sexta-feira, 18 de junho de 2010

Trinta e Cinco – Extravasar e Admitir

Estava enganado. Rafael mal pode agüentar assistir os últimos vinte minutos do filme. Não que estivesse achando-o chato - ou, pelo menos, não só por isso - mas estava muito difícil segurar o tesão que sentia. A imagem do volume nas calças de Selton não saia de sua cabeça e o seu próprio volume não diminuía por nada! Ficou imaginando inúmeras possibilidades, se não tivesse desistido de tentar algo, ali mesmo, várias cenas se desenrolavam em sua mente quase que simultaneamente, e isso não ajudava em nada a diminuir a dor que sentia lá embaixo.

E o alivio que esperava sentir, quando atravessou ao portão da casa de Selton, não veio, talvez porque o garoto o tivesse acompanhado até lá. No caminho, Rafael teve que usar a barra da camisa para tentar disfarçar o tesão que tencionava o tecido da bermuda; dificilmente, passaria despercebido e seria muito constrangedor se tivesse que explicar porque estava de pau duro!

- Desculpa o meu cochilo, cara! No sábado, a gente assiste outro e eu prometo que não vou dormir!

- Já falei pra não se preocupar, mas a sessão está marcada no sábado! A gente combina durante a semana! - disse Rafael, se forçando a não demonstrar a tensão.

- Beleza, então, Rafa! – Selton disse, estendendo a mão – Valeu pela companhia.

- Que isso, cara. A gente se vê amanhã?

- Com certeza.

- Boa noite!

- Falou!

Rafael nem esperou Selton bater o portão. Assim que pôde, correu para o outro lado da rua, entrou em casa sem dizer oi para quem quer que aparecesse na sua frente, entrou no seu quarto e passou a chave.

Ainda tentava organizar o que viu na sua cabeça. “O Cara estava de barraca armada na minha frente...” Engoliu a seco. “Ok, não foi nada. Todo homem fica de barraca armada quando dorme, certo? Nada demais” Então olhou para baixo e viu a própria barraca. Nunca tinha sentido uma ereção tão intensa quanto aquela; latejava no mesmo compasso do coração. “Meu Deus! O que eu faço?!” Tudo o que passava na sua mente era a volume no short de Selton, a oportunidade que deixou passar. Podia ter pego, podia ter beijado Selton ali mesmo. Podia ter feito tudo que quisesse! Quanto mais pensava no que podia ter rolado, parecia que mais duro seu pau ficava.

Tirou toda a roupa e correu para o chuveiro, abrindo-o ao máximo. A água morna caia sobre seu corpo, mas não esfriava o calor intenso que sentia. Não era a temperatura que o deixava louco. O calor vinha pelo corpo intumescido apontando para o alto. As cenas em sua mente só ficaram cada vez mais selvagens. Imaginou-se beijando Selton, acordando-o com seus lábios, enquanto tirava a própria camisa; deitava-se em cima do garoto, recebendo sua língua na boca; apertava-lhe os músculos e acariciava suas costas, enquanto era explorado pelas mãos de Selton, com firmeza.

Mergulhado naquela fantasia, agarrou com força seu pênis e, com a espuma do sabonete, deslizava para cima e pra baixo. De olhos fechados, via a pelo morena de Selton bem perto da sua, contrastando, completamente nus em cima da cama. Seu corpo ardia. Rolavam um em cima do outro, se beijando, se tocando no escuro, sua mão apertando a bunda de Selton, as costas, a língua lambendo seu pescoço. Os corpos sincronizados num movimento cadenciado, mas intenso. Parecia que explodiria de tanto tesão.

E foi exatamente isso que aconteceu. Não estava preparado, não percebera, não antecipara. Seu orgasmo veio de uma única vez, tão súbito quanto um relâmpago, e tão forte que – mesmo acostumado a gozos silenciosos – não pôde conter na garganta o grito de prazer.

Seu corpo formigou por vários minutos, tomado por um cansaço repentino. Apoiou-se na parede, ofegando, recobrando o fôlego preso enquanto gozava. Á água agora, parecia fazer uma suave massagem em seu corpo, enquanto todas as imagens fomentadas em sua mente sumiam para algum canto distante.

À medida que suas forças voltavam, ele percebia que era tarde demais. Depois de sentir tanto desejo, tanto tesão, tanto prazer, apenas fantasiando, não podia mais negar. O que sentia por Selton era um caminho sem volta.

Trinta e Quatro - Oportunidade

Eles continuaram a ver o filme e Rafael estava esperando a visita que o pai do amigo prometeu fazer ao quarto. Visita esta que não veio. Ele se sentiu aliviado por Selton ter saído do seu campo de visão, já que tinha deitado na cama e ele ainda estava sentado no chão. Não tinha nenhuma bermuda indecente para mostrar as pernas maravilhosas de Selton e o ventilador ajudou bastante a dispersar aquele calor absurdo que sentira antes.

O filme continuou e ele já estava de saco cheio! Não gostara do filme, fugira completamente às suas expectativas e estava realmente detestando! A única coisa que salvava naquela sessão era a presença de Selton, que, aliás, estava quieto demais.

Rafael olhou para trás e se surpreendeu. Selton estava dormindo, roncava bem baixinho, com a cabeça apoiada em um dos braços, virado de lado, aconchegado em posição fetal.

- Isso por que estava louco para ver o filme... - comentou sozinho.

Naquele instante sentiu compaixão ao vê-lo dormindo, como se velasse o sono de um bebê recém-nascido. Era um sentimento tão bom, tão feliz, para ser completo só faltava segurá-lo em seus braços enquanto sonhava. Rafael viajou naquele desejo cândido que jamais havia sentido por ninguém, queria intensamente dar carinho a Selton, fazer-lhe cafuné, beijar-lhe a testa quente. Até que percebeu que nem tudo era angelical naquela cena.

Não podia dizer se era ilusão, se era a parca claridade ou se era apenas a posição em que a bermuda estava, mas era capaz de jurar que tinha uma saliência protuberante entre as pernas de Selton, um volume um tanto anormal.

