sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vinte e Dois – Evitando Conversas Desagradáveis

Guilherme dormiu mal aquela noite. Na verdade, dormia mal quase todas as noites, vigiando a mãe para que ela não tomasse remédios controlados demais e acabasse tendo uma reação química fatal dentro do corpo. Só conseguia dormir depois de se certificar que a mãe já tinha apagado sem chances de acordar no meio da noite, o que, muitas vezes, acontecia lá pelas quatro da manhã. Às vezes sentia que tinha ganhado um bebê psicótico de trinta e poucos anos, sem o prazer de ter alguém do lado para ajudar.

Sentindo os olhos arderem como se tivessem jogado areia neles, Guilherme fechou a porta calmamente para não acordar sua mãe – embora ela estivesse numa espécie de coma induzido por calmantes – e girou a chave para trancá-la. Logo que se virou para descer a escadas, seu celular começou a vibrar no bolso, junto com a música “In Loving Memory”, do Alter Bridge. Rapidamente, Guilherme tirou o aparelho do bolso e, sem nem olhar o identificador, atendeu para cessar a barulheira.

- Alô.

- Guilherme?

“Droga”, pensou.

- Bom dia, pai.

- Bom dia, filho. Você não me ligou ontem. Recebeu meu recado?

- Recebi, pai. Mas estudei a tarde inteira e acabei esquecendo.

- Sem problemas.

- Pai, eu estou atrasado pra escola.

- Eu estou de carro, quer que te dê uma carona?

- Não precisa, pai. Só preciso chegar no ponto a tempo.

- Ok. E você e sua mãe, como estão?

- Estamos bem – mentiu. Não estavam nada bem.

- Guilherme, eu sei que as coisas não vão bem pra vocês. Por que vocês não me deixam ajudar?

- Pai! – Guilherme suspirou, já se estressando às seis da matina. – O que o senhor pode fazer, já está fazendo! Eu estou cuidando da mamãe do melhor jeito possível.

Seu pai, do outro lado da linha também estava ficando sem paciência.

- Sua mãe está ficando louca. Você deveria estar se concentrando em estudar, e não tomar conta dela!

- Eu concordo, pai, mas o que eu posso fazer? Deixar a mamãe se virar sozinha, tomando cinco pílulas diferentes por dia pra tentar superar o que aconteceu?!

- Eu deveria estar aí, do lado de vocês!

- Ela não quer você aqui, pai, e nós concordamos que você aceitaria!

- Eu sei o que eu disse! Mas não achei que demoraria tanto para resolvermos essa situação.

- Nem eu, pai. Nem eu. Mas o que podemos fazer?

- Pressioná-la.

Guilherme riu, alto, mas não achara graça.

- Você quer pressionar uma mulher mentalmente abalada, com o organismo cheio de psicotrópicos a fazer o quê? Se matar?!

Seu pai ficou calado do outro lado da linha. Foi aí que soube que passara dos limites.

- Claro que não. Nem fale uma coisa dessas.

Guilherme esfregou os olhos, tentando expulsar não apenas o sono, mas o cansaço psicológico.

- Eu vou tentar falar com a mamãe, hoje, ver se alguma coisa mudou. Mas agora tenho que correr pra não me atrasar para o colégio. Tudo bem?

- Claro. Se cuide, filho.

“Eu tenho que me cuidar”, pensou.

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