domingo, 25 de julho de 2010

Três - Hospital

O pedido de silêncio no corredor do hospital parecia ter sido feito para ser ignorado, porque tudo que aquele hospital jamais fora é silencioso. Médicos, enfermeiras e pacientes passavam para todos os lados, arrastando macas, carrinhos de limpeza, cadeiras de rodas e suportes com bolsas de remédios via intravenosa. Claro que não havia ninguém gritando, cantando ou falando alto, mas o burburinho era constante. O silêncio era ainda mais inalcançável especialmente naquela noite, que a tempestade enchia os ouvidos com sua chuva impiedosa e trovões constantes.

Guilherme, no entanto, estava completamente alheio a toda comoção ao seu redor. Olhava para baixo, encarando o chão branco e polido, sem percebê-lo. Sua mente vagava por terras desconhecidas, por lugares que sua mente talvez nunca tivesse visitado. Um lugar vazio, sem nada. Sem som, sem luz, sem gente. Seu pensamento estava em branco. Ele estava sentado em um banco, relativamente confortável, no corredor do hospital, ao lado do quarto que sua mãe ocupava.

A porta do quarto se abriu e Eduardo passou por ela, sentando ao lado do filho, que estava em um estado quase catatônico.

- O médico disse que ela está bem – Eduardo disse. Ele estava cansado, esgotado. O susto que tomara só agora mostrava seu pior momento: quando as energias vão embora, sugadas, ralo à baixo – Fizeram uma lavagem estomacal e conseguiram retirar a maioria das pílulas que sua mãe tomou. Ela está fora de perigo agora, mas vai ficar sedada, de observação por uns dias, aqui no hospital.

Guilherme ouviu tudo o que o pai dissera, mas não respondeu ou comentou, de forma alguma.

- Ela vai ficar bem, filho.

- Eu deveria ter percebido... – Guilherme balbuciou, apático.

- Deveria ter percebido o que, Guilherme.

- Sei tudo sobre comportamento suicida. Li os melhores livros de psicologia. Eu devia ter percebido.

- Guilherme, do que você está falando?

- Pessoas deprimidas sofrem por um período de tempo, porque acham que seus problemas não têm solução. No entanto, apresentam uma melhora no estado de depressão, quando acham essa solução no suicídio. Ela estava melhor esses dias, por isso achei que pudesse deixá-la sozinha...

- Guilherme! Pára! – Eduardo gritou – Você não tinha como saber o que sua mãe pretendia!

- Tinha, pai! Tinha, sim! – Guilherme finalmente teve alguma reação: raiva e revolta - Estava tudo na minha cara e eu ignorei!

- Guilherme, você é só uma criança.

- Isso não é argumento pra nada, pai! Eu estava tomando conta dela, era responsável por ela! E olha o que aconteceu.

- Guilherme, se existe algum outro culpado, além de sua mãe, pelo que ela fez, sou eu, que deixei os delírios dela me afastarem e deixar pra você uma responsabilidade que, claramente, não era sua. Mas eu também não sei se essa culpa é minha. Nós dois estávamos fazendo o melhor que podíamos.

- O nosso melhor não foi bom o bastante. Se fosse, ela não teria chegado nem perto de tentar se matar.

Eduardo se calou, pensando na dureza das considerações do filho. Guilherme era um garoto de caráter forte, implacável até, mas sempre apegado a culpas que não eram dele, sempre se sentindo responsável por tudo e por todos.

- Você não pode ficar pensando nisso, Guilherme. Pega um táxi, vai pra casa e descansa.

- Não! Eu vou ficar!

- Filho, não tem necessidade de você ficar aqui. E não sei se são permitidos dois acompanhantes durante a noite. E mesmo se permitissem, não há lugar pra nós dois. Vá pra casa, durma, que eu fico aqui com sua mãe. Você vem amanhã cedo.

- Ela não quer nem ver você, pai. Melhor eu ficar.

- Chega, Guilherme! Chega de conceder tudo o que sua mãe quer! Chega dessa brincadeira de ser o adulto da família! Eu e você já fomos indulgentes demais com sua mãe. Você vai pra casa descansar e não vou mais discutir esse assunto.

Guilherme não estava acostumado a ficar naquela posição, encurralado nos cantos pela autoridade paterna, nunca houvera necessidade para tanto. Até aquele dia. Ele sabia que ainda podia discutir, argumentar até, se fosse necessário, mas a idéia de deixar o fardo de olhar a mãe para ele, era tentadora demais. Ele já estava cansado de bancar a babá, o enfermeiro, o pai dela. Queria um alívio, queria uma pausa, um tempo daquela loucura toda. Ali estava sua oportunidade.

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