“Caramba!O pau dele ‘tá’ duro”!, pensou. Notar a excitação de Selton o deixou sem reação, ele prendeu a respiração. Aquele calor peculiar de antes o esmagou com força triplicada, seu corpo inteiro retesou, milhares de coisas passaram pela sua cabeça e tudo aquilo fez com que também ficasse excitado. Cogitou trancar a porta para ter alguma privacidade, poder saciar alguns de seus desejos e fantasias. Tocar aquela pele rija, ali, a poucos palmos.

“O pai dele ficou de subir! E ele pode acordar!”

Rafael olhou para porta, ainda se perguntando se devia ir adiante, se devia aproveitar a oportunidade. Selton estava dormindo e mesmo que seu sono parecesse leve, a vontade era indomável. A chave estava ali, era só virar e estaria trancado com o cara que tirava o seu fôlego! Ele próprio estava tão duro que chegava a doer! “Ele está dormindo! Vai lá! Aproveita!”

“Ele está dormindo...”

Não queria que fosse daquele jeito. Mesmo em seus devaneios mais tolos, que fantasiava seus momentos íntimos com Selton, queria que fosse espontaneamente, de livre vontade de ambos, que ambos quisessem. Não queria abusar de Selton. Se algum dia, Selton topasse ter alguma coisa com ele, seria plenamente consciente, seria por vontade própria!

- Aí, cara, acorda! - Rafael não agüentou, não podia abusar de Selton e também não queria se arriscar a ser pego, fosse pelo próprio Selton ou pelo pai dele, que podia chegar a qualquer momento.

Selton acordou sobressaltado; como que por instinto, olhou para o travesseiro, talvez investigando se tinha babado o travesseiro.

- O que foi? Eu dormi?

- Cochilou um pouco! - respondeu Rafael, tentando parecer o mais normal possível, sem mostrar sua excitação e o desejo que sentia naquele momento. - Você estava realmente afim de ver o filme, hein?!

- Nossa, não tive tempo de cochilar hoje a tarde! Aí peguei no sono aqui. Foi mal.

- Que isso, cara! Não se preocupe. Eu vou embora e você vai poder descansar em paz.

- Fica aí, Rafa! Termina de ver o filme comigo! - pediu. Rafael quase achou que ele estava implorando.

Rafael ponderou. O filme devia estar perto de acabar, mesmo, não faria mal ficar mais um pouco...

Trinta e Três – Discutindo o Indiscutível

Guilherme andava de um lado para o outro da sala, espremendo o telefone na mão. Se desse mais alguns passos abriria um buraco no chão e cairia na casa do vizinho de baixo. Desde que chegara em casa, depois da escola, que sua mãe não estava em casa. A primeira sensação foi de alívio, afinal, ela tinha saído da cama antes do meio-dia. Então, as horas se passaram e nada de Marina aparecer. Lá pelo meio da tarde, Guilherme pegou o telefone e discou o número do celular da mãe. Seu coração se espremeu quando, após segundos de silêncio, a chamada caiu na caixa postal. Tentou mais uma vez, mais uma e outra depois dessa. Respirou fundo e pensou: “Nada de ruim aconteceu. Daqui a pouco ela aparece!” Esse pensamento durou menos de quinze minutos e tornou a ligar para a mãe umas cinco vezes, todas infrutíferas. Ai começou a testar o telefone de parentes, que, graças a Deus, eram poucos. Duas tias, que nada sabiam da irmã, e a avó, cujo telefone também não foi atendido.

- Droga, mãe! Onde você está?!

Teria ela ido falar com o marido? Talvez aquela crise tivesse passado e Marina tivesse decidido reatar o casamento interrompido pela metade? Não! Não parecia provável... Se não parecia provável que a mãe teria ido encontrar o pai, deveria ligar para ele e avisar que a mãe estava sumida? Não! Ainda não, pelo menos. Só deixaria mais gente preocupada. Esperaria.

“Não aconteceu nada! Sua mãe só foi dar uma arejada na cabeça e vai voltar sã e salva, nova em folha” disse, colocando o fone na base, sem conseguir se tranqüilizar. Tomou um banho gelado, pra esfriar a cabeça. Quando estava fechando o registro do chuveiro ouviu o barulho da porta fechar. Alarmado, nem se secou, apenas pegou a toalha e a enrolou na cintura.

- Mãe! – ele gritou, ao chegar na sala.

Marina estava virando a chave na porta quando se sobressaltou com o grito do filho.

- Oi, Guilherme. O que houve, meu filho?

Seus movimentos eram lentos, quase letárgicos, como se precisasse de uma dupla confirmação para se saber onde o corpo ia. Seus cabelos ressecados estavam amarrados num rabado de cavalo mal feito. Seu rosto estava pálido e olheiras gigantes se amontoavam sob os olhos.

- “O que houve”? Onde você foi mãe?! Eu estou aqui, desde uma hora da tarde, que nem um maluco, preocupado se alguma coisa tinha acontecido com você!

- “Alguma coisa acontecido comigo”? Não seja tolo, Guilherme – Marina disse, não dando atenção à preocupação do filho.

- Você só pode estar de brincadeira?! Você mal coloca a cabeça na janela há meses, dopada com dezenas de remédios no organismo! Aí um dia, um belo dia, você resolve dar um passeio, sem avisar onde vai, quando volta!

- Eu acho que você está se esquecendo quem tem autoridade nessa casa, Guilherme.

- Não! Eu não esqueci! Mas eu tenho tomado conta de você esses meses todos! Sozinho! Virando a noite acordado pra ter certeza de que você está dormindo! Checando cada cartela de antidepressivos, cada prescrição médica pra ter certeza que você tomou as doses certas! – toda a raiva e frustração de Guilherme veio a tona, todo o peso que vinha carregando. Ele gritava, enquanto gesticulava energicamente. A expressão exasperada de Marina mudou lentamente, enquanto ouvia o desabafo do filho, transformando-se numa tristeza desoladora - Rezando a Deus, todo dia que ponho a porcaria da chave naquela porta, para que você não tenha virado uma dose de vodka com calmante enquanto eu vou para a escola!

Marina tentava, em vão, segurar as lágrimas e o aperto na garganta.

