domingo, 25 de julho de 2010

Cinco - Conversa

Os dois terminaram de se secar e se enfiaram debaixo das cobertas. Rafael ligou a TV e ficaram assistindo a programação de fim de noite. Rafael agora curtia o outro lado daquele sonho. Estava abraçado com Selton, os dois nus, sentindo o cheiro de sabonete que vinha de sua pele. Era muito mais do que ele podia imaginar.

- Sabe, nunca imaginei que fosse ser assim - disse Rafael.

- Assim como? - intrigou-se Selton.

- Ah! Sempre imaginei que depois de... aah... você sabe... isso que fizemos.

- Depois de transarmos? - interrompeu Selton, ajudando-o com as palavras e divertindo-se com o mau jeito de Rafael com as palavras.

- Eh! Isso! Sempre achei que ia cada um pra sua casa, que seria apenas a transar e ... finish, game over. Asta la vista, baby... Nunca pensei que você ia ficar aqui comigo. Aliás, nem achei que fosse ser tão carinhoso. Não podia achar que estaríamos namorando.

Selton apertou um pouco mais o abraço.

- Não é muito bom fazer sexo apenas por sexo. Aliás, era só o que eu tinha feito até te conhecer. E foi muito melhor.

- Você já transou com outros caras? – Rafael perguntou, permanecendo no óbvio.

- Já – admitiu – Algumas vezes. Umas duas com mulher também.

Rafael ficou impressionado a princípio, mas depois, a iniciativa de Selton e a “experiência” se justificaram. Não era possível que fosse a primeira vez de Selton também!

- Já ficou com muitos caras?

Selton hesitou:

- O suficiente - respondeu simplesmente.

- Você nunca teve problemas com isso? Tipo... duvidas...

- Ah! Um pouco, mas depois vi que não tinha jeito mesmo, decidi esquecer a culpa. De nada ia adiantar me martirizar por algo que não teria volta, que não teria remédio nem concerto. E não é tão ruim assim ficar com garotos, não é esse bicho de sete cabeças que todo mundo acha que é ou faz parecer!

- Mas você gosta dos dois, né? Tanto de garotas quando de garotos!

- Mais ou menos! Prefiro não pensar muito nisso, não diferenciar. Gosto de pessoas! Se uma pessoa me agrada, ou se eu estou afim, eu fico, independentemente do sexo dela.

- Nunca pensei assim. Sei lá, sempre achei que ficar com outro garoto seria uma coisa abominável.

- Foi?

- Não! Muito pelo contrário, foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.

- Eu pensava um pouco assim, antes de ficar com um cara pela primeira vez. Depois, fiquei despreocupado, desencanei. Achei bom, gostei e, principalmente, não tem nada de imoral ou errado. Pelo menos eu não me senti assim. Fiquei com outros caras, depois, outras garotas. Nunca quis me rotular como gay ou bissexual.

- Eu não sei... já pensei muito sobre isso, e acho que nunca gostei de garotas.

- Mas já ficou com algumas.

- Claro! Mas nunca foi bom. Nunca foi prazeroso. - seu tom de voz caiu, ficou baixo e triste. - Ficava pra enganar os outros. E a mim mesmo também.

- Ah! Os outros não têm nada a ver com sua vida. Você não precisa dizer pra todo mundo que gosta de homens, mas também não dá pra moldar sua vida por eles. As pessoas passam, vão embora, e você não viveu sua vida como devia.

- Você é bem resolvido pra um cara de dezessete anos.

- Eu tive que amadurecer cedo. - dessa vez foi Selton quem ficou triste. - A situação lá em casa é meio tensa, então tive que aprender a me virar sozinho.

Rafael percebeu que aquele era um assunto indigesto para Selton. Sensibilizou-se com os problemas do garoto, mas não quis insistir. Não era nem o local, nem o momento para assuntos ruins.

- Quer dizer, então, que você era afim de mim também?

Selton melhorou um pouco o semblante.

- Desde que cheguei na escola. Você é o tipo de garoto que eu gosto: magrinho, baixinho, loiro, olho claro, com jeitinho de menino calado. Sei lá, dá vontade de cuidar, sabe?

