quinta-feira, 24 de junho de 2010

Vinte - Perguntas e Respostas

O pessoal se concentrou do lado de fora do clube, esperando os retardatários aparecerem. Dali, o plano era rumar para um barzinho qualquer, com cerveja barata. Problemas com idades? Nenhum! Verdade seja dita, a maioria dos garotos ali já tomaram porre em cima de porre, muito antes de chegar a maioridade e boa parte dos bares de Juiz de Fora não pedem identidade para averiguar quem é adulto ou não.

Rafael notou que Selton voltou do vestiário com cara de poucos amigos. Não destratou ninguém, mas para quem fora considerado o jogador do dia, não estava nem um pouco feliz. Rafael perguntou o que tinha acontecido.

- Nada! Só ouvi uma conversa no vestiário que me deixou bolado. Mas depois a gente conversa – Selton disse, reservadamente – Aqui não dá pra falar.

Rafael não pôde fazer nada além de deixar pra conversarem depois.

Quando todos saíram do clube, a questão de “pra onde iriam” foi levantada. Rafael não se sentia bem para ir a lugar nenhum, pensando que o dia do trabalho seria fatalmente o dia da sua derrota. Débora pareceu determinada a ficar com Selton em tal data e só de imaginar o que aconteceria fazia o estômago de Rafael revirar.

- Gente, eu vou pra casa! – ele disse – Outra hora a gente marca uma zoada.

E surgiu ondas de protestos, mas Rafael foi firme.

- Falou, galera.

- Eu também estou indo, gente. – Selton disse.

O protesto foi ainda maior.

- Ah! Selton, fica mais, a noite só está começando – Débora disse – Vamos comemorar sua entrada oficial pra turma.

- Galera, valeu mesmo, mas o baixinho ali deu uma trombada em mim que está doendo pra caramba. Só quero ir pra casa e passar uma pomada pra poder ir a aula amanhã.

Todos fizeram um muxoxo, mas se despediram de Selton e Rafael. Ana também decidiu descer com eles, senão teria que ir embora sozinha depois.

No ônibus, Selton melhorou de humor e conversou animadamente com Ana sobre o jogo, como tinha sido bom jogar e se sentir enfim, parte da turma. Mas Rafael permaneceu distante, remoendo a história de Selton e Débora. Ele sabia que era só questão de tempo para que os dois ficassem e ele estava de mãos atadas.

Logo, ali, do seu lado, Selton percebeu a alteração do amigo e, também, ficou apreensivo.

Rafael agradeceu a Deus, quando, finalmente, desembarcou no seu bairro. Só mais algumas ruas e estaria em casa, tomaria um banho quente, jantaria e dormiria tranqüilamente. Mal podia esperar pra relaxar e esquecer da idiotice que foi ter ido assistir ao jogo dos amigos.

Selton desceu logo depois dele, Rafael estava tão aéreo que nem o esperou; só se tocou disso quando o amigo o chamou:

- Ei, cara! Espera!

Rafael estancou e esperou o amigo.

- Desculpa. Estava em outro lugar.

- Eu notei. Você está assim desde o fim do jogo.

- Pois é - murmurou.

A noite já tinha caído por completo, e a única coisa que iluminava a rua era a luz das casas e os postes. Selton ficou calado, esperando que Rafael desenvolvesse alguma idéia, que explanasse sobre sua quietude. Porém, ele permaneceu mudo.

- Por que você está assim, cara?

“Por que a louca da Débora está afim de você, porque você parece estar afim dela, e eu, que sou todo errado, vou ficar chupando dedo, batendo punheta pra um cara que só me vê como amigo”

- Nada, só estou com um pouco de dor de cabeça.

Selton não se convenceu, mas também não discutiu.

- Rafa, posso te fazer um pergunta?

Rafael nem pensou, apenas disse:

- Pode.

- Existe alguma coisa entre você e a Ana? – Selton perguntou, com receio de estar fazendo uma pergunta demasiadamente pessoal.

- Não! Quem disse isso?

- Na verdade a própria Ana. Ela me disse que o pessoal acha que vocês ficam há um tempo.

- Foi essa a conversa que você ouviu no vestiário?

- Também.

- Tem mais alguma coisa?

Selton hesitou, por um longo tempo, franzindo o rosto.

- Não, deixa pra lá, Rafa.

- Fala, cara!

