quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trinta e Dois - Duas Escovas

A lasanha estava deliciosa, exatamente como Guilherme se lembrava. Tiveram que servir seus pratos na cozinha para terem espaço na mesa da sala, já que os pratos entrariam numa luta injusta contra a travessa de lasanha. Apesar de meio espremidos, o jantar tinha sido agradável. Guilherme e o pai trocaram conversas interessantes, principalmente sobre os filmes que não assistiram juntos nos últimos meses, coisa que os dois faziam quase sempre. Evitaram falar de qualquer tipo de problema para não estragar aquele momento raro de paz. Ao terminarem de jantar, ainda ficaram sentados um tempo, esperando a comida se acomodar no estômago. Lasanha era uma maravilha, mas pesava muito.

À medida que o tempo passava, Guilherme se tocava que talvez estivesse errado; talvez o jantar não fosse um pretexto para uma conversa complicada. Era apenas um jantar de pai e filho separados pela tragédia familiar. Difícil de acreditar, principalmente quando sua intuição gritava que havia segundas intenções no convite do pai. A hora crítica, no entanto, se aproximava. Ele sabia que o pai não tocaria em nenhum assunto delicado enquanto comessem; esperaria até o fim do jantar para terem a temida conversa.

Suas especulações caíram por terra quando Eduardo disse:

- Você põe os pratos na pia e guarda a Lasanha no forno, enquanto escovo os dentes?

Guilherme escondeu sua surpresa e fez o que o pai pediu. Empilhou os pratos e os talheres e se dobrou para pra passar entre a mesa e a poltrona; deixou-os na pia e com cuidado pra não derrubar a pesada travessa de lasanha, abriu o forno e a guardou.

- Deixei uma escova nova pra você em cima da pia - Eduardo comentou, voltando a sala.

- Obrigado - Guilherme respondeu - Só vou lavar a louça...

- Deixa isso aí, que daqui a pouco eu arrumo.

Guilherme nem esperou o pai insistir. Odiava lavar louça e se tinha alguém se prontificando a fazê-lo no seu lugar, ele não pestanejava.

- Ok – Guilherme disse.

Enquanto o pai arregaçava as mangas pra começar a limpar os pratos sujos, Guilherme foi ao banheiro. Ironicamente, o banheiro era espaçoso, até demais. Se o arquiteto daquele prédio tivesse sido menos generoso com o banheiro, teria mais espaço, por exemplo, na sala, onde ele era definitivamente mais necessário!

Guilherme viu a embalagem inviolada da escova que o pais mencionara em cima da pia. Pegou-a e a abriu, tirando o produto; a pasta de dentes estava num copo de plástico, junto com outras duas escovas. Guilherme espremeu o tubo, tirando a pasta branca e espalhando-a nas cerdas da escova nova que segurava em sua mão, mas aquelas duas outras escovas no copo estavam o incomodando.

Começou a limpeza bucal, distraidamente, ainda olhando para o copo. Uma delas estava bem usada, com as cerdas um pouco tortas e a outra tinha sido usada também, mas com menor freqüência. Seu pai morava sozinho, não tinha razão para ter duas escovas no banheiro. A única explicação plausível era que mais alguém freqüentava o apartamento. Mas outra coisa não tinha explicação...

Ele lavou a espuma mentolada e cuspiu-a. Tinha algo estranho naquela imagem. Ele precisava investigar mais, saciar sua curiosidade.

- Pai! O sabonete acabou! – ele gritou.

- Tem mais no armário! Pode pegar.

Pronto! Agora tinha uma desculpa pra abrir o pequeno armário com o espelho, acima da pia. Mal virou a portinhola e deu de cara com uma caixa de preservativos. Não chegou a ser exatamente uma surpresa. Já imaginava que, depois de tanto tempo afastado da esposa, o pai estivesse “suprindo” suas necessidades. Guilherme pegou a caixa e viu que já tinha mais da metade vazia; esticou os olhos para a lixeira ao lado do vazo. Exceto pelo papel higiênico amassado e fios dentais usados, não havia nada de interessante no lixo, além da embalagem preta aberta e do que Guilherme reconheceu como o extremo de uma camisinha usada.

- Interessante – ele sussurrou.

Tinha uma olhada pendurada na porta do Box e outra esticada num gancho ali perto. Com as mãos, ele apertou as duas e elas ainda estavam úmidas.

Tudo que notara já era esperado. As escovas, as camisinhas, as toalhas molhadas. Desde que o pai o convidara para jantar, imaginava que anunciaria algo daquela gravidade e, como ainda não dissera nada, talvez tivesse perdido a coragem. No entanto, restava uma coisa que não se encaixava. Logo que abriu a porta do armarinho, viu dois barbeadores descartáveis guardados nas prateleiras...

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