Rafael riu alto. Achou bem engraçado.

- Sei. As meninas falam mesmo que eu sou bonitinho.

- Mas você nunca ficou com outro cara, não? Só ficar.

- Nunca tive coragem. Ficava olhando os meninos da escola, às vezes na rua, mas nunca tive coragem de chegar num cara. Sempre tive medo de chegar e me enganar e o cara querer me expor, ridicularizar.

- Saquei.

- E você, como ficava com os caras.

- Ah! Começou meio de brincadeira. Eu tinha um grande amigo em Brasília. Fazíamos quase tudo juntos, íamos a festas, cinemas, clube. Enfim, éramos amigos! E eu sempre tive tesão por ele, mas nunca disse nada. Até um dia, em que ficamos sozinhos na minha casa. Estávamos vendo um filme que tinha uma cena de sexo muito picante! Aí ele falou que ficou com tesão só de ver a cena, porque já tinha um tempo que não gozava. Então, brinquei com ele, falei que ele sabia onde era o banheiro. Na hora nem pensei besteira, só que ele pensou. Falou que era chato gozar sozinho. Eu entendi a deixa e acabamos ficando.

- E depois?

- Depois não ficamos mais. Não houve outras oportunidades, e eu realmente achei estranho ficar com meu melhor amigo. Não por ele ser homem, adorei essa parte da história, já era louco por ele há um bom tempo antes disso, mas pelo que tínhamos como amizade! Então nunca mais rolou nada entre a gente, a não ser a amizade que se aprofundou. Comentávamos das nossas ficadas, com homem, com mulher e tals.

- Queria ter uma amizade assim. Mas nunca tive coragem de contar. A não ser hoje, pra Ana.

- Você contou pra Ana que estava afim de mim?

- Na verdade, ela me prensou na parede! Viu que eu saí meio alterado da festa e veio conversar, falou que já tinha sacado que eu gostava de meninos há muito tempo e me deu apoio e tudo o mais.

- Viu, não foi tão difícil se assumir, não é?

- Não sei. Não vou mentir pra você. Mesmo adorando estar aqui, não sei como vai ser depois.

Selton ficou sério, até um pouco decepcionado em ouvir aquilo, mas não pressionou Rafael.

- Você deve estar com medo, agora.

- Agora, eu estou nas nuvens. Mas sempre tive medo do que as pessoas achariam, do que minha mãe e meu irmão achariam. A Ana e meus outros amigos. Não sei como vou encarar isso daqui pra frente.

- Como já disse: os outros não tem nada a ver com sua vida. Você não precisa contar pra Deus e o mundo que é gay, basta se aceitar e ser feliz, se for isso que você quer. Meus pais, por exemplo, não sabem; fora os caras que fiquei, pouquíssimas pessoas sabem que curto ficar com homem e estou bem assim, não quero que os outros saibam. Me contento com pouco.

Rafael sorriu, timidamente.

- Quem sabe um dia eu não fico assim, também?

- É um passo difícil, confesso. Mas nem tão difícil, assim...

Os dois ficaram em silêncio, abraçados, assistindo televisão, trocando carícias e beijos, sob as cobertas. Estavam tão absorvidos naquela tranqüilidade que até se esqueceram que tinham interrompido uma transa pela metade para poderem comer. Inexplicavelmente – ou talvez nem tanto assim – a energia sexual entre os dois encontrou algum tipo de equilíbrio e não precisavam mais extravasar. Precisavam apenas ficar ali, namorando.

- Rafa, posso perguntar uma coisa? - perguntou Selton, hesitante.

- Claro!

- Sei lá, estou com um pouco de medo de você se arrepender de perder a virgindade comigo.

Rafael se ajeitou na cama, para poder ficar cara a cara com Selton.

- Não vou me arrepender. Nem nos meus sonhos mais loucos, poderia ter imaginado uma noite mais perfeita do que essa. Como já disse, achei que seria apenas sexo e depois cada um na sua. Que só seríamos amigos e se rolasse depois, “ok”! Mas não! Você foi todo cuidadoso, carinhoso, e está aqui comigo, dormindo junto. Estamos namorando! Não tinha como ser mais perfeito!

