sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dez – Ousadia

Rafael ainda estava com aquele mico na cabeça, quando a aula tinha acabado. “O que ele deve estar pensando de mim? No mínimo, maluco! No mínimo”

Mal o sinal tocou e uma massa de adolescentes apressados inundou os corredores do prédio e centenas de conversas encheram a atmosfera.

- Vamos logo, Ana! – Rafael apressou a amiga.

- Calma, Rafa. – ela respondeu, tentando não rolar rua abaixo, entre degraus mal feitos e centenas de pessoas.

- A gente vai perder o ônibus! – pura mentira. Tudo que Rafael queria era estar a caminho de casa antes que pudesse topar com Selton outra vez. Até agora estava constrangido. Desde que saíra da sala, não vira o novato.

- Você está agindo estranho o dia inteiro, Rafa!

Antes que Ana pudesse acrescentar mais alguma coisa, Rafael disse:

- Só não quero perder o ônibus.

Os dois desceram a rua íngreme, deixando a procissão de alunos para trás.

Logo, estavam no Parque Halfeld, talvez o ponto mais conhecido da cidade. Um lugar com altas árvores, um fonte d’água, parquinho, mesas de xadrez, sorveteiros e uma feirinha de artesanato. E, claro, pessoas; muitas pessoas correndo na hora do rush, por entre alamedas de pedrinhas portuguesas e pombos. Na mesma rua, porém do outro lado, havia o prédio da câmara municipal, sobreposto por prédios cinco vezes mais altos.

Atravessaram a avenida, evitando os pedestre que atravessavam na direção contrária, até chegarem ao ponto, entupido de gente. Rafael torcia para o ônibus chegar logo, pois, além de não querer correr o risco de encontrar com Selton, o barulho dos carros, o sol do meio-dia e a pessoas amontoadas no ponto, lhe causaria dor de cabeça. Sem contar a fome...

Rafael estava tão ansioso que mal cumprimentava os conhecidos que passavam por ele e nem falava com Ana, que apenas o observava.

Alguns minutos depois, e dezenas de ônibus de linhas que não serviam, veio um que os deixava praticamente na porta de casa. Tão logo o ônibus encostou, uma multidão se aglomerou na porta de embarque. Sorte de Ana e Rafael que a porta ficou bem na frente deles. Depois de pagarem o cobrador e passarem pela roleta, Ana e Rafael se acomodaram nos últimos acentos enquanto o resto do ônibus se enchia.

Rafael suspirou aliviado. Em pelo menos vinte minutos estaria em casa, longe da tentação problemática que estava sentindo por Selton. Olhou pela janela, para o céu azul.

Afinal de contas, o que dera nele. Não conseguia responder a essa simples pergunta. Por que estava agindo como um maluco? Por que estava com tanto medo de simplesmente falar com o garoto. Era ridículo!

E tinha que admitir: Selton era bonito. Alto, esguio, moreno. Bonito de uma forma completamente heterossexual! Porque um cara não podia achar outro bonito? “Qual o problema nisso?”, pensou, racionalizando. “E todo esse fascínio?... Deve ser porque ele é novato. Só pode...”

Então, ele relaxou. Decidiu que na primeira oportunidade que aparecesse, falaria com Selton pra quebrar aquela estranheza. Com sorte, o encanto se quebraria.

- Ei! Rafa! Olha! – Ana o chamou, animada.

Rafael se assustou ao ser puxado de seus devaneios. Confuso, ele olhou para onde a amiga apontou e seu coração acelerou.

- Sem chance... – balbuciou, incrédulo.

Selton estava entregando o dinheiro para o trocador e passando pela roleta quando Rafael o vira. Congelara naquele momento. “O que ele está fazendo aqui?”

Ana acenou para Selton e ele respondeu com sorriso.

- Senta aqui com a gente. – ainda havia um lugar ao lado de Rafael, que olhou para ela, como quem diz: “NÃO!”

- Vou lá pra frente – ele disse apontando, meio constrangido. E assim o fez: foi para a frente do ônibus, onde não havia mais nenhuma lugar vazio para sentar e teve que ficar em pé.

- Isso foi estranho, não foi? – Ana disse, achando o comportamento o de Selton confuso.

- Talvez ele vá descer logo e não quer ter problemas para passar pelo ônibus lotado. – Rafael não pode dizer se estava apenas criando uma hipótese ou desejando que estivesse certo. E se Selton morasse perto da sua casa?...

- Talvez seja isso – Ana concordou.

Os dois amigos ainda conversaram banalidade durante a viagem que durou uns quinze minutos, até esquecerem de Selton.

- Aqui tem como você me ajudar com matemática?

- Tudo bem, a gente marca um dia lá na sua casa.

- Ok. Meu ponto. Deixe-me ir. – Rafael disse, se levantando e se despedindo de Ana – A manha a gente combina.

- Me liga mais tarde. – ela ainda gritou.

- Pode deixar. – ele se virou para trás para responder, quando tornou a olhar para frente, viu Selton se levantando.

“Ele ainda está no ônibus? E vai descer no mesmo ponto que eu?” Rafael ficou pasmo. Isso significava que Selton, alem de colega de sala, ainda moravam no mesmo bairro! Chegou a pensar por um momento que talvez fosse por isso que se sentia ta interessado pelo garoto. Talvez fosse o destino lhe trazendo alguém especial... “Não seja estúpido!”

Selton, se quer, olhou para trás. Desceu do ônibus e saltou para a claridade ofuscante do começo da tarde, ajeitou a mochila nas costas e tomou seu caminho. Quando Rafael desceu do último degrau e o ônibus o deixou para trás, ele gritou:


Nenhum comentário:

Postar um comentário