sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vinte – Sueli

Rafael tinha o hábito de estudar durante a tarde, a matéria que havia sido dada na aula anterior, era um método para não esquecer o que tinha aprendido e não precisar se matar de estudar nas horas de prova. Mas como tinha passado a tarde em companhia de Selton, teve que compensar a noite. Afundara nas anotações do dia, fazendo resumos e consultando os livros quando tinha dúvidas. Foi a primeira vez no dia que conseguira se concentrar em outra coisa que não fosse o novato/vizinho. As fórmulas matemáticas o inebriaram, equações faziam seus neurônios rangerem e seguravam toda sua atenção, tentando descobrir as incógnitas. Rafael tinha um talento nato para matemática, característica talvez herdada do pai, que era engenheiro do exército. No entanto, apesar de seu talento matemático, probabilidade era um verdadeiro mistério pra seu cérebro. Talvez porque não gostasse muito da matéria, preferia álgebra e suas equações polinomiais, ou até mesmo geometria com suas retas, planos e sólidos.

Havia um fascínio dentro de Rafael pela natureza racional da matemática, que determinava praticamente tudo com exatidão, exceto as escolhas humanas, exceto as suas escolhas. Rafael queria que pudesse resumir sua vida a uma fórmula matemática para simplificar tudo. Principalmente aquela atração desviada por garotos, por Selton. Quando aquilo acabaria?

Seus estudos foram interrompidos pelo barulho do portão automático se abrindo. Àquela hora, só podia ser sua mãe chegando do trabalho. Então, ouviu o ruído suave do motor e as rodas rolando sobre o cimento. Não demorou e o motor desligou e a porta do carro bateu. Rafael voltou a estudar, pois logo sua mãe chegaria para cumprimentá-lo.

A porta da sala e fechou e a voz de Sueli ecoou pela casa, abafada pelas paredes.

- Alguém em casa?

- Aqui em cima – Rafael gritou.

Não demorou e sua mãe pareceu no seu quarto, batendo na porta.

- Estudando até essa hora.

- Não, mãe. Comecei agora a pouco. – disse, se virando na cadeira.

Sueli estava vestida com seu “uniforme” para o trabalho, um terninho de cor neutra, maquiagem leve e um par de brincos discretos, combinando o pequeno pingente do colar. Ela tinha os cabelos loiros, de quem Rafael herdara os seus, cortados na altura do pescoço, e quando ia para o escritório o deixava amarrado em um coque que deixava suas pontas meio soltas, como um toque exótico naquela sobriedade impecável. Seus olhos eram azuis intensos, e sempre tinham um brilho compreensivo para dar aos filhos. Rafael nunca entendeu como a mãe ficara sozinha desde a morte de seu pai, há muitos anos atrás, porque ela era linda.

- Dormiu demais a tarde? – ela perguntou, deixando a maleta na cama do filho e passando a mão em seu ombro, olhando de cima os cadernos e livros do filho.

- Não. Você ficou sabendo que mudou gente para a casa da frente.

- Eu vi o caminhão de mudança nesse fim de semana.

- Então. Acontece que o garoto que mudou, o Selton, é também da minha sala! – Rafael falou, todo animado.

- Sério?! – Sueli disse, impressionada – Que coincidência.

- Não é?! Aí eu me ofereci para mostrar o bairro e tudo o mais. Com isso, fiquei à tarde quase toda fora e estou compensando agora.

- Entendi. Bem, onde está seu irmão?

- Está na casa da Carla. - disse Rafael.

- Ok. Ele deve jantar por lá, então. Você me acompanha.

- Absolutamente! Estou morrendo de fome.

- Faça uma pausa nos livros, vá lavar as mãos, enquanto eu tomo um banho rápido pra tirar esse cansaço do corpo e já desço pra gente jantar.

- Certo. Eu vou adiantando as coisas – Rafael já se levantou, empolgado em fazer a janta.

Quando ele passou do lado da mãe, ela o segurou e disse:

- Onde você está indo sem me dar um beijo?

Ele sorriu rapidamente e deu um beijo no rosto da mãe. Era estranho percebe que era do tamanho de uma pessoa que parecia tão maior do que ele. Rapidamente, ele saiu do quarto, deixando a mãe para trás, observando o quarto do filho, maravilhada.


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