- Eu só fui na sua avó! – ela gaguejou, levando a mão à boca e encolhendo os ombros – Não posso?

- Eu liguei para vó, mãe! Ninguém atendeu!

- Nós estávamos no andar de cima – ela gemeu – Você sabe que não dá pra ouvir o telefone lá em cima.

- Você sabe a hora que chego em casa! Porque não me avisou, porque não ligou pra cá dizendo onde estava?!

- Eu não achei... eu não achei que você... – seu choro foi tão intenso que Marina nem pode terminar a frase. Apenas caiu no sofá e cobriu os olhos com a mão.

Guilherme observou a mãe, fragilizada, repensando tudo que tinha vivido nos últimos tempos ao lado dela. Ele não estava preparado para aquilo. Achou que podia lidar com os problemas da mãe sozinho, mas visivelmente não podia. Nem devia. Se lembrou, então,do que tinha prometido ao pai, mais cedo.

- Mãe... vou ligar pro pai.

- Não! – ela se levantou de súbito – Não ligue para o seu pai! Eu não quero vê-lo.

- Mãe, eu não posso lidar com isso sozinho!

- Eu não quero ver seu pai, Guilherme! – ela bradou, a tristeza se tornando cólera acusatória.

- Não foi culpa dele, mãe!

- Foi sim!

Guilherme viu a raiva mudar rapidamente para histeria. Ele correu até a mãe e segurou seus braços que começaram a lutar, chacoalhando com força de um lado para o outro.

- O pai não teve culpa no que o Lucas fez! – ele disse, agarrando-a firmemente.

- Ele tem, sim! – e a raiva virou outra vez tristeza. Ela se debulhou em lágrimas, nos braços firmes do filho, que ainda pingava água fria – Ele tem culpa, sim, filho! Ele tem! – e repetiu isso como se fosse um mantra, por horas, enquanto vertia lágrimas incessantes.

Guilherme não pôde fazer nada a não ser abraçar a mãe, ignorando o frio que sentia, a frustração, o sentimento controverso de pena. E até mesmo de culpa. Não devia ter sido tão duro com a mãe, sabendo o que ela vinha passando, o estado em que se encontrava. Devia ter ficado feliz por ela encontrar ânimo para sair da cama, sair de casa, visitar a mãe, o que não fazia há muito tempo.

De uma coisa Guilherme tinha certeza. Toda aquela situação estava muito além do seu controle.

Trinta e Dois – O Pai de Selton

- Por acaso, entrei na casa errada? - disse uma voz grave, atrás dele, pertencente a um homem alto e magro, pele morena e rosto liso e um queixo levemente protuberante. Estava vestido com uma camisa social branca e uma gravata desamarrada ao redor do pescoço, e carregava uma maleta em uma das mãos. Embora seu rosto fosse uma máscara de cansaço, ainda havia algum brilho de humor ali. Um humor sarcástico, óbvio!

- Ah! Não! - disse Rafael desconcertado. - O senhor deve ser o pai de Selton.

- Sim, sou! O que me leva a crer que você é quem está na casa errada.

- Me desculpe, senhor. Selton me convidou pra ver filme com ele e eu só vim aqui ligar pra casa e avisar minha mãe.

O pai de Selton sorriu simpaticamente - foi impossível não notar a semelhança entre os dois e chegou mais perto de Rafael, deixando a maleta jogada no sofá e pousou a mão sobre o ombro do garoto.

- Eu que tenho que pedir desculpas. Fui agressivo, mas acho que você entende, certo? Meu nome é Hugo e, como você pôde perceber, acabei de chegar.

- Ah! Eu vou deixar o senhor terminar de chegar em casa, em paz. - Rafael bem que tentou ser simpático, mas ainda estava constrangido, sentia-se invadindo a privacidade da casa de Selton. Um estranho no ninho - O Selton deve estar me esperando para terminar de ver o filme.

- Tudo bem. Fale que já subo pra falar ele.

- Pode deixar.

Rafael só deu as costas para Hugo quando não havia outro jeito. Subiu as escadas envergonhado e ainda se sentia estranho quando entrou no quarto de Selton. O ventilador já estava ligado e girando, arejando o cômodo todo e o garoto estava deitado na cama.

- Você demorou, Rafa. Problemas com sua mãe?

- Não. Encontrei seu pai na sala.

- Ah! Então você já conheceu o senhor Amorim? - disse ele, rindo.

- Parece que sim.

- Aposto que fez uma piadinha sarcástica quando te viu na sala.

- Fez.

- Ele é assim mesmo. Sempre encara as coisas com bom humor, mesmo que não seja o nosso padrão de humor. Senta aí, quero terminar de ver o filme.

Trinta e Um – Perdendo o Controle

Selton jogou algumas almofadas que estavam em cima de sua cama no chão, falou com Rafael para se ajeitar e se sentou ao seu lado, depois de colocar o DVD pra rodar. Configurou as opções de áudio e deu inicio ao filme.

Filme este que Rafael mal prestou atenção. Não conseguiu se concentrar de tão tenso que ficou, sentindo Selton, ali do seu lado. O garoto moreno sentou-se com as pernas formando um ângulo reto, uma para cima e outra encostada no chão, e a perna da bermuda da que estava pra cima começou a escorregar, revelando a coxa de Selton.

Rafael começou a suar frio, fingindo que estava ligado na tela, enquanto, na realidade, estava vidrado nas pernas de Selton. “Que perna perfeita!”, admirou-se. Quase não tinha pêlos, era lisa como a sua, e apesar de ser magra, parecia forte, firme.

- A janela está aberta? - perguntou Rafael. Ele estava sentindo um calor inexplicável.

- Está sim, cara. Mas espera aí, vou pegar o ventilador da minha mãe. - com o controle remoto, Selton pausou o filme e foi buscar o tal ventilador.

Rafael suspirou aliviado e, junto com o ar, o calor foi embora. Não podia imaginar que um dia ficaria aliviado por ter Selton longe dele, mas aconteceu. Ainda um pouco tenso, ele olhou o relógio, pensando se seria cedo ou tarde para ir embora. Temia que se continuasse perto de Selton, mais alguns minutos, fosse capaz de cometer uma loucura! Por sorte, já era hora de sua mãe ter chegado do escritório.

