quinta-feira, 24 de junho de 2010

Dezoito - Vestiário

O tempo do aluguel da quadra se esgotou e, com ele, o jogo. Fora quatro partidas e o time de Selton ganhou todas; alguns do jogadores revezavam para recuperarem as energias, porque não dava pra jogar direto. O único que jogou as quatro sem reclamar foi mesmo Selton. Ao final do jogo, estavam todos ensopados de suor, arfantes e, de alguma maneira, animados. Foram para o vestiário fazendo algazarra, falando alto e rindo.

- Que isso, cara! O Selton joga demais! – comentou Bernardo, um garoto negro, alto de cabelos raspados, que jogou no time adversário – Onde você aprendeu a jogar bola desse jeito?

Selton estava tirando sua toalha e sabonete da mochila, disputando acirradamente um espaço no banco. O vestiário estava apertado com tanto homem e o cheiro de suor era sufocante. Selton já tinha percebido que não havia chuveiro para todo mundo – nunca havia – e ele não estava afim de ficar na fila, esperando o banho dos outros. Descalçou sua chuteira, pegou sua toalha e deixou para tirar o restante da roupa no Box, para ganhar tempo.

- Sei lá, cara – ele respondeu, equilibrando suas roupas na porta do Box. A conversa continuou com comentários das jogadas, elogios às habilidades quase heróicas de Selton, tudo regado a muito palavrão. A conversa alta foi mudando, até que, quando Selton saiu do Box, com a toalha enrolada na cintura e as roupas nas mãos, estavam falando de mulher:

- Vocês viram aquela moreninha que estava na lanchonete? – Bernardo comentou – Que isso! Quase não prestei atenção no jogo. Volta e meia dava uma olhadinha naquela bundinha redonda dela.

- Por isso você jogou igual um perna-de-pau, né?! – perguntou Gustavo, outro garoto da turma. Quem ouviu, riu da gozação.

- Falou o bonzão do jogo – Bernardo retrucou – Levou tanto frango que tem almoço e janta pro resto do mês! – e a zoação continuou mais um tempo, até que Gustavo falou:

- Não é por nada, não... mas a Débora está no jeito, hoje.

- Viaja, não, mané! Ela não tirou os olhos do Selton.

- Aliás, ela não faz mais outra coisa - disse Diego, um garoto meio gordinho, com rosto de criança e olhos grandes. Seus cabelos eram negros e lisos.

- Olha o ciúmes, hein! – Gustavo advertiu, tirando uma com o colega.

- Eh! A Débora já está no jeito pro Selton dar uns pegas nela.

Selton, desconfortável, estalou os lábios:

- Nada a ver, gente – Selton disse, secando os pés.

- Ah!Fala sério que você ainda não notou que ela está te dando o maior mole?! – Bernardo exclamou.

- Ela não está me dando bola... A gente só tem... conversado – Selton estava relutante em admitir o que realmente estava acontecendo entre ele e Débora; primeiro porque não sabia ainda no que aquele lance daria e, segundo, porque não se sentia a vontade pra discutir sua vida pessoal num vestiário com gente que ele mal conhecia há uma semana.

- Vai fundo, cara! Fica pensando muito, não, que mulher a gente não deixa esperando! – Elton disse, prendendo o cinto da calça jeans.

- Eh, cara! Ainda mais a Débora que é de veneta. – Gustavo completou.

Selton terminou de secar e vestiu rapidamente sua cueca e bermuda, para, então, vestir a meia.

Eles continuaram conversando, enquanto terminavam de se arrumar, e o vestiário foi ficando cada vez mais vazio.

- Eu estranhei o Rafael ter vindo – Gustavo comentou – Veio, sentou e sentado ficou...

- Eu o chamei pra ver o jogo e sair com a gente depois – Selton comentou, inocentemente.

- Você o chamou?! – Bernardo indagou.

- Chamei – Selton respondeu, intrigado – Algum problema?

Bernardo e Gustavo trocaram um olhar, segurando um riso malicioso.

- Não, problema nenhum. Só que isso respondeu minha pergunta anterior...

- Como assim?

- Nada, cara. Só pensa duas vezes antes de chamar o Rafael pra qualquer coisa.

- Por quê?!

– Só pensa, cara - Gustavo concluiu, amarrando o tênis.

- Eles estão insinuando que o Rafael não jogue exatamente no nosso time – Guilherme disse, terminado seu banho – E eu não estou falando de futebol...

- Sério?! – Selton estranhou – O Rafa?...

- Não! Guilherme, pára de falar besteira – Diego interveio – Esses dois aí que vão na pilha errada do Guilherme!

- Eu não falei nada! – Gustavo se defendeu.

- Escuta esses caras, não! O Guilherme inventou essa história porque todo mundo fala que o Rafael já fica com a Ana vez ou outra, e ele nunca teve chance com ela. Aí, de birra infantil, fica falando coisa que não deve.

- E pra que você faz isso, cara? – Selton virou para Guilherme, com certo desprezo.

Guilherme, ao invés de se defender, simplesmente encarou Selton com um sorriso, e sentando-se no banco do vestiário disse:

- Eu só acho estranho ele andar com a Ana pra cima e pra baixo, não joga bola com a gente, raramente ouvimos falar que ele ficou com alguma garota... Os sinais estão todos aí... basta querer ver...

- Nada a ver, Guilherme! – Diego disparou – Isso aí é pura inveja!

- Éh, a gente só estava zoando – Gustavo disse, enfim, parecendo arrependido – E ele já pegou umas garotas por aí. Gatinhas até! Aquela Alice do 3º C. Que isso! Até eu fiquei com inveja do garoto!

Guilherme olhou e contraiu os lábios, com quem se controla pra não dizer nada, mas ainda sorrindo.

- O cara é gente fina – Bernardo disse.

- Eu nunca disse que ele não era – Guilherme completou, sem se importar muito em ser inconveniente.

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