- Não! Você pode ficar irritado!

- Pode falar, Selton!

Mas nada saiu de sua boca. Ele não sabia se Rafael sabia o que Guilherme dizia sobre sua sexualidade; se sabia que algumas pessoas também tinha a mesma impressão e poderia complicar muito a vida de Rafael se falasse o que não devia. Chegou à conclusão que devia comprometer apenas a si próprio. Ele parou, bem embaixo da luz do poste, procurando coragem pra perguntar:

- Rafa, você é ... gay?

Rafael ficou paralisado. Seus neurônios disparavam perguntas demais ao mesmo tempo, dentro de sua cabeça: “o quê?”, “de onde você tirou isso?”, “que absurdo é esse?”, “você também é?”, “quem te deu essa idéia?”, “quem te disse isso?”... Eram tantos pensamentos que ele travou. Até que as coisas foram se acalmando e ele pensou: “Sou! E estou completamente apaixonado por você”.

Ele encarou Selton diretamente nos olhos, sem piscar, o rosto trincado. Selton devolvia o mesmo olhar firme, esperando a resposta que demorava a vir.

- Não! – Rafael respondeu, a coragem de finalmente admitir o que sentia indo embora. Se virou para continuar seu caminho, decepcionado consigo mesmo. Primeiro Guilherme no seu pé, perseguindo-o onde quer que fosse, como uma sombra maldita, depois Débora conquistando aos poucos a atenção de Selton. Tivera a chance de acabar com seu sofrimento de uma vez por todas, assumir o que sentia e, mesmo que não fosse correspondido, aquela questão estaria encerrada de uma vez por todas., mas fraquejara no último segundo.

- Tem certeza, Rafa? Não tem problema se você for...

Rafael o interrompeu bruscamente:

- Já disse que não, Selton! Que saco!

Selton se assustou com a alteração de Rafael. Ele sempre fora um garoto tranqüilo e não era dado a xingar ou gritar.

- Desculpa, cara. Não queria te aborrecer.

- Então, pare de tocar nesse assunto! - e, ainda mais enfurecido, Rafael andou na frente sem esperar por Selton.

Dezenove - Conversa de Garotas

Rafael estava quase dormindo, de tanto tédio. Sentiu alivio quando o jogo acabou e viu os garotos, finalmente, irem para o vestiário. Logo, estaria a caminho, senão de casa, pelo menos, de um bar, onde não teria que escutar a voz irritante de Débora falar de Selton o tempo todo.

- Você viu como o Selton joga bem? – ela perguntou pra Ana.

- Ele joga muito bem mesmo. E no começo do jogo os meninos estavam receosos com ele.

- E quando ele veio aqui, falar com a gente no meio do jogo? Todo suado, cansado, parecendo um gladiador.

Rafael deu um riso esganiçado, achando graça do “gladiador”.

- Que foi, Rafa? – Débora perguntou.

Ele se limitou a dizer

- Nada!

- Ele andou me perguntando de você hoje mais cedo? – Ana disse.

Rafael, que estava de olho fechado, quase pegando no sono, levantou num solavanco.

- Sério? E o que você disse?

- Ah! Falei a verdade, que você é... espontânea – Ana respondeu, sem graça, tentando omitir partes daquela conversa.

- E ele? Ele disse alguma coisa?

- Ele disse que... gosta de garotas espontâneas – ainda hesitante.

O sangue de Rafael congelou.

- Ele disse isso?! – Rafael perguntou, subitamente, engolindo em seco.

Ana e Débora se assustaram com a interjeição repentina de Rafael.

- Digo... normalmente os caras gostam mais das garotas mais... recatas... mais tímidas.

- Isso é mito, Rafa! Eles dizem isso porque tem medo de garotas muito decididas, mas é só chegar com cuidado que eles adoram.

Ana parou pra pensar no que Débora falou e estranhou que a garota tinha excluído Rafael da categoria dos garotos.

- E o que mais ele falou? – Débora disse, batendo ansiosamente na perna da amiga.

Rafael queria sair dali, pra não escutar mais nada que pudesse deixá-lo pra baixo. Já tinha escutado o suficiente. Por outro lado, não se perdoaria se saísse de perto e deixasse de escutar algo que melhorasse suas esperanças.

- Dé, vai com calma. Ele também me falou que já percebeu que você está afim, mas, por enquanto ele não quer rolo com ninguém.

