sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vinte e Três – Encontrando no Portão

Rafael tinha o hábito de esperar a mãe tirar o carro no portão de casa, talvez por causa de sua ansiedade natural. E lá estava ele, olhando para aquele céu nublado, a rua deserta e silenciosa. A brisa fria dava uma sensação vaga de paz.

Mas um barulho perturbou aquela paz. Alguém estava abrindo a porta de casa, e, no silêncio da manhã, parecia ensurdecedor. Rafael olhou para os lados, procurando o vizinho que estava saindo àquela hora da manhã. Sentiu seu coração gelar quando percebeu que quem estava saindo era Selton, com seu boné verde escuro e a mochila surrada. Logo, seus olhares se cruzaram e Selton deu um sorriso simpático, junto com um aceno. Rafael respondeu, sorrindo também, embora o seu fosse mais de felicidade do que pura educação. Assim que vira Selton, sentira seu corpo esquentar levemente, mas, de repente, quando o vizinho começou a atravessar a rua, a sensação foi a contrária; bruscamente, seu corpo congelou. “Não!”

- E aí, cara. Bom dia! – Selton disse, estendendo a mão.

Rafael ainda estava meio assustado com a presença de Selton tão perto dele quando estendeu sua mãe em resposta.

- Bom dia – quando se tocaram, Rafael sentiu algo estranho – Mão gelada.

Selton ficou desconcertado, e Rafael se arrependeu de ter feito o comentário.

- Eh! Acabei de lavar a mão. Já está saindo, cara?

- Minha mãe saí cedo pro escritório, aí ela me dá carona.

- Saquei. Bem, pai bancário e mãe empresária, não ganho carona... vou de ônibus mesmo.

- Minha mãe já está quase saindo. Quer vir de carona com a gente? – “Aceita! Por favor!”

Selton hesitou.

- Não vai ser muito incômodo, não, cara?

- Nada! Ela tem que me levar lá de qualquer forma.

- Beleza. Valeu mesmo. Economizo tempo e dinheiro – Selton pareceu realmente satisfeito com a possibilidade de ir de carro para escola. – Sua mãe faz o quê? Executiva?

- Não. Advogada. Ela trabalha no escritório do meu avô.

- Legal! E você? Vai seguir a carreira da família?

- Não! Eu não levo jeito para isso, não. Talvez faça matemática ou engenharia civil. Ainda estou pensando.

- Seu avô deve ter ficado desapontado.

- Nem me fale. A família toda é de advogados.

Outro portão começou a se abrir, mas esse Rafael já estava bem familiarizado. Era o barulho suave do portão da garagem, que foi abafado pelo som do motor do carro da mãe.

Rapidamente, os dois entraram no carro, Rafael no banco do carona e Selton no banco traseiro.

- Mãe, esse é o Selton, de quem te falei. Lembra?

- Claro que lembro! Você não falou de outra coisa no jantar.

- Mãe! – Rafael começou a se arrepender de ter sido amigável e convidado Selton para irem juntos.

- Prazer, Sueli. Também conhecida como mãe.

- Oi, prazer.

Os dois começaram a conversar sobre a mudança de Selton para Juiz de Fora, e ele tentou explicar o que os pais faziam. Rafael não tentou prestar atenção, pensando o que Selton teria achado depois que sua mãe deu com a língua nos dentes e dissera que o novato fora assunto recorrente na noite anterior.

O tráfego naquela hora, como em qualquer cidade, beirava o caótico; carros, ônibus e motos circulavam por todos os lados. Um percurso que num horário mais tranqüilo não demoraria nem dez minutos, Sueli fazia em vinte. A mãe de Rafael virou uma esquina de uma rua secundária e entrou na rua que passava por trás do colégio do filho. Era um percurso mais complicado, mas o poupava de subir o inclemente morro. Quando chegaram na esquina da escola, ela parou rapidamente aproveitando o sinal vermelho.

- Meninos, boa aula.

- Obrigado, mãe. – Rafael se inclinou, já com a mão na trava da porta, e deu um beijo no rosto da mãe.

- Obrigado pela carona e prazer conhecer a senhora.

- Senhora está no céu, Selton. – ela disse, com uma voz séria. Nada a irritava mais do que os outros a chamarem de “senhora”, “dona”; “tia” era o fim do mundo!

Os garotos saíram do carro e atravessaram a rua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário