles apenas pra isso. OK, aproximou-se de Alex pelo mesmo motivo, mas com o passar do tempo as oportunidades foram passando e acabou criando um vínculo verdadeiro com ele. Talvez nunca mais houvesse outra oportunidade, nem devesse haver. Algumas coisa não devem ser mudadas.

- Pegou sua tolha, Cabo? – Rodrigo gritou da porta.

- Ih, soldado. Peguei não. Traz aí pra mim.

Rodrigo pegou a mochila do amigo, levou a toalha e pendurou-a na maçaneta do lado de fora.

- Está na porta, Cabo.

- Fala sério, né, Soldado. Está com vergonha? Dá a toalha aqui!

“Não é vergonha, Cabo. È tesão.”

Respirando fundo, ele abriu a porta e pendurou no gancho perto do Box. O banheiro era proporcional ao restante do apartamento; ou seja, minúsculo. O Box não tinha nem porta nem cortina de plástico, era completamente aberto, o que fazia molhar todo o cômodo quando alguém o usava.

Lá estava Alex, seu objeto de desejo, todo ensaboado, tirando o xampu do cabelo. Era impossível não olhar pra tal monumento a beleza.

- Aqui a toalha.

- Valeu.

Então, numa olhada muito oportuna, Rodrigo viu algo que não poderia escapar jamais. Em cima da bancada da pia, Alex tinha deixado a cueca usada, antes de entrar para o banho. Rodrigo olhou para Alex, que ainda estava de olho fechado. Ele ficou imaginando que cheiro teria, uma coisa que ficou o mais próximo possível do saco de Alex. Seus pensamentos não foram muito bem calculados, o instinto sexual falara mais alto agora. Num movimento rápido, simplesmente pegou a cueca e saiu.

- Demora não, Cabo – ele disse, para disfarçar.

- Já estou saindo, Soldado.

Rodrigo bateu a porta e entrou para seu quarto. Ali, a salvo da vista de Alex, agarrou a cueca e a esfregou no rosto, inspirando fundo, o perfume de amaciante e levemente de suor. Mesmo que o perfume erótico fosse ínfimo, disparou uma reação explosiva em Rodrigo. Delirante, ele podia quase sentir o que aquela cueca conteve com dificuldade alguns minutos atrás. Suspirou, descendo a mão pelo seu corpo enquanto se deliciava com aquele pedaço de pano. Seu pau estava em riste há muito tempo, desde que percebera a oportunidade de guardar um souvenir. Por dentro da calção, começou a friccionar a pele do seu pau, duro feito rocha, suas bolas, imaginando estar com o nariz nos pêlos de Alex, com aquele saco cavalar espalhado em seu rosto.

- Soldado, já terminei aqui!

A voz de Alex surgiu de súbito. Rodrigo tomou um susto, e rapidamente parou de se masturbar e guardou a cueca do amigo no bolso. “Ele me pegou”, era o pensamento em sua mente alarmada. Mas não, Alex tinha saído do banheiro direto para a sala. Aliviado por não ter sido pego em flagrante, Rodrigo disse:

- Já vou, Cabo.

sábado, 26 de junho de 2010

Vinte e Cinco - Desculpas

No dia seguinte, Rafael acordou mais cedo, tomou banho mais rápido e, praticamente, engoliu o café-da-manhã. Sueli até estranho o filho recusar a carona, mas não se opôs. Assim que terminou de escovar os dentes, Rafael apanhou a mochila, correu pro portão de casa e sentou no meio-fio, esperando que Selton saísse. Sentiu o frio da manha incomodar, aquele dia amanheceu acinzentado, uma névoa rasteira e uma brisazinha chata. Era a promessa de que lá pelo meio-dia, o calor ia rachar o chão!

Não demorou muito e Selton saiu, com a mochila nas costas, o habitual boné verde, com a aba apontando para baixo. “Nossa! Esse cara é muito lindo!”

Selton fechou o portão e viu Rafael do outro lado da rua. Era claro que ele estava constrangido em ver o amigo. Ele respirou fundo e atravessou.

- Bom dia. - Selton disse primeiro.

- Bom dia - Rafael respondeu, também constrangido - Eu queria pedir desculpas por ontem, cara. Eu fui grosso com você.

- Eu que tenho que pedir desculpas, Rafa. Eu acabei não pensando direito e falei o que não devia. Não tenho nada a ver com a sua vida pessoal.

Rafael se espantou e, em seguida, ficou indignado:

- É lógico que tem! Você é meu amigo! Eu só fiquei irritado, ontem! Saí da quadra ontem de cabeça quente, e acabei descontando em você.

Selton olhou, profundamente, em seus olhos.

- Eu te entendo. Eu também não estava com as idéias no lugar certo - ele estendeu a mão para Rafael - Amigos de novo?

Rafael respondeu ao aceno:

- Nunca brigamos.