- Sério, Ana? – a voz de Débora murchou, junto com sua animação – Por quê?

- Não sei, Débora. Às vezes ele tinha namorada em Brasília e ainda não superou o término...

“Não é isso”, Rafael pensou, acompanhando a conversa. “Ele não namorava ninguém em Brasília?”

- Não é isso. Ele não namorava ninguém em Brasília.

- Ele te falou isso?! – Rafael perguntou, esbaforido.

- Disse. A gente conversado muito sobre relacionamentos e tal...

Rafael não acreditou.

- Só vá com calma, ok? – Ana advertiu.

- Claro que vou. Com muita calma. Com a química que tem rolado entre a gente, até o dia do trabalho eu o faço mudar de idéia.

Rafael ouviu o que podia agüentar. De súbito, ele se levantou da arquibancada e foi em direção à lanchonete de clube.

- Onde você vai, Rafa? – Ana gritou.

- Comprar alguma coisa pra beber! Qualquer coisa é melhor do que ficar ouvindo conversa de garota!

Ana desceu atrás de Rafael correndo. Ela o puxou pelo braço e o virou com força. Rafael desejou, ardentemente, que ninguém a visse fazer aquilo, ou então teria que ouvir vários comentários maldosos. Se bem que, com Guilherme o infernizando por aí, seria melhor mesmo que todo mundo inteira os visse.

- O que está acontecendo com você, Rafa? Você tem agido estranho, não é de hoje!

- Do que você está falando, Ana? – Rafael se fez de desentendido.

- Dessa história do Guilherme entrar pro nosso grupo! Vocês nunca foram amigos e ele foi pedir logo pra você! Você decidiu vir ver jogo de futebol! E tem mudado de humor de repente, fica nervoso sem motivo nenhum... às vezes parece que tem uma nuvem negra pairando sobre sua cabeça!

Rafael viu que a amiga estava realmente preocupada com ele.

- ENão posso mudar de humor mais não? Tenho que estar sempre sorrindo ou sempre emburrado?

- Não é isso, Rafael! Só que, sempre que você fica pra baixo, você me fala o que está acontecendo e, esses dias, você simplesmente fez voto de silêncio!

- Não está acontecendo nada, Ana! Acredite em mim!

- Você precisa aprender a mentir, Rafa!

- Não estou mentindo! – protestou.

Ana torceu o nariz. Estava impelida a continuar o interrogatório, mas logo viu que não adiantaria nada:

- Ok, Rafa, você venceu! Mas quando quiser me contar, saiba que eu estou aqui! - e o abraçou.

Rafael a abraçou, mas nem entendeu aquela expressão de sentimentalismo. Eles eram muito amigos, mas raramente se expunham daquela maneira. E, junto com essa confusão racional, ele se sentiu confortável.

Dezoito - Vestiário

O tempo do aluguel da quadra se esgotou e, com ele, o jogo. Fora quatro partidas e o time de Selton ganhou todas; alguns do jogadores revezavam para recuperarem as energias, porque não dava pra jogar direto. O único que jogou as quatro sem reclamar foi mesmo Selton. Ao final do jogo, estavam todos ensopados de suor, arfantes e, de alguma maneira, animados. Foram para o vestiário fazendo algazarra, falando alto e rindo.

- Que isso, cara! O Selton joga demais! – comentou Bernardo, um garoto negro, alto de cabelos raspados, que jogou no time adversário – Onde você aprendeu a jogar bola desse jeito?

Selton estava tirando sua toalha e sabonete da mochila, disputando acirradamente um espaço no banco. O vestiário estava apertado com tanto homem e o cheiro de suor era sufocante. Selton já tinha percebido que não havia chuveiro para todo mundo – nunca havia – e ele não estava afim de ficar na fila, esperando o banho dos outros. Descalçou sua chuteira, pegou sua toalha e deixou para tirar o restante da roupa no Box, para ganhar tempo.

- Sei lá, cara – ele respondeu, equilibrando suas roupas na porta do Box. A conversa continuou com comentários das jogadas, elogios às habilidades quase heróicas de Selton, tudo regado a muito palavrão. A conversa alta foi mudando, até que, quando Selton saiu do Box, com a toalha enrolada na cintura e as roupas nas mãos, estavam falando de mulher:

- Vocês viram aquela moreninha que estava na lanchonete? – Bernardo comentou – Que isso! Quase não prestei atenção no jogo. Volta e meia dava uma olhadinha naquela bundinha redonda dela.