Ele saiu do quarto e desceu ao primeiro andar, a procura do telefone que Selton mencionara, ainda pensando se deveria ou não dar um jeito de voltar pra casa. Queria tanto continuar ali, perto daquele garoto que o deixava feliz apenas com a presença. Mas Selton também parecia mexer com mais do que apenas a sua felicidade, estava quase perdendo o controle de suas ações e não queria correr o risco de perder uma amizade tão especial por conta de uma inconseqüência.

Quando chegou ao pé da escada, os dois se trombaram, de repente.

E naquele milésimo de segundo, que pareceu quase uma hora inteira para Rafael, ele pode sentir o calor do corpo de Selton e, mais uma vez, sua sanidade quase escapou-lhe e não abraçou o colega ali mesmo...

- Cara! Que susto! - disse Selton - Achei que ainda estivesse lá em cima!

- Eu desci pra ligar pra minha mãe? Posso?

- Claro, cara! O telefone fica ali. Eu vou pegar o ventilador da minha mãe. Achei que estivesse aqui embaixo, mas está no quarto dela. Avisa pra sua mãe que você está aqui e continuamos a ver o filme, ok!

- Ok! Já subo!

Quando Selton subiu a escada Rafael suspirou, novamente. Quanto tempo mais poderia passar em companhia de Selton sem perder as estribeiras? Cada segundo perto dele revelava uma situação nova e complicada de contornar!

Depois que se acalmou ele foi até o telefone e discou o número de casa. Chamou, chamou e chamou, até que a secretária eletrônica atendeu.

- Você ligou para Sueli, Alex ou Rafael, - disse a voz da advogada - só que no momento não deve ter ninguém em casa ou estamos com preguiça de vir atendê-lo. Portanto, deixe seu recado que retornaremos assim que for possível. Obrigada.

- Mãe, eu estou na casa do Selton, o novato que te falei que era nosso vizinho. Ele me convidou pra ver filme com ele. Assim que acabar, eu vou embora, tudo bem? Beijos, até daqui a pouco. - e colocou o telefone no gancho.

Quando se virou, levou outro susto...

Trinta – Filme

Depois do almoço e do sono da tarde, Rafael acordou revigorado. Lavou o rosto em sua suíte e foi separar os cds que Selton queria e o fez com todo o prazer. Não gostava de emprestar seus cds de coleção; Ana teve que, praticamente, implorar por meses a fio até que Rafael se propusesse a emprestar. E sobre as mais absurdas condições. Só depois teve a brilhante idéia de fazer uma cópia e emprestá-la, mas ai já era tarde demais...

Com Selton era diferente. Primeiro, porque o garoto sabia o significado de ter uma coleção de cds e, por tanto, saberia tratar adequadamente seus pertences. E, segundo, porque Rafael dificilmente negaria algo a Selton.

Quanto terminou de juntar alguns cds - mais até do que o novato o pedira - Rafael foi estudar mais um pouco, dar uma lida na matéria do dia para não ficar muito vago. Descobriu com desgosto que probabilidade não sairia tão cedo de sua grade, o que lhe renderia muitos problemas. Até se surpreendeu por ter conseguido se manter calmo, sob a perspectiva de ir visitar Selton em sua casa. Logo ele, que era tão ansioso.

Ao anoitecer, ele fechou os livros e os cadernos , fez um lanche, pegou os cds e foi à casa do amigo. Atravessou a rua e se deliciou com o calor brando que o cercava naquele entardecer tão especial. O céu púrpura o maravilhava, algumas estrelas discretas piscavam lá no alto e o horizonte ainda tinha aquele leve tom amarelado.

Que noite perfeita pra beijar, pensou.

Quando chegou ao portão da casa branca de Selton, ele tocou o interfone. Agora sim estava ansioso e pareceu uma eternidade até que alguém o atendesse.

- Oi.

Rafael reconheceu a voz, imediatamente:

- Selton, é o Rafa, vim trazer os cds.

- Ah! Beleza, cara. Entra aí!

E a tranca da porta chiou com a corrente elétrica e ele a abriu.

Depois de muito tempo, Rafael por admirar o jardim da casa branca, outra vez. Estava um pouco mal cuidado, afinal, a família de Selton tinha se mudado a pouco tempo e, certamente, tinham coisas mais importantes para arrumar. Mas dava pra ver o quanto era bonito.

- E aí, Rafa! Tudo certo? - a voz de Selton soou na janela da sala de estar.

- Tudo tranqüilo.

Rafael se aproximou da porta e ouviu Selton virar a chave para abri-la. Então, o garoto moreno estendeu-lhe a mão.

- Pode entrar. Só não repara a bagunça. Ainda não tivemos o tempo pra arrumar tudo. Só demos uma ajeitada geral pra poder começar a organização de verdade.

Então, Rafael olhou a sala. Do ponto de vista dele, até que não estava tão bagunçada. Na parede oposta a porta, estava um rack de tabaco e, em cima dele, uma TV de vinte e nove polegadas conectada a um aparelho de DVD e um home theater. Havia também um barzinho com diversas bebidas e os sofás brancos combinavam com o restante da sala e da mobília, como uma mesinha de vidro e um tapete felpudo no chão. Havia algumas fotos de Selton e do restante de sua família em cima da rack também, e do lado do telefone que estava perto de um dos sofás.

- Vamos subir. Meus cds estão lá no quarto.

Rafael o acompanhou e, ao chegarem ao pé da escada, reparou que o restante da casa estava em silêncio.

- Seus pais não estão?

- Não. Minha mãe saiu pra resolver alguma coisa da loja dela e meu irmão saiu mais cedo pra aula.

“Estamos sozinhos”, e logo sua imaginação explodiu com milhares de cenas picantes, apenas para serem severamente rechaçadas logo em seguida.

Selton subiu as escadas primeiro e Rafael o acompanhou. Não pode deixar de notar as pernas e a bunda do amigo e, se fosse um pouco mais impulsivo, teria tocado-as ali mesmo. A estranha sensação de culpa o invadiu mais uma vez e abaixou a cabeça.

