sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cinco - O Novato

Já era hora do intervalo e Rafael saia do balcão tumultuado da cantina, se espremendo entre adolescente esfomeados, com seu refrigerante na mão. Quando, de repente:

- Aí está você! – gritou Ana, uma garota realmente bonita, de pele morena, cabelos escuros e lisos e um corpo que muitas garotas invejavam. Não fazia o tipo “mulherão”, mas chamava a atenção com sua cintura fina, curvas sinuosas e um charme singular. E Ana sempre gostou de usar roupas justas – nunca vulgares – o que realçava ainda mais seu corpo. Tanta beleza fazia Rafael se perguntar: por que não se sentia atraídos por Ana como outros garotos?

Ana era a melhor amiga de Rafael há muitos anos; moravam no mesmo bairro estudavam juntos desde a quinta série. Faziam quase tudo juntos, motivo pelo qual as pessoas comentavam que havia uma história mal resolvida entre os dois. Não importava quantas vezes Rafael repetisse que ele e Ana eram apenas amigos, as pessoas nunca acreditavam. Se, por um lado as inverdades o incomodavam, por outro até eram úteis, porque era melhor que comentassem que tinha um “rolo” com uma garota.

- Aceita? – Rafael ofereceu refrigerante.

- Não, obrigada.

- Então, me conta como foi lá na sua avó.

Os dois sentaram em uma mesa que havia ali no pátio, onde geralmente faziam lanche.

A alegria de Ana tinha se esvaído em meio ao tédio de relembrar das reuniões de família que a avó insistia em manter como uma tradição quase religiosa.

- Júlio? – Rafael chutou. Júlio era um primo indiscreto de Ana, que a assediava a beira da perseguição. O corpo perfeitamente esculpido, o rosto latino e o olhar intenso o tornaram uma “máquina de sedução” – palavras de Ana – e tanto sucesso com as mulheres subiu-lhe a cabeça e o deixou prepotente e arrogante. A única que nunca caíra na sua tentadora lábia era Ana que, graças a isso, agora representava uma espécie de troféu a ser conquistado para ele.

- Quase o empurrei da escada da minha vó! – e desatou a rir – Ele veio pra cima de mim todo se achando, como sempre. Só que ele deu o azar de fazer isso quando saí do banheiro da suíte, porque o de baixo estava ocupado. O idiota achou que, como o andar de cima estaria vazio, seria mais fácil me convencer a ficar com ele. Quando ele me encontrou, estávamos perto da escada; ai fiz um charme, como quem diz “quem sabe” e fui empurrando ele de mansinho pra trás, até que ele deu um passo em falso no degrau.

Rafael sorriu imaginando a cena.

- Rafa, você tinha que ter visto! O Júlio pálido, parecia uma vela! Sorte que ele foi mais rápido e se agarrou no corrimão, se não, tinha rolado escada a baixo.

- Teria sido um tombo feio. – Rafael comentou, achando que aquilo seria um pouco demais até mesmo para o chato do Júlio.

- Ah, Rafa! Ele não me deixava em paz! Depois dessa, ele fugiu de mim a festa inteira.

- Até eu!

- E você? O que fez nesse fim de semana?

Rafael pareceu desanimado.

- Minha mãe fez eu e o Alex visitar o tumulo do meu pai.

Ana ficou séria.

- Era aniversário dele nesse domingo, não foi?

- Era.

- Sinto muito, Rafa – ela disse, solidária a dor do amigo.

- Não sinta. Não é como se fosse tão importante, mais. Quero dizer, já faz muito tempo...

- Claro que é importante! – Ana disse – É seu pai, oras!

Ana estava certa. Claro que era importante. Mas o pai morrera quando ele era novo demais para guardar alguma memória nítida. Às vezes achava que, se não fosse pelas fotos que a mãe guardava, não se lembraria do rosto do pai.

Rafael suspirou, tentando afastar aquele sentimento pesado no peito. Tomou o último gole do seu refrigerante, quando, de repente, alguém sentou-se ao seu lado.

- Vocês já viram o novato? – Débora disse.

Ana e Rafael ficaram espantados com a empolgação dela.

Rafael tinha suas reservas em relação a Débora. O jeito extrovertido, quase oferecido da garota o incomodava, mas não podia negar que ela era, ao menos, autentica, segura de si. Talvez fosse isso que o incomodava tanto.

- Não vi ninguém diferente hoje. – Rafael disse.

- Nem eu.

- Ali ele – Débora apontou para um garoto que saia do balcão da cantina com uma garrafa de guaraná nas mãos.

Rafael estremeceu de cima a baixo. O tal garoto era magro, mas uns dez centímetros mais alto do que Rafael; pele morena e boné verde escuro no topo da cabeça. Olhos negros e assustados. Tinha um rosto bonito, com traços compridos. Rafael tinha o olhar fixo no garoto que, contra todas as expectativas, não poderia parecer ser mais normal. Sem bíceps trabalhados ou peitoral definido. Era um cara como outro qualquer e, no entanto, Rafael não conseguia desviar a atenção – e nem queria.


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