Guilherme dormiu mal aquela noite. Na verdade, dormia mal quase todas as noites, vigiando a mãe para que ela não tomasse remédios controlados demais e acabasse tendo uma reação química fatal dentro do corpo. Só conseguia dormir depois de se certificar que a mãe já tinha apagado sem chances de acordar no meio da noite, o que, muitas vezes, acontecia lá pelas quatro da manhã. Às vezes sentia que tinha ganhado um bebê psicótico de trinta e poucos anos, sem o prazer de ter alguém do lado para ajudar.
Sentindo os olhos arderem como se tivessem jogado areia neles, Guilherme fechou a porta calmamente para não acordar sua mãe – embora ela estivesse numa espécie de coma induzido por calmantes – e girou a chave para trancá-la. Logo que se virou para descer a escadas, seu celular começou a vibrar no bolso, junto com a música “In Loving Memory”, do Alter Bridge. Rapidamente, Guilherme tirou o aparelho do bolso e, sem nem olhar o identificador, atendeu para cessar a barulheira.
- Alô.
- Guilherme?
“Droga”, pensou.
- Bom dia, pai.
- Bom dia, filho. Você não me ligou ontem. Recebeu meu recado?
- Recebi, pai. Mas estudei a tarde inteira e acabei esquecendo.
- Sem problemas.
- Pai, eu estou atrasado pra escola.
- Eu estou de carro, quer que te dê uma carona?
- Não precisa, pai. Só preciso chegar no ponto a tempo.
- Ok. E você e sua mãe, como estão?
- Estamos bem – mentiu. Não estavam nada bem.
- Guilherme, eu sei que as coisas não vão bem pra vocês. Por que vocês não me deixam ajudar?
- Pai! – Guilherme suspirou, já se estressando às seis da matina. – O que o senhor pode fazer, já está fazendo! Eu estou cuidando da mamãe do melhor jeito possível.
Seu pai, do outro lado da linha também estava ficando sem paciência.
- Sua mãe está ficando louca. Você deveria estar se concentrando em estudar, e não tomar conta dela!
- Eu concordo, pai, mas o que eu posso fazer? Deixar a mamãe se virar sozinha, tomando cinco pílulas diferentes por dia pra tentar superar o que aconteceu?!
- Eu deveria estar aí, do lado de vocês!
- Ela não quer você aqui, pai, e nós concordamos que você aceitaria!
- Eu sei o que eu disse! Mas não achei que demoraria tanto para resolvermos essa situação.
- Nem eu, pai. Nem eu. Mas o que podemos fazer?
- Pressioná-la.
Guilherme riu, alto, mas não achara graça.
- Você quer pressionar uma mulher mentalmente abalada, com o organismo cheio de psicotrópicos a fazer o quê? Se matar?!
Seu pai ficou calado do outro lado da linha. Foi aí que soube que passara dos limites.
- Claro que não. Nem fale uma coisa dessas.
Guilherme esfregou os olhos, tentando expulsar não apenas o sono, mas o cansaço psicológico.
- Eu vou tentar falar com a mamãe, hoje, ver se alguma coisa mudou. Mas agora tenho que correr pra não me atrasar para o colégio. Tudo bem?
- Claro. Se cuide, filho.
“Eu tenho que me cuidar”, pensou.
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