- O que mais você trouxe de bom?

- Mais alguns cds, achei que talvez você pudesse gostar - e entregou os cds para o amigo, que os analisou.

- Nossa! Não podia ter acertado mais! Adoro todas as bandas que você trouxe!

- Nossos gostos são bem parecidos, hein?!

- São mesmo! - disse Selton - Estou começando a ficar com medo! - e riu. - Entra aí!

Eles entraram no quarto e, ali sim, estava bagunçado! Algumas caixas ainda estava entulhadas a um canto e muita roupa suja se acumulava ao pé da cama. O coração de Rafael quase parou ao perceber uma cueca, por ali. A escrivaninha de Selton tinha atulhado os livros e cadernos, junto com um monte de outras revistas alguns cds. Na estante, Selton tinha um verdadeiro centro de mídia. Televisão, aparelho de som, vídeo e DVD conectados a um computador de aparência agressiva, em cores vermelho e preto, que se impunha na escrivaninha.

- Nossa! Eu achava que tinha coisa demais no meu quarto! - comentou Rafael.

- Ah! Eu gosto de ver filmes e copiar algumas coisas que passam na TV, ouvir música com qualidade. Eu sou meio chato nesse ponto e em Brasília eu fazia trabalho de conversão de vídeo pra DVD.

Mas, apesar de vários aparelhos, a estante de Selton ainda parecia um pouco vazia e Rafael imaginou ser o restante não estava nas caixas.

Selton jogou a pilha de roupas pra debaixo da cama e deu uma ajeitada na cama e disse para Rafael se sentar.

- Eu ia ver um filme agora. Se quiser ficar ai pra assistir... Daqui a pouco desço pra fazer alguma coisa pra gente comer.

Rafael engasgou! “Ele está me convidando pra ver filme? Aqui no quarto dele? Será que ele está querendo alguma coisa? Não seja idiota, ele só quer companhia pra ver filme!”

- Bem, vou ter que avisar minha mãe daqui a pouco, quando ela chegar. Achei que não demoraria, então, não deixei aviso!

- Beleza! Quando você quiser pode usar o telefone, lá embaixo! Eu ia ver “V de Vingança”. Você curte?

- Curto sim! Queria ver esse filme quando estreou no cinema, mas não tive tempo de ir ver!

- Ótimo! Ainda não consegui vê-lo, também! E não estava a fim de ver sozinho.

Vinte e Nove - CDs

Rafael continuou o dia meio abatido resto da aula e quando ela acabou, desceu com Ana e Selton, temendo que o amigo pudesse voltar a perguntar alguma coisa sobre Débora outra vez. Felizmente, não tocou mais no nome da garota. Os três tomaram o mesmo ônibus e foram conversando sobre várias coisas. Até que o assunto terminou em músicas:

- Poxa, cara! Você também gosta de Reação em Cadeia?! - exclamou Rafael, ao descerem do ônibus.

- Que isso! Tenho todos os discos deles! Tive que encomendar um, pois não achei de jeito nenhum! Não sou fã de saber data de aniversário e número do sapato, gosto demais do som dos caras! - respondeu Selton, ansioso por compartilhar sua admiração pela sua banda favorita.

- Eu já ouvi algumas músicas, mas não todas! Depois você me empresta pra eu ouvir.

Então, Selton se mostrou um pouco contrariado.

- Ah, cara! Tenho o maior ciúme dos meus cds!

Rafael compreendeu:

- Eu sei como é! Eu tenho ciúme dos meus também!

- Quais cds você tem?

- Tenho do Creed, Audioslave e Alter Bridge. Tenho mais alguns, mas meus favoritos são esses.

Adoro essas bandas também! Podemos fazer o seguinte, então: eu te empresto os meus e você, os seus. O que acha?

- Por mim, tudo bem.

Os dois garotos ficaram tão entretidos com a conversa que nem notaram que já estavam perto de casa.

- Bem, passa lá em casa, então, à tarde, pra pegar os cds. - disse Selton. - Aí aproveito e te apresento meus pais, ok?

- Ok. Sem problemas.

Os dois se despediram com um aperto de mão.

Rafael mal podia acreditar que estaria na casa de Selton, em breve. Em um mísero segundo, sua cabeça ficou imaginando o que poderia acontecer se, por acaso, estivessem sozinhos, quando fossem fazer a troca dos cds.

Esperava que pudessem trocar mais do que cds...

“Chega, Rafael! Tira essa idéia da cabeça! Ele é homem e você também! Portato, esqueça essas fantasias loucas!”

Vinte e Oito – Amigos

No decorrer do dia, Rafael ficou ainda mais nervoso, porque Débora não parava de dar em cima de Selton. Toda hora ela o chamava baixinho e falava alguma coisa, jogando seu charme feminino, que não era pouco. Talvez isso não o irritasse tanto, se Selton não estivesse dando corda, retribuindo os olhares e os risos, continuando a conversa.

Afinal, ele seria louco se não desse atenção para Débora. Qualquer garoto normal daria a mão direita para ter uma chance com uma das garotas mais bonitas (pra não dizer gostosas) da escola. Só ele mesmo para não querer nada com Débora. “Droga!”.

Quando o sinal do intervalo tocou, ele saiu quase correndo da sala. Nem soube direito para onde foi, apenas saiu andando, desviando das pessoas que eventualmente apareciam no seu caminho. Quando percebeu estava com a mão na carteira, tirando dinheiro para pagar um pacote de Ruffles de churrasco. “Pra que pedi isso?”, pensou com o pacote na mão. “Nem estou com fome!”. Abriu o pacote foi comendo as batatas sem ânimo algum.

Ficou remoendo aquele sentimento de perda enquanto terminava as batatas, lambuzando os dedos com aquele óleo estranho. Para sua satisfação, ninguém parecia notá-lo,ali, encostado numa pilastra do pátio, ignorando a barulheira de dezenas de adolescentes falando ao mesmo tempo.

- Ei, cara!

Rafael se sobressaltou. Era Selton que tinha aparecido.

