domingo, 25 de julho de 2010

Cinco - Conversa

Os dois terminaram de se secar e se enfiaram debaixo das cobertas. Rafael ligou a TV e ficaram assistindo a programação de fim de noite. Rafael agora curtia o outro lado daquele sonho. Estava abraçado com Selton, os dois nus, sentindo o cheiro de sabonete que vinha de sua pele. Era muito mais do que ele podia imaginar.

- Sabe, nunca imaginei que fosse ser assim - disse Rafael.

- Assim como? - intrigou-se Selton.

- Ah! Sempre imaginei que depois de... aah... você sabe... isso que fizemos.

- Depois de transarmos? - interrompeu Selton, ajudando-o com as palavras e divertindo-se com o mau jeito de Rafael com as palavras.

- Eh! Isso! Sempre achei que ia cada um pra sua casa, que seria apenas a transar e ... finish, game over. Asta la vista, baby... Nunca pensei que você ia ficar aqui comigo. Aliás, nem achei que fosse ser tão carinhoso. Não podia achar que estaríamos namorando.

Selton apertou um pouco mais o abraço.

- Não é muito bom fazer sexo apenas por sexo. Aliás, era só o que eu tinha feito até te conhecer. E foi muito melhor.

- Você já transou com outros caras? – Rafael perguntou, permanecendo no óbvio.

- Já – admitiu – Algumas vezes. Umas duas com mulher também.

Rafael ficou impressionado a princípio, mas depois, a iniciativa de Selton e a “experiência” se justificaram. Não era possível que fosse a primeira vez de Selton também!

- Já ficou com muitos caras?

Selton hesitou:

- O suficiente - respondeu simplesmente.

- Você nunca teve problemas com isso? Tipo... duvidas...

- Ah! Um pouco, mas depois vi que não tinha jeito mesmo, decidi esquecer a culpa. De nada ia adiantar me martirizar por algo que não teria volta, que não teria remédio nem concerto. E não é tão ruim assim ficar com garotos, não é esse bicho de sete cabeças que todo mundo acha que é ou faz parecer!

- Mas você gosta dos dois, né? Tanto de garotas quando de garotos!

- Mais ou menos! Prefiro não pensar muito nisso, não diferenciar. Gosto de pessoas! Se uma pessoa me agrada, ou se eu estou afim, eu fico, independentemente do sexo dela.

- Nunca pensei assim. Sei lá, sempre achei que ficar com outro garoto seria uma coisa abominável.

- Foi?

- Não! Muito pelo contrário, foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.

- Eu pensava um pouco assim, antes de ficar com um cara pela primeira vez. Depois, fiquei despreocupado, desencanei. Achei bom, gostei e, principalmente, não tem nada de imoral ou errado. Pelo menos eu não me senti assim. Fiquei com outros caras, depois, outras garotas. Nunca quis me rotular como gay ou bissexual.

- Eu não sei... já pensei muito sobre isso, e acho que nunca gostei de garotas.

- Mas já ficou com algumas.

- Claro! Mas nunca foi bom. Nunca foi prazeroso. - seu tom de voz caiu, ficou baixo e triste. - Ficava pra enganar os outros. E a mim mesmo também.

- Ah! Os outros não têm nada a ver com sua vida. Você não precisa dizer pra todo mundo que gosta de homens, mas também não dá pra moldar sua vida por eles. As pessoas passam, vão embora, e você não viveu sua vida como devia.

- Você é bem resolvido pra um cara de dezessete anos.

- Eu tive que amadurecer cedo. - dessa vez foi Selton quem ficou triste. - A situação lá em casa é meio tensa, então tive que aprender a me virar sozinho.

Rafael percebeu que aquele era um assunto indigesto para Selton. Sensibilizou-se com os problemas do garoto, mas não quis insistir. Não era nem o local, nem o momento para assuntos ruins.

- Quer dizer, então, que você era afim de mim também?

Selton melhorou um pouco o semblante.

- Desde que cheguei na escola. Você é o tipo de garoto que eu gosto: magrinho, baixinho, loiro, olho claro, com jeitinho de menino calado. Sei lá, dá vontade de cuidar, sabe?

Rafael riu alto. Achou bem engraçado.

- Sei. As meninas falam mesmo que eu sou bonitinho.

- Mas você nunca ficou com outro cara, não? Só ficar.

