sexta-feira, 18 de junho de 2010

Trinta e Três – Discutindo o Indiscutível

Guilherme andava de um lado para o outro da sala, espremendo o telefone na mão. Se desse mais alguns passos abriria um buraco no chão e cairia na casa do vizinho de baixo. Desde que chegara em casa, depois da escola, que sua mãe não estava em casa. A primeira sensação foi de alívio, afinal, ela tinha saído da cama antes do meio-dia. Então, as horas se passaram e nada de Marina aparecer. Lá pelo meio da tarde, Guilherme pegou o telefone e discou o número do celular da mãe. Seu coração se espremeu quando, após segundos de silêncio, a chamada caiu na caixa postal. Tentou mais uma vez, mais uma e outra depois dessa. Respirou fundo e pensou: “Nada de ruim aconteceu. Daqui a pouco ela aparece!” Esse pensamento durou menos de quinze minutos e tornou a ligar para a mãe umas cinco vezes, todas infrutíferas. Ai começou a testar o telefone de parentes, que, graças a Deus, eram poucos. Duas tias, que nada sabiam da irmã, e a avó, cujo telefone também não foi atendido.

- Droga, mãe! Onde você está?!

Teria ela ido falar com o marido? Talvez aquela crise tivesse passado e Marina tivesse decidido reatar o casamento interrompido pela metade? Não! Não parecia provável... Se não parecia provável que a mãe teria ido encontrar o pai, deveria ligar para ele e avisar que a mãe estava sumida? Não! Ainda não, pelo menos. Só deixaria mais gente preocupada. Esperaria.

“Não aconteceu nada! Sua mãe só foi dar uma arejada na cabeça e vai voltar sã e salva, nova em folha” disse, colocando o fone na base, sem conseguir se tranqüilizar. Tomou um banho gelado, pra esfriar a cabeça. Quando estava fechando o registro do chuveiro ouviu o barulho da porta fechar. Alarmado, nem se secou, apenas pegou a toalha e a enrolou na cintura.

- Mãe! – ele gritou, ao chegar na sala.

Marina estava virando a chave na porta quando se sobressaltou com o grito do filho.

- Oi, Guilherme. O que houve, meu filho?

Seus movimentos eram lentos, quase letárgicos, como se precisasse de uma dupla confirmação para se saber onde o corpo ia. Seus cabelos ressecados estavam amarrados num rabado de cavalo mal feito. Seu rosto estava pálido e olheiras gigantes se amontoavam sob os olhos.

- “O que houve”? Onde você foi mãe?! Eu estou aqui, desde uma hora da tarde, que nem um maluco, preocupado se alguma coisa tinha acontecido com você!

- “Alguma coisa acontecido comigo”? Não seja tolo, Guilherme – Marina disse, não dando atenção à preocupação do filho.

- Você só pode estar de brincadeira?! Você mal coloca a cabeça na janela há meses, dopada com dezenas de remédios no organismo! Aí um dia, um belo dia, você resolve dar um passeio, sem avisar onde vai, quando volta!

- Eu acho que você está se esquecendo quem tem autoridade nessa casa, Guilherme.

- Não! Eu não esqueci! Mas eu tenho tomado conta de você esses meses todos! Sozinho! Virando a noite acordado pra ter certeza de que você está dormindo! Checando cada cartela de antidepressivos, cada prescrição médica pra ter certeza que você tomou as doses certas! – toda a raiva e frustração de Guilherme veio a tona, todo o peso que vinha carregando. Ele gritava, enquanto gesticulava energicamente. A expressão exasperada de Marina mudou lentamente, enquanto ouvia o desabafo do filho, transformando-se numa tristeza desoladora - Rezando a Deus, todo dia que ponho a porcaria da chave naquela porta, para que você não tenha virado uma dose de vodka com calmante enquanto eu vou para a escola!

Marina tentava, em vão, segurar as lágrimas e o aperto na garganta.

- Eu só fui na sua avó! – ela gaguejou, levando a mão à boca e encolhendo os ombros – Não posso?

- Eu liguei para vó, mãe! Ninguém atendeu!

- Nós estávamos no andar de cima – ela gemeu – Você sabe que não dá pra ouvir o telefone lá em cima.

- Você sabe a hora que chego em casa! Porque não me avisou, porque não ligou pra cá dizendo onde estava?!

- Eu não achei... eu não achei que você... – seu choro foi tão intenso que Marina nem pode terminar a frase. Apenas caiu no sofá e cobriu os olhos com a mão.

Guilherme observou a mãe, fragilizada, repensando tudo que tinha vivido nos últimos tempos ao lado dela. Ele não estava preparado para aquilo. Achou que podia lidar com os problemas da mãe sozinho, mas visivelmente não podia. Nem devia. Se lembrou, então,do que tinha prometido ao pai, mais cedo.

- Mãe... vou ligar pro pai.

- Não! – ela se levantou de súbito – Não ligue para o seu pai! Eu não quero vê-lo.

- Mãe, eu não posso lidar com isso sozinho!

- Eu não quero ver seu pai, Guilherme! – ela bradou, a tristeza se tornando cólera acusatória.

- Não foi culpa dele, mãe!

- Foi sim!

Guilherme viu a raiva mudar rapidamente para histeria. Ele correu até a mãe e segurou seus braços que começaram a lutar, chacoalhando com força de um lado para o outro.

- O pai não teve culpa no que o Lucas fez! – ele disse, agarrando-a firmemente.

- Ele tem, sim! – e a raiva virou outra vez tristeza. Ela se debulhou em lágrimas, nos braços firmes do filho, que ainda pingava água fria – Ele tem culpa, sim, filho! Ele tem! – e repetiu isso como se fosse um mantra, por horas, enquanto vertia lágrimas incessantes.

Guilherme não pôde fazer nada a não ser abraçar a mãe, ignorando o frio que sentia, a frustração, o sentimento controverso de pena. E até mesmo de culpa. Não devia ter sido tão duro com a mãe, sabendo o que ela vinha passando, o estado em que se encontrava. Devia ter ficado feliz por ela encontrar ânimo para sair da cama, sair de casa, visitar a mãe, o que não fazia há muito tempo.

De uma coisa Guilherme tinha certeza. Toda aquela situação estava muito além do seu controle.

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