- E aí – ele respondeu, amuado – Aceita?

Selton enfiou a mão no pacote e tirou um punhado de batatas.

- Valeu, Rafa. – e antes de comer disse – A Ana estava procurando por você.

- Depois eu falo com ela.

Selton engoliu as batatas crocantes e disse:

- Que houve, cara? Você está desanimado.

Rafael olhou impressionado para Selton. “Ele notou?! Ele me notou?!” E por um instante o frio que se instaurara nele esquentou.

- Ah! – resmungou – não é nada.

- Sério, cara. Pode falar. Eu sei que a gente não se conhece há muito tempo, mas pode confiar em mim.

- Não é nada, Selton. Valeu pela força.

- Ok, Rafa. Mas se precisar, pode contar comigo.

- Obrigado – ele estendeu o pacote de Ruffles, oferecendo mais para o amigo.

Os dois ficaram em silêncio, olhando a algazarra do pátio. Rafael lembrou-se do seu ensino fundamental, em que criancinhas ficavam correndo de um lado para o outro, meninas gritavam e meninos se esborrachavam no chão. As coisas mudaram muito desde aqueles tempos. Embora parecessem mais civilizadas, era curioso perceber que eram ainda, ou até mais, barulhentas.

- Cara, o que você acha da Débora? – Selton perguntou, de repente.

- O quê?! – no susto, Rafael até procurou pela garota ao redor, tentando entender de onde o nome dela surgiu, mas não a achou – Como assim?

Selton não olhava diretamente para Rafael, contemplava a massa de adolescentes que se misturava desordenadamente.

- Éh! O que você acha dela?...

Rafael engoliu em seco.

- Não... não sei... – gaguejou – ela é... – “você não vai querer ouviu o que eu acho dela” - ... inteligente.

Selton tirou os olhos da multidão e encarou Rafael, rindo.

- “Inteligente”?

“Meu Deus! Droga! ‘Inteligente’ seu burro! Qual é o garoto que vai achar a Débora ‘inteligente’?! O que ele vai pensar, agora?!”

- Bonita! – Rafael tentou consertar a tempo a besteira que tinha falado – Ela tem um corpão!

O sorriso de Selton se abriu ainda mais. E Rafael sabia que o amigo estava rindo dele.

- “Corpão” – e riu – Desculpa, Rafa. Mas essa palavra não soa muito bem, vinda de você.

- Foi você que perguntou.

- Eu sei, Rafa. É que você ficou todo vermelho falando dela. Só achei engraçado.

- Hum – Rafael murmurou, não muito satisfeito em passar papel de bobo – Sei. Mas por que você perguntou da Débora.

- Sei lá... porque a achei “inteligente”.

Rafael até se esquecia de ficar bravo, quando olhava para o sorriso sincero de Selton.

- Sério, agora. Ache ela interessante, bonita, legal.

- Você está afim dela? – Rafael perguntou, com o coração apertado, com medo daquela resposta.

- Não sei. Acabamos de nos conhecer, eu não sei nada da garota. Por isso estou perguntando pra você, que já a conhece há mais tempo.

- Eu não a conheço tão bem assim, não. A Ana é mais amiga dela do que eu – Rafael disse, finalizando sua Ruffles, odiando o rumo daquela conversa.

- Entendi. Só perguntei por perguntar mesmo. Não sei se estou afim de ficar com alguém no momento, com toda essa confusão de mudança e tudo o mais.

- Entendo. Aqui cara, vou pra sala que o sinal deve estar quase batendo.

- Vamos lá.

Vinte e Sete – Rodrigo

A sessão obrigatória de TFM tinha acabado. Alex tinha corrido vários quilômetros, feitos sabe-se lá deus quantas abdominais, barras e flexões. Eram séries relativamente fáceis, considerando o que fazia na academia, mas não podia reclamar. Começar o dia fazendo exercícios lhe fazia muito bem. Algum de seus companheiros de farda não tinham a mesma disposição que ele e achavam diversas maneiras de escapa do TFM, mas não Alex. Ele adora correr e se exercitar, e depois tinha uma bolinha básica com os amigos. Todo dia. Quantos homens podiam dizer que jogavam bola com os amigos todo dia? Quase ninguém.

Mas Alex não estava no exercito pra fazer exercício físico. Ele tinha orgulho de vestir a farda, assim como seu pai e seu avô - que participara, inclusive de uma campanha na Itália, durante a segunda guerra. Estava apenas esperando mais alguns anos pra ganhar uma promoção e talvez, quem sabe, a possibilidade de participar de missões no exterior, representar a bandeira e a nação brasileira. Era meio utópico pensar daquela maneira, mas era o que ele sentia. Sentia orgulho de ser brasileiro e de ser das fileiras do exército. Tinha sido feito pra isso.

Depois de umas quatro partidas, a pelada na quadra tinha acabado e quem o pessoal que tinha ficado no jogo foi tomar banho, para poder continuar com o expediente do dia. De uma hora para outra o vestiário se encheu de homem e, junto com eles, o falatório. Enquanto tiravam as roupas, falavam dos jogos, da rodada do Campeonato Brasileiro, loteria, carros e, principalmente, mulheres e sexo. Enfim... era um vestiário masculino. Alex já tinha participado muito dessas conversas – e não só das conversas. Mas desde que começara a namorar, preferia ficar à margem de conversas que envolviam prostitutas, strippers, seios e outros tópicos relacionados. Alguns colegas o chamavam de “anjinho”, porque ele não participava das farras que indiscriminavam solteiros, casados ou comprometidos. Podia ser antiquado, mas Alex era fiel ao pé da letra a sua namorada.

Enquanto comentava, ouvia e ria das conversas dos amigos, Alex ligou o chuveiro e sentiu a água gelada batendo no corpo. Ali ninguém estava de roupa. Os homens andavam sem pudor algum entre bancos, armários e chuveiros sem se acanhar – embora alguns tivessem motivos. Ensaboava o corpo musculoso, quando alguém chamou.

- Ei, Cabo.