- Nunca tive coragem. Ficava olhando os meninos da escola, às vezes na rua, mas nunca tive coragem de chegar num cara. Sempre tive medo de chegar e me enganar e o cara querer me expor, ridicularizar.

- Saquei.

- E você, como ficava com os caras.

- Ah! Começou meio de brincadeira. Eu tinha um grande amigo em Brasília. Fazíamos quase tudo juntos, íamos a festas, cinemas, clube. Enfim, éramos amigos! E eu sempre tive tesão por ele, mas nunca disse nada. Até um dia, em que ficamos sozinhos na minha casa. Estávamos vendo um filme que tinha uma cena de sexo muito picante! Aí ele falou que ficou com tesão só de ver a cena, porque já tinha um tempo que não gozava. Então, brinquei com ele, falei que ele sabia onde era o banheiro. Na hora nem pensei besteira, só que ele pensou. Falou que era chato gozar sozinho. Eu entendi a deixa e acabamos ficando.

- E depois?

- Depois não ficamos mais. Não houve outras oportunidades, e eu realmente achei estranho ficar com meu melhor amigo. Não por ele ser homem, adorei essa parte da história, já era louco por ele há um bom tempo antes disso, mas pelo que tínhamos como amizade! Então nunca mais rolou nada entre a gente, a não ser a amizade que se aprofundou. Comentávamos das nossas ficadas, com homem, com mulher e tals.

- Queria ter uma amizade assim. Mas nunca tive coragem de contar. A não ser hoje, pra Ana.

- Você contou pra Ana que estava afim de mim?

- Na verdade, ela me prensou na parede! Viu que eu saí meio alterado da festa e veio conversar, falou que já tinha sacado que eu gostava de meninos há muito tempo e me deu apoio e tudo o mais.

- Viu, não foi tão difícil se assumir, não é?

- Não sei. Não vou mentir pra você. Mesmo adorando estar aqui, não sei como vai ser depois.

Selton ficou sério, até um pouco decepcionado em ouvir aquilo, mas não pressionou Rafael.

- Você deve estar com medo, agora.

- Agora, eu estou nas nuvens. Mas sempre tive medo do que as pessoas achariam, do que minha mãe e meu irmão achariam. A Ana e meus outros amigos. Não sei como vou encarar isso daqui pra frente.

- Como já disse: os outros não tem nada a ver com sua vida. Você não precisa contar pra Deus e o mundo que é gay, basta se aceitar e ser feliz, se for isso que você quer. Meus pais, por exemplo, não sabem; fora os caras que fiquei, pouquíssimas pessoas sabem que curto ficar com homem e estou bem assim, não quero que os outros saibam. Me contento com pouco.

Rafael sorriu, timidamente.

- Quem sabe um dia eu não fico assim, também?

- É um passo difícil, confesso. Mas nem tão difícil, assim...

Os dois ficaram em silêncio, abraçados, assistindo televisão, trocando carícias e beijos, sob as cobertas. Estavam tão absorvidos naquela tranqüilidade que até se esqueceram que tinham interrompido uma transa pela metade para poderem comer. Inexplicavelmente – ou talvez nem tanto assim – a energia sexual entre os dois encontrou algum tipo de equilíbrio e não precisavam mais extravasar. Precisavam apenas ficar ali, namorando.

- Rafa, posso perguntar uma coisa? - perguntou Selton, hesitante.

- Claro!

- Sei lá, estou com um pouco de medo de você se arrepender de perder a virgindade comigo.

Rafael se ajeitou na cama, para poder ficar cara a cara com Selton.

- Não vou me arrepender. Nem nos meus sonhos mais loucos, poderia ter imaginado uma noite mais perfeita do que essa. Como já disse, achei que seria apenas sexo e depois cada um na sua. Que só seríamos amigos e se rolasse depois, “ok”! Mas não! Você foi todo cuidadoso, carinhoso, e está aqui comigo, dormindo junto. Estamos namorando! Não tinha como ser mais perfeito!

Selton sorriu, um tanto envergonhado.

- Ah! È que normalmente as pessoas querem se guardar para alguém especial...

- Você é especial pra mim, Selton!

- Obrigado.

Pouco tempo depois, os dois pegaram no sono, naquela mesma posição, abraçados, de rosto virado um para o outro.

Um comentário:

  1. Muito bom! Conseguiu por meio do diálogo entre Selton e Rafael demonstrar dois lados de um mesmo universo... realmente as pessoas pensam diferente sobre tudo!

    Vc escreve mt bem!

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