- Por isso você jogou igual um perna-de-pau, né?! – perguntou Gustavo, outro garoto da turma. Quem ouviu, riu da gozação.

- Falou o bonzão do jogo – Bernardo retrucou – Levou tanto frango que tem almoço e janta pro resto do mês! – e a zoação continuou mais um tempo, até que Gustavo falou:

- Não é por nada, não... mas a Débora está no jeito, hoje.

- Viaja, não, mané! Ela não tirou os olhos do Selton.

- Aliás, ela não faz mais outra coisa - disse Diego, um garoto meio gordinho, com rosto de criança e olhos grandes. Seus cabelos eram negros e lisos.

- Olha o ciúmes, hein! – Gustavo advertiu, tirando uma com o colega.

- Eh! A Débora já está no jeito pro Selton dar uns pegas nela.

Selton, desconfortável, estalou os lábios:

- Nada a ver, gente – Selton disse, secando os pés.

- Ah!Fala sério que você ainda não notou que ela está te dando o maior mole?! – Bernardo exclamou.

- Ela não está me dando bola... A gente só tem... conversado – Selton estava relutante em admitir o que realmente estava acontecendo entre ele e Débora; primeiro porque não sabia ainda no que aquele lance daria e, segundo, porque não se sentia a vontade pra discutir sua vida pessoal num vestiário com gente que ele mal conhecia há uma semana.

- Vai fundo, cara! Fica pensando muito, não, que mulher a gente não deixa esperando! – Elton disse, prendendo o cinto da calça jeans.

- Eh, cara! Ainda mais a Débora que é de veneta. – Gustavo completou.

Selton terminou de secar e vestiu rapidamente sua cueca e bermuda, para, então, vestir a meia.

Eles continuaram conversando, enquanto terminavam de se arrumar, e o vestiário foi ficando cada vez mais vazio.

- Eu estranhei o Rafael ter vindo – Gustavo comentou – Veio, sentou e sentado ficou...

- Eu o chamei pra ver o jogo e sair com a gente depois – Selton comentou, inocentemente.

- Você o chamou?! – Bernardo indagou.

- Chamei – Selton respondeu, intrigado – Algum problema?

Bernardo e Gustavo trocaram um olhar, segurando um riso malicioso.

- Não, problema nenhum. Só que isso respondeu minha pergunta anterior...

- Como assim?

- Nada, cara. Só pensa duas vezes antes de chamar o Rafael pra qualquer coisa.

- Por quê?!

– Só pensa, cara - Gustavo concluiu, amarrando o tênis.

- Eles estão insinuando que o Rafael não jogue exatamente no nosso time – Guilherme disse, terminado seu banho – E eu não estou falando de futebol...

- Sério?! – Selton estranhou – O Rafa?...

- Não! Guilherme, pára de falar besteira – Diego interveio – Esses dois aí que vão na pilha errada do Guilherme!

- Eu não falei nada! – Gustavo se defendeu.

- Escuta esses caras, não! O Guilherme inventou essa história porque todo mundo fala que o Rafael já fica com a Ana vez ou outra, e ele nunca teve chance com ela. Aí, de birra infantil, fica falando coisa que não deve.

- E pra que você faz isso, cara? – Selton virou para Guilherme, com certo desprezo.

Guilherme, ao invés de se defender, simplesmente encarou Selton com um sorriso, e sentando-se no banco do vestiário disse:

- Eu só acho estranho ele andar com a Ana pra cima e pra baixo, não joga bola com a gente, raramente ouvimos falar que ele ficou com alguma garota... Os sinais estão todos aí... basta querer ver...

- Nada a ver, Guilherme! – Diego disparou – Isso aí é pura inveja!

- Éh, a gente só estava zoando – Gustavo disse, enfim, parecendo arrependido – E ele já pegou umas garotas por aí. Gatinhas até! Aquela Alice do 3º C. Que isso! Até eu fiquei com inveja do garoto!

Guilherme olhou e contraiu os lábios, com quem se controla pra não dizer nada, mas ainda sorrindo.

- O cara é gente fina – Bernardo disse.

- Eu nunca disse que ele não era – Guilherme completou, sem se importar muito em ser inconveniente.