Do seu lado, Rodrigo , um soldado mais novo que ele, tomava seu próprio banho. Rodrigo tinha a pele ainda mais clara que a de Alex, e cabelo negro e curtos; rosto quadrado, e o queixo partido – com covinha. Tinha braços e pernas roliças e peitoral estufado, mas não tinha a mesma definição que Alex, talvez fosse um ou dois quilos acima do seu peso ideal. Os dois se conheceram logo que Rodrigo foi recrutado e passaram a servir no mesmo quartel. Alex era dois anos mais velho que Rodrigo mas os dois dividiam a mesma paixão pelas forças armadas e só isso era o bastante para que se tornassem grandes amigos.

- Fala, soldado – Os dois se tratavam pelas patentes, mas não tinha nada a ver com a hierarquia; quando estavam de folga, era mais fácil usar as patentes como apelidos do que chamar um ao outro pelo nome.

- Vai rolar o que hoje?

- Olha, eu não sei. Mas a Carla está querendo sair, pegar um cinema.

- Saquei. Deixa pra lá, então. Ia te chamar pra tomar uma gelada, mas a esposa vem em primeiro lugar.

Alex riu.

- Olha, posso ver se ela pode levar uma amiga, ai você se arranja lá com ela.

Rodrigo considerou.

- Nada, cara. Valeu. Estava pensando numa noite dos “brow”, mas a gente marca outra hora.

- Aconteceu alguma coisa, soldado? - Alex perguntou.

- Nada, cabo. Outra hora a gente enche a cara.

Alex ficou meio ressentido porque, desde que começara a namorar, as noitadas com o amigo se tornaram cada vez mais raras. Essas noites, aliás, eram lendárias. Quando não estavam escalados para o dia seguinte, os dois juntavam os poucos caraminguás que tinham e torravam tudo com bebidas e garotas; Rodrigo morava sozinho numa quitinete alugada e nessas noites virava – sem eufemismos – um verdadeiro bordel. Quando não conseguiam garotas em festas ou afins, pagavam prostitutas mesmo e transavam até o dia amanhecer. Até que, alguns meses antes, Alex conhecera Carla e acabaram-se as noites de boemia, sem saudade nenhuma das dezenas de mulheres que conseguia na noite, sentia apenas falta das boas horas que tinha com o amigo pra poder conversar e beber.

- É só marcar, soldado, que a gente enche a cara.

Alex fechou os olhos para proteger da espuma que caía enquanto lavava o cabelo. Assim, não pôde perceber que Rodrigo observava cada movimento seu, como seus músculos salientes e a pele molhada.

Vinte e Seis – Ciúmes

Rafael voltou a sala, irritado com o que Guilherme tinha falado. Como ele podia insinuar na cara de pau que ele sentia alguma coisa por Rafael, que o “destino” tinha colocado Selton na casa do outro lado da rua. Estupidez. Nem ele mesmo achava isso. Ou pelo menos tentava não pensar daquela maneira. Conhecia Selton a menos de um dia e já sentia algo conflitante pelo garoto novato; se começasse a sonhar que o “destino” tinha juntado os dois, iria a loucura em dois minutos.

Chegou em frente a porta, desejando, ingenuamente, que Guilherme não estivesse na sala, mas era besteira pensar nisso. E mesmo que encarar a pessoa que o infernizava fosse um pensamento sombrio, ao entrar na sala, ele se deparou com outra coisa que o balançou. Selton e Débora conversavam aos risos. A garota gesticulava e mexia no cabelo, com graça. Ele percebeu que Débora estava bem mais produzida naquela manhã – mais do que o usual – maquiagem mais intensa, cabelo feito às sete horas da manhã, cílios delineados com rimel e batom avermelhado, de brilho muito intenso. Ela estava linda! E Selton não tirava os olhos dela por nada, acompanhava cada movimento que ela fazia.

Um calor repentino lhe acometeu. Era um mistura de medo e raiva que sentira poucas vezes na sua vida. “Cuidado, Rafa. Débora o viu primeiro e a gente sabe que o que ela quer, ela pega...?”, foi o pensamento imediato que lhe ocorreu. Ele respirou fundo, tentando se controlar.

- Ei! Rafa, chega mais! – Selton o chamou quando o viu.

Aquela raiva súbita se abrandou, mas não muito. Ainda sentia seu corpo tremendo ao perceber que Débora ainda estaria ali.

- Bom dia – ele disse meio seco para a garota.

- Bom dia, Rafa! – ela devia estar mesmo muito concentrada em Selton, porque não percebeu que ele tinha sido rude com ela.

- Curte sai pra dançar, Rafa? – Selton perguntou, animado.

Ele olhou para a rodinha e logo deduziu que aquela idéia só podia ter sido de Débora.

- Não. Não gosto, muito. – ele respondeu. Em partes era verdade, mas Rafael não queria incentivar nada que pudesse aproximar Selton de Débora ainda mais.

- O Rafa é mais caseiro – Ana disse, rapidamente. – Não costuma sair muito com a gente, não.

- Ah! – Selton respondeu. Se Rafael tivesse prestado atenção, teria percebido um flash de decepção no olhar do novato.

- Mas agente pode arrastar ele um dia desses também. Ele não vai se importar vai, Rafa? – Débora disse, com um sorriso demasiadamente animado.

Rafael não soube o que responder. Se dissesse tudo o que tinha em mente, poderia arrumar uma confusão sem tamanho.

Felizmente, naquele momento, o professor entrou na sala. Rafael não teve que responder o que não queria para não ser grosseiro, o tumulto da turma se arrumando na sala os interrompeu bem na hora.

Rafael tirou seu material da mochila, se preparando pra assistir a aula, tentando relaxar daquele ciúmes descabido. “O que deu em mim?”, pensou. Não tinha direito nenhum de se sentir daquela maneira, afinal de contas, Selton não era nada seu além de amigo. Amigo, homem! “Se liga! Pare com isso, Rafael! Ele é só seu amigo! E, ao contrário de você, ele é normal! Gosta de garotas! Então, pare de ter esses pensamentos idiotas!”