Selton sorriu, um tanto envergonhado.

- Ah! È que normalmente as pessoas querem se guardar para alguém especial...

- Você é especial pra mim, Selton!

- Obrigado.

Pouco tempo depois, os dois pegaram no sono, naquela mesma posição, abraçados, de rosto virado um para o outro.

Quatro - Banho

Rafael e Selton conseguiram fazer um lanche e subiram para o quarto, aos beijos, de mãos dadas, abraçados, quase tirando as bermudas pelo caminho. Os dois dividiam a felicidade síncrona, perfeita, engolfados em sorrisos e palavras meio ditas entre línguas. Concordaram que já tinha passado da hora de tomarem um banho. Chegaram no quarto de Rafael e se despiram, sempre trocando olhares e sorrindo.

No banheiro, Rafael teve a primeira oportunidade de olhar para o corpo de Selton, como viera ao mundo. Foi uma sensação quase mágica poder colocar os olhos num homem nu sem ter que medir esforços ou ficar atento pra não ser percebido; poder olhar a vontade. As canelas de Selton eram cobertas de pêlos compridos e lisos, mas as coxas não era tão peluda. Ele só voltava a ter pêlos em abundância no púbis, e Rafael achou curioso perceber que eram... “aparados”? Seu abdômen não era liso, seus pêlos eram apenas finos demais para serem reparados. Selton tinha um corpo lindo.

- O que foi? – Selton perguntou.

- Só estou reparando em você.

- Gostou? – e deu uma voltinha.

- Adorei.

Foram para o chuveiro. Rafael ignorou completamente o calor da água caindo sobre ele e se ligou apenas no contato do seu corpo com o dele. Trocaram muitos carinhos debaixo d’água, ficaram abraçados, sentindo o corpo um do outro pulsar.

Com cuidado, Rafael ensaboou todo o corpo de Selton e pôde, enfim, admirar um corpo masculino com calma e tranqüilidade. As pernas, os braços, o tórax e o abdômen, a cintura reta, os “gominhos” do tanquinho. O rosto dele, aquele sorriso aberto, feliz. Não dava pra acreditar, ainda parecia um das centenas de sonhos que tivera. Enquanto sua mão escorregava sobre a pele coberta de sabão, ele sentiu a firmeza do corpo de Selton.

- Cuidado. Não deixa o sabonete cair, hein - disse Selton, sorrindo.

- Engraçadinho.

Depois foi vez Selton ensaboar Rafael e o fez com o mesmo carinho. Tateou cada pedacinho do corpo dele, antes de passar o sabonete, o beijou pele. Levantou-se e o abraçou forte. Rafael ficou meio sem entender, mas não esquentou, retribuiu o abraço e tocou-lhe a pele com os lábios, enquanto água lava a espuma da pele.

- Que foi cara?

- Nada, Rafa; só quero sentir o seu abraço.

Rafael não fez mais nada a não ser abraçar Selton, então. Apertou-lhe um pouco mais.

- Vamos sair. Quero aproveitar mais você – Rafael disse.

- Vamos - disse Selton se desvencilhando do abraço e passando a mão no cabelo pra tirar o excesso de água - Também quero sentir o seu corpo colado no meu.

Rafael fechou o registro e puxou a toalha, para se secar.

- Espera aí, vou pegar uma toalha pra você - enrolado na toalha, ele voltou ao quarto, abriu o guarda-roupa e tirou outra de uma das gavetas. Voltou ao banheiro e encontrou Selton encolhido entre os braços, tremendo um pouco; o banheiro estava imerso em fumaça esbranquiçada.

- Pra você - disse entregando-lhe a toalha.

- Obrigado - respondeu Selton olhando-o nos olhos, com intensidade - Ei! Isso tá errado! Eu que tenho que te secar! - e tomou a toalha das mãos de Rafael e começou a enxugá-lo, com cuidado e suavidade, como se secasse um bebê. Passou a toalha por todo o corpo albino de Rafael e ficou maravilhado em ver o quanto ele era claro, do jeito que ele gostava - Pronto. Agora é a sua vez de me secar.

