sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vinte e Quatro – Inconveniente

Rafael entrou na sala, junto com Selton, enquanto conversavam alguma coisa sobre subir morro, caronas e como Juiz de Fora era diferente de Brasília e coisas assim. A sala ainda estava relativamente vazia, os alunos não chegavam antes de dois minutos para começar a aula (alguns só chegavam quinze minutos depois que ela já tinha começado). Rafael cumprimentou quem estava na sala e Selton, ainda intimidado pelas novas pessoas, apenas acenou com a cabeça e se sentou na carteira ao lado de onde Rafael tinha jogado sua mochila.

Logo depois, Ana tinha chegado, com sua bolsa gigante com o desenho de uma menininha sorridente e seu fichário nos braços.

- Bom dia, Rafa – ela disse. Era evidente que ainda estava com sono. Ela deixou o fichário numa carteira e a bolsa e foi abraçar o amigo e o beijou no rosto.

- Bom dia – ele respondeu.

- E aí, Selton? – ela deu um sorriso.

Ele respondeu com um aceno.

- Você acredita que o Selton mora, praticamente em frente a minha casa? – Rafael comentou animado.

- Sério?! – ela ficou surpresa – Eu vi você descendo do ônibus, mas não imaginei que fosse assim tão perto.

- Não é?! Coincidência louca!

- O bom é que hoje eu economizei o dinheiro do ônibus.

- Dona Sueli te deu carona, hoje? – Ana perguntou.

- Se ela te ouve falar assim, ela te mata. – Rafael disse - Vou ali beber água e já volto – E saiu, deixando Selton conversando com Ana.

Os corredores do colégio começavam a se encher, a medida que a manhã avançava.

Fora pelos colegas de turma, e alguns com quem já estudara em séries anteriores, ele não conhecia muita gente no colégio. Andava geralmente de cabeça baixa, olhando, raramente, para algum ou outro garoto que achasse bonito – e não eram poucos.

Mas naquela manhã, não achou graça em ninguém. Olhou para uns caras que antes o deixavam maluco e, agora, pareciam tão normais quanto os outros. Claro que continuavam bonitos, mas não mexiam mais com ele. “Graças a Deus”, pensou. “Talvez essa história de gostar de garotos esteja acabando...”

Ele pressionou o botão do bebedouro e a água esguichou pro alto. Rafael bebericou, molhando os lábios e sorvendo o líquido demasiadamente gelado para aquela hora da manhã. Quando a água chegou na garganta, sentiu-a contrair e doer. Rafael recuperou o fôlego e se debruçou para tomar outro gole, quando levou um susto.

- Já apresentou a sogra pro namoradinho, Rafa?

Guilherme tinha surgido de lugar nenhum, era quase como se tivesse a habilidade de se teletransportar ou se materializar no ar. Ele se encostou na parede, sorrindo para Rafael com escárnio. Embora seu olhar permanecia com aquele brilho perspicaz, Rafael não pôde ignorar as profundas olheiras.

- Ficou maluco, foi?!

- Eu vi o Selton descendo do carro da sua mãe com você, Rafa. O garoto chegou ontem na escola e você já cruzou a cidade pra dar carona pra ele? Interessante...

- Ele veio de carona porque é meu vizinho. Só isso!

- “Vizinho”? – Guilherme se espantou – Vizinho mesmo?

Rafael percebeu que não fora a atitude mais sensata revelar a coincidência a Guilherme. Mirou-o com um olhar débil e disse:

- Ele se mudou para o outro lado da rua.

Guilherme o fitou por alguns segundos, em silêncio, até que levantou as sobrancelhas, impressionado.

- Deve ser o destino... – disse, com um tom misterioso.

- Ele é só meu amigo! – Rafael disse, revoltado.

Mas Guilherme nem ligou. Sem mais nem menos saiu andando com a mão no bolso e a mochila no ombro, como se nem tivesse parado pra infernizar Rafael.

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