Dezessete - Formatar

Alex apertou o botão do controle remoto, pendurado no retrovisor e esperou o portão automático terminar de abrir para estacionar o carro na garagem. Desligou o motor e saiu, já discando o número da namorada; trancou o carro e acionou o alarme enquanto a chamada não era completada.

- Alô, meu anjo? Liguei pra falar que cheguei em casa. Aham! Vou, mas só mais tarde. O PC do meu irmão deu pau, aí ele pediu pra eu dar uma olhada. Eh! Lá pelas sete e meia, oito horas. Eu sei que é tarde, mas vou levar a farda; durmo aí e saio amanhã cedo, pode ser? Ótimo. Vou correndo te ver. Beijos. Até daqui a pouco.

Quando desligou o celular já tinha chegado em seu quarto e jogado a mochila na cama.

Diferente de Rafael – que parecia ser compulsivo por organização – Alex era mais relaxado; para um militar, ele era bastante bagunceiro. A mesa do computador era coberta de papéis, cds, e componentes de outros computadores; o chão estava repleto de roupas sujas e a cortina vivia fechada. Era como entrar numa floresta escura, cheia de obstáculos, sempre suspeitando de algum animal que pudesse avançar do nada! Mas quem disse que o incomodava. Tinha tudo o que precisava ao alcance e mesmo naquele caos diminuto sabia com precisão onde encontrar seus pertences.

Pra começar, tirou a farda e o coturno e vestiu um calção folgado. Preferia ir direto tomar banho, mas podia fazer isso enquanto reinstalava o Windows no computador do irmão; apenas pegou sua toalha, assim não teria que descer e podia tomar banho na suíte do irmão. Não chegou a ser exatamente uma surpresa perceber que Rafael não estava em casa e ainda não tinha dado a hora da mãe chegar. Talvez conseguisse sair antes que todos chegassem. Ligou o computador do irmão pra ver o que estava acontecendo e realmente, o Windows não carregava. Talvez estivesse corrompido. Colocou o cd de instalação e deixou o programa executar suas rotinas, vez ou outra dando um comando para que o processo continuasse. Quando sua parte havia terminado e o programa prosseguiria sozinho, Alex foi tomar seu banho.

Quando voltou, a instalação já estava perto de terminar, dando tempo para que fosse na cozinha comer alguma coisa, afinal, estava faminto. Arrumou um sanduíche de pão de forma com mussarela, presunto, alface e salame fatiado, com um pouco de mostarda e uma caneca de chopp cheia de suco de laranja e subiu, degustando seu sanduíche com prazer; como dizem: “matou quem o estava matando”. Terminado o lanche, pegou uma farda limpa no guarda-roupa e arrumou seu uniforme na mochila camuflada; abriu sua gaveta de tranqueiras, onde havia uma caixa de camisinhas. Tirou três e as guardou junto com a cueca e o par de meias. Já tinha quase uma semana que ele e a namorada não transavam, e já que os pais dela não ligavam de dormirem juntos, o melhor era aproveitar.

Ainda pensando na noite que teria com Carla, subiu ao quarto de Rafael pra ver como estava formatação. Ela tinha terminado antes do esperado, para a felicidade de Alex, que já estava ficando ansioso. Claro que transar com namorada não era a única coisa que passava pela sua cabeça, mas não tinha muito mais do que isso, não. Agora, só tinha que ajeitar algumas configurações do sistema, instalar uns programas básicos e passar um antivírus, pra ter certeza de que nada tinha ficado para trás.

Instalar os programas foi rápido, mas o escaneamento do antivírus demorou bastante. Mesmo que o sistema estivesse limpo agora, recém instalado, o irmão tinha muita coisa na outra partição do disco e como não queria correr riscos pela pressa, deixou o escaneamento correr, mesmo que fosse entediante.

Os endereços e arquivos passavam assustadoramente rápido na tela do antivírus, mas lento o bastante para Alex ler algumas coisas. Reconhecia extensões de fotos, música, vídeos, muitos executáveis, documentos de texto, provavelmente trabalhos de escola. Até que, num dado momento, começou a ler várias palavras seguidas, a maioria em inglês. Não que Alex entendesse muito de inglês, apenas o que lhe interessava, o que restringia muito as possibilidades. Uma delas: sexo.

- Ah! Irmãozinho... Sabia que tinha putaria nessa história.