Rafael sorriu para ele e pegou sua toalha. Tocou-lhe o corpo molhado com cuidado, tirando as gotas que escorriam pelo corpo, e por um momento teve inveja delas, por estarem o mais perto que era possível de Selton.

- Sequinho - disse ao terminar.

Três - Hospital

O pedido de silêncio no corredor do hospital parecia ter sido feito para ser ignorado, porque tudo que aquele hospital jamais fora é silencioso. Médicos, enfermeiras e pacientes passavam para todos os lados, arrastando macas, carrinhos de limpeza, cadeiras de rodas e suportes com bolsas de remédios via intravenosa. Claro que não havia ninguém gritando, cantando ou falando alto, mas o burburinho era constante. O silêncio era ainda mais inalcançável especialmente naquela noite, que a tempestade enchia os ouvidos com sua chuva impiedosa e trovões constantes.

Guilherme, no entanto, estava completamente alheio a toda comoção ao seu redor. Olhava para baixo, encarando o chão branco e polido, sem percebê-lo. Sua mente vagava por terras desconhecidas, por lugares que sua mente talvez nunca tivesse visitado. Um lugar vazio, sem nada. Sem som, sem luz, sem gente. Seu pensamento estava em branco. Ele estava sentado em um banco, relativamente confortável, no corredor do hospital, ao lado do quarto que sua mãe ocupava.

A porta do quarto se abriu e Eduardo passou por ela, sentando ao lado do filho, que estava em um estado quase catatônico.

- O médico disse que ela está bem – Eduardo disse. Ele estava cansado, esgotado. O susto que tomara só agora mostrava seu pior momento: quando as energias vão embora, sugadas, ralo à baixo – Fizeram uma lavagem estomacal e conseguiram retirar a maioria das pílulas que sua mãe tomou. Ela está fora de perigo agora, mas vai ficar sedada, de observação por uns dias, aqui no hospital.

Guilherme ouviu tudo o que o pai dissera, mas não respondeu ou comentou, de forma alguma.

- Ela vai ficar bem, filho.

- Eu deveria ter percebido... – Guilherme balbuciou, apático.

- Deveria ter percebido o que, Guilherme.

- Sei tudo sobre comportamento suicida. Li os melhores livros de psicologia. Eu devia ter percebido.

- Guilherme, do que você está falando?

- Pessoas deprimidas sofrem por um período de tempo, porque acham que seus problemas não têm solução. No entanto, apresentam uma melhora no estado de depressão, quando acham essa solução no suicídio. Ela estava melhor esses dias, por isso achei que pudesse deixá-la sozinha...

- Guilherme! Pára! – Eduardo gritou – Você não tinha como saber o que sua mãe pretendia!

- Tinha, pai! Tinha, sim! – Guilherme finalmente teve alguma reação: raiva e revolta - Estava tudo na minha cara e eu ignorei!

- Guilherme, você é só uma criança.

- Isso não é argumento pra nada, pai! Eu estava tomando conta dela, era responsável por ela! E olha o que aconteceu.

- Guilherme, se existe algum outro culpado, além de sua mãe, pelo que ela fez, sou eu, que deixei os delírios dela me afastarem e deixar pra você uma responsabilidade que, claramente, não era sua. Mas eu também não sei se essa culpa é minha. Nós dois estávamos fazendo o melhor que podíamos.

- O nosso melhor não foi bom o bastante. Se fosse, ela não teria chegado nem perto de tentar se matar.

Eduardo se calou, pensando na dureza das considerações do filho. Guilherme era um garoto de caráter forte, implacável até, mas sempre apegado a culpas que não eram dele, sempre se sentindo responsável por tudo e por todos.

- Você não pode ficar pensando nisso, Guilherme. Pega um táxi, vai pra casa e descansa.

- Não! Eu vou ficar!

- Filho, não tem necessidade de você ficar aqui. E não sei se são permitidos dois acompanhantes durante a noite. E mesmo se permitissem, não há lugar pra nós dois. Vá pra casa, durma, que eu fico aqui com sua mãe. Você vem amanhã cedo.