Vinte e Cinco – Débora

Ana ainda conversava com Selton banalidades, como alguns aspectos de Juiz de Fora, outros de Brasília, curiosidades de família e etc... estavam se dando bem. Outros colegas de turma entraram e alguns cumprimentaram Selton discretamente, com um pequeno aceno ou um “oi” baixo. A única que o cumprimentou entusiasmadamente foi Débora, que assim que cruzou a porta da sala e pôs os olhos em Selton, abriu o sorriso mais aberto que ele já tinha visto alguém sustentar.

- Selton! Bom dia!

Ana se sobressaltou com a voz da amiga soando alto pela sala.

- Bom dia! – ele respondeu o sorriso, meio confuso.

- Bom dia, Débora – Ana disse, espetando a amiga, que respondeu com um abraço e um beijo no rosto.

- Gente, dia frio esse, não é? Queria ter ficado mais na minha cama. – a garota disse, ajeitando sua mochila e fichário rosa florido, na mesa bem atrás de Selton.

- Todos nós – Selton comentou.

- E então, já conhece a cidade? – Débora perguntou, sentando-se em sua carteira.

Ana não ousou dizer nada; apenas observava atentamente o modo como Débora se comportava, falava, gesticulava. Achava-a uma ótima pessoa, mas não sabia ser sutil – ou talvez nem quisesse.

- Ainda não tive tempo. Muita coisa pra arrumar, mas o Rafa já me chamou pra dar uma volta assim que aparecer tempo.

- Hum... e onde vocês vão? - ela perguntou – Tem tanto lugar legal pra se ver em Juiz de Fora.

- Não exagera, né, Débora – Ana falou, séria.

- Eu estou falando sério. Tem cinema, um monte de boate legal, shopping...

- Museus, parques,... bibliotecas – Ana falou, cortando o assunto da amiga, já imaginando quais eram suas reais intenções.

- Quem quer saber de museu quando se tem tanta coisa melhor pra fazer... – Débora rechaçou, fitando Selton. – Não acha, Selton?

O garoto sorriu, impressionado.

- Concordo – ele disse, percebendo que não tinha muito o que responder, mas visivelmente sem jeito.

- Gosta de dançar, Selton? – Débora perguntou.

- Claro!

- Viu! A gente combina um dia desses de sair pra dançar.

Ana balançou a cabeça em reprovação, mas nem Selton nem Débora perceberam.

Vinte e Quatro – Inconveniente

Rafael entrou na sala, junto com Selton, enquanto conversavam alguma coisa sobre subir morro, caronas e como Juiz de Fora era diferente de Brasília e coisas assim. A sala ainda estava relativamente vazia, os alunos não chegavam antes de dois minutos para começar a aula (alguns só chegavam quinze minutos depois que ela já tinha começado). Rafael cumprimentou quem estava na sala e Selton, ainda intimidado pelas novas pessoas, apenas acenou com a cabeça e se sentou na carteira ao lado de onde Rafael tinha jogado sua mochila.

Logo depois, Ana tinha chegado, com sua bolsa gigante com o desenho de uma menininha sorridente e seu fichário nos braços.

- Bom dia, Rafa – ela disse. Era evidente que ainda estava com sono. Ela deixou o fichário numa carteira e a bolsa e foi abraçar o amigo e o beijou no rosto.

- Bom dia – ele respondeu.

- E aí, Selton? – ela deu um sorriso.

Ele respondeu com um aceno.

- Você acredita que o Selton mora, praticamente em frente a minha casa? – Rafael comentou animado.

- Sério?! – ela ficou surpresa – Eu vi você descendo do ônibus, mas não imaginei que fosse assim tão perto.

- Não é?! Coincidência louca!

- O bom é que hoje eu economizei o dinheiro do ônibus.

- Dona Sueli te deu carona, hoje? – Ana perguntou.

- Se ela te ouve falar assim, ela te mata. – Rafael disse - Vou ali beber água e já volto – E saiu, deixando Selton conversando com Ana.

Os corredores do colégio começavam a se encher, a medida que a manhã avançava.

Fora pelos colegas de turma, e alguns com quem já estudara em séries anteriores, ele não conhecia muita gente no colégio. Andava geralmente de cabeça baixa, olhando, raramente, para algum ou outro garoto que achasse bonito – e não eram poucos.

Mas naquela manhã, não achou graça em ninguém. Olhou para uns caras que antes o deixavam maluco e, agora, pareciam tão normais quanto os outros. Claro que continuavam bonitos, mas não mexiam mais com ele. “Graças a Deus”, pensou. “Talvez essa história de gostar de garotos esteja acabando...”

Ele pressionou o botão do bebedouro e a água esguichou pro alto. Rafael bebericou, molhando os lábios e sorvendo o líquido demasiadamente gelado para aquela hora da manhã. Quando a água chegou na garganta, sentiu-a contrair e doer. Rafael recuperou o fôlego e se debruçou para tomar outro gole, quando levou um susto.

- Já apresentou a sogra pro namoradinho, Rafa?

Guilherme tinha surgido de lugar nenhum, era quase como se tivesse a habilidade de se teletransportar ou se materializar no ar. Ele se encostou na parede, sorrindo para Rafael com escárnio. Embora seu olhar permanecia com aquele brilho perspicaz, Rafael não pôde ignorar as profundas olheiras.

- Ficou maluco, foi?!

- Eu vi o Selton descendo do carro da sua mãe com você, Rafa. O garoto chegou ontem na escola e você já cruzou a cidade pra dar carona pra ele? Interessante...

- Ele veio de carona porque é meu vizinho. Só isso!

- “Vizinho”? – Guilherme se espantou – Vizinho mesmo?

Rafael percebeu que não fora a atitude mais sensata revelar a coincidência a Guilherme. Mirou-o com um olhar débil e disse:

- Ele se mudou para o outro lado da rua.

Guilherme o fitou por alguns segundos, em silêncio, até que levantou as sobrancelhas, impressionado.

- Deve ser o destino... – disse, com um tom misterioso.

- Ele é só meu amigo! – Rafael disse, revoltado.

Mas Guilherme nem ligou. Sem mais nem menos saiu andando com a mão no bolso e a mochila no ombro, como se nem tivesse parado pra infernizar Rafael.