sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dezenove – Hugo e Mônica

Hugo colocou a chave na porta, com um cansaço anormal nas costas. Sentiu-se o dia inteiro como um garotinho novato, no primeiro dia de escola. Aquela sensação desconfortável de não conhecer nada nem ninguém. Pra pegar um café para um cliente foi uma aventura, como entrar na barriga da baleia, para voltar depois de perder um tempo precioso. Hugo era gerente de um grande banco e, graças aos seus anos de trabalho e contatos cultivados em diversas áreas da empresa, ele conseguiu uma transferência de última hora para uma cidade de médio porte, discreta o suficiente para fugir do caos que sua vida foi em Brasília.

Quando abriu a porta, logo viu a cabeleira ruiva de sua mulher, que estava sentada em um dos sofás, com o telefone agarrado a orelha, enquanto suas mãos viravam agilmente um documento que Hugo só pode deduzir ser sua agenda de negócios e esquemas que ela mantinha sistematicamente para que nada saísse dos trilhos. A sala parecia estéril, sem os enfeites caros e finos, os porta-retratos da família ou a prataria centenária que Mônica gostava de expor.

- Eu já disse, Cibele, que nós não vamos mais negociar com esse fornecedor! Eu recebi reclamações demais no último lote que compramos! O prejuízo foi imenso.

Hugo duvidava muito que o prejuízo tivesse sido tão grande assim.

Ele nem se incomodou em dizer “oi” para a mulher. Quando ela estava no telefone gritando com sua gerente em Brasília, Mônica podia esquecer da vida. Hugo começava a achar que aquele era o meio que ela encontrara de liberar todo o stress daquela mudança súbita.

Hugo simplesmente entrou, trancando a porta atrás de si e se dirigindo para o quarto no andar de cima.

- Cibele, espere um momento – ela disse, abruptamente, ao telefone e depois se virou para o marido que se esgueirava – Não vai me dar nem boa noite?

Hugo parou e se virou para a mulher. A despeito de todos os problemas que vinham passando há alguns anos, Mônica continuava linda como quando se conheceram. Ela tinha cabelos lisos e intensamente ruivos, brilhantes como seda, e um rosto afilado, branco, que trazia em si sempre uma expressão forte. Seus olhos verdes escuros eram como facas que cortavam quem quer que mirassem. Mônica era fina, elegante, mas, diferente da maioria das dondocas e peruas que conhecia, se negava a parecer fútil. Vestia-se demonstrando sempre que tinha identidade própria.

- Não quis estragar seu happy hour. – ele disse, cansado.

- Não seja ridículo! Você acha que eu gosto de gastar rios de dinheiro com esses interurbanos absurdos?! – ela reclamou.

Hugo simplesmente levantou uma sobrancelha. Então, apontou para o telefone na mão da mulher.

- O relógio está correndo – insinuou.

Monica engoliu uma resposta ofensiva garganta abaixo; preferiu ser mais indireta.

- Parece que a mudança de ares não fez bem a você.

- A você, muito menos. Desde que chegamos aqui não vi você fazer outra coisa, senão gritar com a pobre da Cibele pelo telefone.

- Eu não estaria “gritando” com a Cibele se você não tivesse a idéia louca de mudar para um fim de mundo!

Lá estavam indo para a mesma briga que vinham tendo a dias. Era como assistir “A Lagoa Azul” na Sessão da Tarde. Hugo decidiu fazer as coisas diferentes daquela vez.

- Quer saber, eu estou cansado. Meu dia não foi fácil e estou louco por um banho. Ficar aqui brigando com você não vai resolver nada, mesmo.

- Claro, porque o meu dia foi realmente muito fácil... – Mônica ironizou, sentando-se na poltrona, pronta para voltar a falar ao telefone.

Hugo mirou a mulher, incrédulo. Chegou a pensar em porque ainda se espantava com a língua ferina da esposa? Ele respirou fundo, contando até dez, muito calmamente.

- Os meninos estão em casa? – Hugo perguntou.

- Junior já foi para a aula e Selton está lá em cima, arrumando as coisas dele. – ela respondeu secamente.

Hugo ficou decepcionado, sentindo uma pressão ainda maior sobre os ombros. Odiava ter aquelas brigas conjugais quando os filhos estavam em casa. Felizmente, as coisas não foram adiante. Subiu e foi dar um “boa noite” ao filho.

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