- Ela não quer nem ver você, pai. Melhor eu ficar.

- Chega, Guilherme! Chega de conceder tudo o que sua mãe quer! Chega dessa brincadeira de ser o adulto da família! Eu e você já fomos indulgentes demais com sua mãe. Você vai pra casa descansar e não vou mais discutir esse assunto.

Guilherme não estava acostumado a ficar naquela posição, encurralado nos cantos pela autoridade paterna, nunca houvera necessidade para tanto. Até aquele dia. Ele sabia que ainda podia discutir, argumentar até, se fosse necessário, mas a idéia de deixar o fardo de olhar a mãe para ele, era tentadora demais. Ele já estava cansado de bancar a babá, o enfermeiro, o pai dela. Queria um alívio, queria uma pausa, um tempo daquela loucura toda. Ali estava sua oportunidade.

Dois - Pedido

Selton voltou, quase saltitante da sala, enquanto Rafael montava quatro sanduíches de peito de peru.

- E ai? – Rafael perguntou, embora a resposta fosse óbvia.

- Falei que ia dormir aqui, porque a chuva apertou muito. E meu pai deixou.

- Ótimo.

Enquanto montavam o lanche com pão, maionese, e batata palha, os dois foram conversando; Selton sentado em um banco alto, debruçado sobre a bancada e Rafael, do outro lado, preparando o lanche.

- Você era virgem, mesmo? - perguntou Selton, com bastante interesse.

- Era, sim! - Rafael estranhou - Por quê?

- Nem com mulher?!

- Nem com mulher!

- Ah! Fala sério! Você é muito bom de cama pra ser virgem!

Rafael ficou vermelho de vergonha. Mais do que o cat-chup em sua mão.

- Bem, não sou mais. - disse encabulado.

Selton riu.

- Desculpa, não queria te deixar vermelho. Só disse a verdade.

- Se eu já era bom, virgem, quanto tiver mais experiência, talvez seja melhor.

- Se ficar melhor, acho que vou ter muito trabalho daqui pra frente.

Rafael se espantou:

- Como assim?

Selton engoliu a seco. Não soube se disse algo precipitado, nem se devia se explicar ou se o desentendimento de Rafael era uma reação contrária a sua.

- Ah! Cara, sei lá! - ele abaixou a cabeça e seu olhar quase podia perfurar o tampo de granito branco da bancada da cozinha - Achei que a gente ia, pelo menos ficar outras vezes.

Rafael parou o preparado do sanduíche na metade.

- Mas é claro que vamos ficar de novo! Só se você não quiser - Rafael sentiu um aperto no peito. Não sabia se era a possibilidade de nunca mais poder tocar o corpo de Selton que estava atormentando-o, ou se era ver o garoto moreno triste e pensativo a sua frente, que não combinava em nada com o comportamento de momentos atrás.

- Posso falar a verdade?

- Deve!

- Eu sei que você deve estar confuso, agora. Não deve ser fácil organizar os sentimentos dentro você, por enquanto. Só que eu não queria que ficasse apenas nisso, sabe? - seus olhos começaram a brilhar, marejados de lágrimas - Demorei muito pra encontrar alguém como você e não queria desperdiçar a chance.

Rafael começava a entender do que Selton estava falando.

- Achei que você tivesse medo de se envolver, por isso estou confuso.

- Eu tenho medo, e nossa primeira conversa foi sobre isso! Mas eu também disse que nunca tinha levado ninguém a sério, porque não queria dividir minha vida com qualquer um! Fiquei com muita gente, sim, mas que não queriam nada da vida! Queriam apenas se divertir a qualquer custo, pessoas vazias. Aproveitei o máximo que podia com elas, foi bom, mas nunca foi o bastante! Com você foi diferente! Eu sinto que quero dividir minha vida com você, quero estar com você! Só que não posso te pressionar. Sou o primeiro cara que você ficou e agora está sendo bom, só que daqui a pouco você pode mudar de idéia, pode achar repulsivo, vai me culpar e, principalmente, se culpar; e não quero isso pra nenhum de nós dois.

