sexta-feira, 18 de junho de 2010

Doze – Do Irmão

Guilherme abriu a porta do pequeno apartamento, onde morava com a mãe, no centro da cidade. Era um apartamento de dois quartos, cozinha, sala e banheiro. Todos cômodos pequenos, dando a impressão de que os móveis estavam amontoados uns sobre os outros.

- Cheguei! – gritou, mais desanimado do que, de fato, cansado. Embora o apartamento fosse pequeno, parecia estranhamente grande e vazio para Guilherme – Mãe! – tentou outra vez, mas não houve resposta.

Ele suspirou, desejando que naquela tarde tivesse alguma novidade, alguma mudança na sua habitual rotina, embora duvidasse muito.

Deixou a mochila no sofá da sala e, com não mais do que uns dez passos, cruzou o apartamento pelo corredor, passando pelas portas do banheiro e do seu próprio quarto. Receoso do que fosse encontrar.

No quarto maior, as cortinas ainda estavam fechadas e um ar abafado tomava conta da atmosfera. Na cama de casal, uma mulher dormia profundamente, os longos cabelos negros espalhados pelo travesseiro. Na cabeceira da cama, havia vários frascos de relaxantes naturais vazios, dezenas de cartelas de Diazepan esgotadas e dois fracos de anti-depressivos tarja preta. Guilherme esfregou o rosto agoniado, mas pensou que deveria agradecer por não ter uma garrafa de vodka ali também.

Guilherme balançou a cabeça, em reprovação, mas a deixou dormir. Virou-se e foi ao banheiro lavar as mãos, pensando amargurado, no que a mãe estava fazendo com a própria vida. Infelizmente, ele não podia fazer muita coisa, a não ser cuidar dela e de si mesmo.

Cruzou o corredor, no outro, extremo, na minúscula cozinha. Na bancada do armário, a secretária eletrônica piscava avisando que tinha mensagens ainda não vistas. Guilherme apertou o play e uma voz masculina soou.

- Alô? Marina? Atende o telefone, se estiver por aí. – o homem fez uma pausa, esperando por alguma resposta, mas, obviamente, ninguém o atendeu. – Guilherme, quando chegar da escola, me liga, por favor. A qualquer hora, sabe disse, não é! Amo vocês. Beijos – e então a gravação acabou.

Guilherme batucou na bancada com os dedos, pensando o que faria. Decidiu que responderia a mensagem do pai mais tarde. Abriu a geladeira, verificou o que tinha em algumas panelas para o almoço. Com uma colher, tirou um pouco do arroz gelado e jogou uma frigideira, já no fogo. Enquanto o arroz estalava ao calor, Guilherme tirou dois ovos brancos e rachou suas cascas na beirada da panela e despejou a clara e as gemas por cima do arroz. Antes que os ovos se solidificassem, Guilherme rapidamente pegou um tapeware cheio de cebolinha no congelador. Embora endurecida, o garoto pegou um punhado da hortaliça já picada e jogou na mistura que esquentava na frigideira. Em outra panela havia lingüiça frita do jantar da noite anterior. Sem pensar, picou-a e adicionou ao almoço. Com uma colher, terminou de misturar o mexido, ao terminar, desligou o fogo e se serviu.

Deu as primeiras garfadas enquanto ia para o quarto. O cômodo tinha um guarda-roupas de duas portas, uma cama embaixo da janela e uma escrivaninha dobrável parafusada na parede, cheia de livros e apostilas escritas “Curso Preparatório para o ITA”. Deixou o prato na escrivaninha, ajeitou-se na cadeira e puxou uma das apostilas. Ao puxá-las, revelou um pedaço de papel. Guilherme o esqueceu ali na escrivaninha na noite anterior.

Pegou-o para guardar, porque não queria que a mãe o achasse, mas antes, deu uma olhada no papel. Era uma carta do irmão, escrito a tinta preta em papel pautado. Uma letra fina e elegante, manchada por várias lágrimas, que no fim dizia apenas “me desculpe”.

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