quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trinta e Quatro - Contra a Parede

Quando Guilherme voltou à sala, seu pai já tinha terminado de lavar os pratos e os talheres e estava sentado no sofá assistindo Jornal Nacional.

- Demorou – Eduardo disse – Não me diga que se perdeu no apartamento.

Guilherme não riu. Ele estava mais sério do que o habitual, mãos no bolso e olhos cerrados.

- Eu sei porque você me convidou para jantar, hoje.

Eduardo também ficou sério.

- Do que você está falando, Guilherme?

- Eu vi as escovas na pia e as camisinhas no armário, pai. Ou você achou que eu não as notaria?

Eduardo, pego de surpresa, ficou sem reação. Depois, engoliu em seco.

- Eu não sei o que dizer, Guilherme.

- Que tal: “eu tenho transado, feito sexo com outras pessoas além da sua mãe”?

- Outras pessoas, não?! - Eduardo, disparou, ofendido – Eu não saio por aí transando com Deus e o mundo!

- Por que você não disse, logo de uma vez, se foi pra isso que você me chamou?

- Porque percebi que minha vida sexual não diz respeito a você?! – Eduardo gritou.

Guilherme pensou bem no que o pai tinha dito.

- Concordo com você. Sua vida sexual não me diz respeito. Mas você me chamou aqui, me convidou pra jantar e fez meu prato favorito. O que significa que você estava disposto a discutir alguma coisa comigo e não era sua vida sexual. Certamente, não é a minha também...

Eduardo olhava o filho, com o evidente arrependimento estampado no rosto. Tinha se esquecido que Guilherme era um observador nato e inteligente para além dos limites comuns, qualquer mínimo detalhe lhe revelava-lhe uma história inteira.

– Eu acho que virou mais do que “só sexo” – Guilherme continuou - e você precisava ser honesto com a sua família. E a única pessoa sã na família que restou sou eu.

- Eu não queria que acontecesse, Guilherme – Eduardo se defendeu, com lágrimas nos olhos - Faz quase um ano que seu irmão se foi, que sua mãe me expulsou da vida de vocês. Você tem idéia do quanto é solitário aqui, tendo que lidar com abandono, com luto, com saudade?

- Não estou te condenando, pai – Guilherme o interrompeu – Eu entendo o quanto essa situação toda é ruim e fica mais fácil com alguém do lado. Quando você me chamou, logo imaginei que você diria algo parecido, que tinha conhecido alguém, que estava em um relacionamento.

- Nada te escapa, não é mesmo?

- Nada! – Guilherme afirmou em tom definitivo. Ele tirou a mão direita do bolso, com cuidado e colocou os dois barbeadores em cima da mesa – Quem é ele, pai?

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