Rafael estancou; era muita informação caiu sobre ele de uma única vez. Sempre achou que Selton era o tipo de cara que nunca se envolvia com ninguém, fosse pelo motivo que fosse. E, no entanto, estava se revelando mais sentimental do que poderia prever. Ele estava quase chorando na sua frente, totalmente emocionado, assim como ele próprio, logo que terminaram de transar. Ficou perdido no espaço durante muito tempo.

- Cara, depois de hoje, não tenho mais dúvida nenhuma sobre o que sinto por homens e, principalmente, por você! Eu sei que não vai ser fácil, não é todo mundo que entende o que sentimos um pelo outro. Mas, se você estiver do meu lado, acho que vai ser mais fácil.

O rosto de Selton se iluminou.

- Você está falando sério?

- Estou, cara, quero ficar com você da maneira que for preciso.

Selton puxou Rafael pela nuca e o beijou, feliz, contente, quase explodindo. Rafael deixou o lanche de lado, a fome foi embora, esqueceu do mundo naquele beijo.

- Rafa, namora comigo?

Rafael ouviu aquelas palavras com prazer. Não aquele prazer sexual que sentira a noite inteira. Era uma sensação diferente, de felicidade plena, como se tivesse ouvido as palavras que esperou a vida inteira para ouvir.

Um - Fome

Tocava Tão Longe, Versão Acústica, do Reação em Cadeia, enquanto a tempestade caia impiedosamente lá fora, lançando raios e trovões assustadores. O mundo fora do quarto de Rafael era um vórtex de água, vento e fúria, mas, lá dentro, tudo o que se encontrava era serenidade.

“Quando vi os teus olhos

Eu, então, acreditei

Pude entender tudo que você quis me dizer

Fui tão longe

Fui tão longe...”

- Sabe, essa música fala exatamente o que estou pensando agora – Selton comentou, enquanto a balada rolava.

Selton estava deitado, com o braço sob a cabeça e Rafael estava encostado em seu peito. Os dois estavam inteiramente nus, pele com pele, suor com suor. Estavam cansados, o corpo formigava, como se estivesse prestes a ficar dormente. No entanto, não era esgotamento, não era satisfação pós-orgasmo, pelo menos não só isso. Rafael e Selton tinha achado... “paz”?... Rafael nunca tinha se sentido daquele jeito, como se o abraço de Selton fosse protegê-lo de tudo no mundo.

Selton pegou a mão de Rafael e entrelaçou seus dedos e ajeitou-se na cama para que ficassem com os rostos mais próximos.

- O que foi? – Rafael perguntou, quando Selton começou a rodar sua mão, como quem analisa uma pedra estranha.

- Eu não tinha reparado que você tem as mãos pequenas.

- O que você esperava Selton?! Eu mal chego aos um e sessenta e cinco! – Rafael exclamou ofendido – Tudo em mim é pequeno.

Selton olhou para ele, segurando um riso.

- Bem... Nem tudo... – comentou com malícia nos lábios.

Rafael demorou uns instantes para entender à que Selton se referia. Quando se tocou...

- Bobo! Não falava disso!

- Eu falei – sorriu.

- Você não pensa em outra coisa, não?!

Num movimento rápido, Selton rolou por cima de Rafael e respondeu-lhe, intercalando as palavras com beijos pelo rosto:

- O que você quer que eu pense, depois de uma transa maravilhosa?

Rafael não podia discordar. Sabia que sexo era bom, imaginava que fosse bom... mas não podia prever em seus sonhos mais loucos, mais absurdas expectativas, mais insanas fantasias masturbatórias que fosse espetacular! Nunca imaginou que pudesse se entregar a alguém daquela maneira, sem medos, sem pudores, sem reservas. Logo ele, que sempre fora introspectivo, com dificuldades de se abrir com outra pessoa.

- Foi bom mesmo? – Rafael perguntou, um pouco inseguro – Mesmo quando eu... eh... você sabe...

- Me comeu? Me fodeu? – Selton disse, rindo do mau jeito de Rafael com as palavras – Você não estava com essa vergonha toda meia hora atrás.

Selton ria feito um bobo, feliz, contente; seus olhos escuros brilhavam mesmo na escuridão azulada na qual o quarto estava mergulhado.