E, enquanto, os arquivos passavam pela análise do antivírus, Alex tomou um susto quando leu a palavra “gay” várias vezes.

- Que porra é essa? – murmurou. Incrédulo.

Esforçou-se para ver qual endereço o antivírus tinha encontrado aqueles arquivos e o procurou no computador. Estava nos “Meus Documentos”, na pasta de vídeo. Havia aos montes. Vídeos e mais vídeos pornô. Alex foi abrindo um por um, surpreso, estarrecido. Só homens se masturbando, se chupando, transando. Não havia uma única mulher mostrando os peitos, a bunda, nada... Só sexo gay.

Alex desligou o player e se encostou na cadeira, chocado.

Dezesseis - Piada Interna

Rafael não estava prestou mais atenção no jogo depois que Guilherme apareceu. Ficou pensando sobre aquele maldito trabalho de química. Se, por um lado, não queria Débora investigando a casa de Selton, procurando alguma intimidade desnecessária (e descabida), por outro, não queria Guilherme se intrometendo na sua casa, buscando indícios de sua sexualidade e ainda mais motivos para infernizá-lo. Maldita hora em que aceitou fazer trabalho com Guilherme! E não conseguia decidir o que seria pior.

Ouvir a voz de Selton foi o suficiente para fazê-lo sair do transe de preocupações:

- Guilherme, joga aqui rapidinho! – Selton gritou, levantando o braço, correndo para a saída do campo. Guilherme correu para substituí-lo, sob protestos dos que esperavam nas arquibancadas. – Eu só vou beber água! – Selton justificou. Ele saiu de quadra enquanto Guilherme entrava.

Selton entrou para o vestiário, e por lá ficou um tempo, até que saiu, com o cabelo, rosto e camisa molhados. Quando saiu, os caras do seu time já o chamavam para voltar ao time. Ele apenas ergueu a mão, pedindo para que esperassem. Ofegante e aparentemente cansado, ele veio andando a passos calmos, meio arrastados, até ele e, desmontou ao lado de Rafael.

- E aí, Rafa? Curtindo o jogo?

Rafael não respondeu. Apenas contraiu os lábios e levantou as sobrancelhas, num gesto negativo.

- AH! Que isso, cara! – Selton disse, revoltado - Nem minhas jogadas de mestre estão te animando, não?

- Ele não curte futebol, não, Selton. Não sei nem porque ele veio.

- Eu queria sair com o pessoal! Só isso! – Rafael se defendeu.

- Eu estou adorando o jogo! Você joga muito bem! – Débora disse, tentando entrar na conversa.

- Valeu.

- Saiu de campo por quê? – Rafael perguntou, antes que Débora abrisse a boca, olhando intrigado para o amigo deitado no cimento frio. Pela perspectiva de Rafael, Selton estava destruído. Pele suada, respiração curta, cabelo bagunçado - Cansou?

- Não – ele disse, levantando a cabeça e riu – Só fazendo charme.

- E precisa? – Débora disse.

- E como, não? Como vou conquistar corações se posar de herói o tempo todo? – ele disse quase as gargalhadas.

- Ih, Selton... Tem gente aqui que não precisou nem desse “charme” pra ser conquistada – Ana comentou.

O coração de Rafael apertou no peito. “O que você está fazendo?”, desesperou-se. Débora não precisava de mais ajuda pra atrair Selton!

- Sério?! Quem? – Selton se fez de desentendido.

- Você não sabe, Selton? – Débora fez um charme. Rafael estava começando a perder as estribeiras.

Ana e Selton trocaram olhar cúmplice, que deixou tanto Débora quanto Rafael, confusos.

- A gente sempre sabe, não é, Selton?

- A gente sempre sabe, Ana – Selton disse, rindo.

- Do que vocês estão falando, gente? – Débora perguntou, sem entender nada.

- Piada interna – Selton explicou, evasivamente.

- Ah, gente! Fala aí?

Rafael também estava curioso para entender aquela “piada interna”. Será que Ana não estava falando de Débora e, sim, dela mesma, porque realmente os dois estavam demonstrando uma afinidade impressionante.

- Não é nada, Débora. É só uma coisa que a gente estava conversando mais cedo. Só isso. – Ana disse.

- Aqui! Deixa eu voltar pro jogo , porque daqui a pouco os caras estressam!