- Ah! Me deixa! – Rafael reclamou; no entanto, ria junto com Selton.

De repente, o brilho nos olhos de Selton mudou, seu sorriso sumiu, suas mãos começaram a percorrer o corpo de Rafael, enquanto ele suspirava ao pé de seu ouvido.

- Transar com você foi ótimo – sussurrou antes de beijar-lhe o pescoço, seus dedos se embrenharam nos pentelhos de Rafael e começou a acariciar-lhe o pau, que ficou duro em questão de segundos – Você tem os tamanhos certos... as texturas certas... a cadência certa.

“Está acontecendo de novo”, Rafael pensou, enquanto a temperatura do seu corpo subia e mesmo assim sua pele arrepiava. Seu pau estava totalmente duro, pronto para ação; podia sentir o membro de Selton também rígido e pulsante, esfregando em suas pernas.

Ele segurou a cabeça de Selton e o beijou com vontade, enquanto se masturbavam.

- Rafa, posso pegar outra camisinha?

- Deve!

Selton se levantou com pressa e, na gaveta, pegou uma embalagem e a abriu. Retirou o preservativo escorregadio e o desenrolou sobre seu pau. Rafael já o esperava de bruços preparado para o terceiro round. Quando sentiu o peso de Selton em seus cabelos loiros, o pênis quente e duro entre as nádegas, os beijos nas costas, fazendo choques elétricos percorrerem seu corpo.

- Você tem as costas mais lindas que já vi.

- Eu não vi as suas – Rafael rebateu, virando o rosto.

- Ainda.

Rafael arqueou as costas para trás e beijou Selton.

- Tem certeza, Rafa?

- Sempre.

E do nada os dois ouviram um barulho estranho, um rugido abafado quase animalesco, que veio de lugar nenhum.

- Rafael, o que foi isso? – Selton perguntou assustado.

- Acho que foi meu estômago... – Rafael admitiu, sem graça.

- Seu estômago?!

- Eu não almocei ainda, poxa! Estou só com uns pedaços de carne na barriga!

Selton riu, encostando a cabeça nas costas de Rafael.

- Vamos lá comer alguma coisa – Selton disse.

- Não! Continua... – Rafael pediu, quase choramingando – Quero transar com você de novo.

- Calma, guloso. A gente tem a noite todo ainda.

A decepção de Rafael foi embora. De súbito, ele ficou desesperado.

- Cara... minha mãe, meu irmão! Eles devem estar em casa!

- Acho que não, Rafa. Depois do que a gente fez aqui, eles com certeza teriam subido.

- Coloca uma roupa. Vamos lá olhar.

Rafael se levantou rapidamente, enquanto Selton tirava a camisinha inutilizada. Ele se agachou e pegou as outras duas que estavam no chão e foi no banheiro, jogá-las fora.

Rafael abriu a porta do quarto com cuidado e deu uma analisada geral pelo corredor do segundo andar; todas as luzes estavam apagadas e, pelo que pode perceber, o andar de baixo estava do mesmo jeito.

Ele desceu as escadas meio desconfiado, Selton o acompanhou.

De fato, estava tudo quieto no outro andar; nem Sueli nem Alex estavam em casa.

- Onde será que minha mãe foi? – já era bem tarde e Sueli não costumava ficar tanto tempo fora sem avisar.

- O carro dela está na garagem... as vezes ela saiu e ficou presa nessa chuva.

- O Alex eu sei que se ele não chegou até agora, não volta mais... Mas minha mãe...

- Liga para ela, pra saber o que houve.

- Não... daqui a pouco ela deve estar aí – disse, sem muita convicção.

- Posso ligar para os meus pais, avisar que vou dormir aqui...

- Dormir? – Rafael repetiu com um sorriso.

- Aham! Quero ficar com você a noite toda. Posso?

- Vou pensar no seu caso... Liga lá para eles, que vou adiantando alguma coisa pra gente comer.

- OK – Selton agarrou Rafael e deu um beijo de tirar o fôlego – Cara, está muito difícil de acreditar.

- Eu sei.