sexta-feira, 18 de junho de 2010

Catorze – Júnior

Selton já tinha almoçado e tinha subido para o quarto, terminar de arrumar suas coisas que ainda estavam fora do lugar.

Mudar, afinal de contas, não tinha sido tão ruim. A casa que moravam em Brasília era grande demais e já começava a pesar no orçamento dos pais. Mesmo que fossem bem remunerados, gastos excessivos acabavam com qualquer cifra no fim do mês. Ali, em Juiz de Fora morava numa casa não tão grande, mas pelo menos era mais barata, embora, falta de dinheiro não fosse motivo para terem se mudado de Brasília. Outros problemas eram definitivamente mais urgentes para a família dos Amorim.

Abriu uma caixa de papelão escrito “roupas” e foi tirando camisas, bermudas, calças e afins; foi desdobrando-as, ajeitando-as nos cabides e colocando-as no guarda-roupas. De roupa ele não poda reclamar, tinha dezenas e mais dezenas.

Já estava entediado quando o irmão havia entrado no quarto.

- E aí, doido. – Júnior falou.

Ao contrário de Selton, Júnior tinha a pele bem clara e os cabelos e barbas castanhos claros, era mais alto que o irmão e mais magro. Praticamente ninguém dizia que os dois eram irmãos. À medida que Selton crescia e a discrepância entre os irmãos se tornava cada vez mais gritante, as pessoas começaram a comentar que não eram filhos do mesmo pai. Quem era o bastardo, ninguém sabia, porque Junior tinha nascido apenas alguns meses depois dos pais se casarem, mas, por ter nascido numa fase conturbada do casal, as suspeitas também caíram sobre Selton. O impasse foi resolvido quando o avô paterno dos meninos, um político extremamente influente e conservador, teve que tirar a prova dos nove em defesa da honra do filho e da família. Sob protestos do filho e da nora, o avô exigiu um teste de paternidade. Surpreendentemente, tanto Selton quanto Júnior eram filhos do mesmo pai.

Júnior geralmente usava roupas largas, por mais que a mãe o incomodasse para andar na linha. Junior nem sempre tivera aquela aparência mal-cuidada. Selton se lembrava de quando estavam entrando na adolescência, ele com onze e o irmão com uns quinze anos, Júnior ainda tinha um sorriso claro, cachos grandes e lustrosos e bochechas rechonchudas. Agora, era como se houvesse apenas uma sombra da beleza que o irmão tivera.

- Fala – Selton disse – Dona Mônica está aí?

- Nada! Está vendo como andam as “paradas” da loja e tals...

A mãe de Selton era dona de uma rede de lojas de grife em Brasília, mas como tinham se mudado praticamente às pressas de lá, ela não teve tempo de planejar abrir uma filial numa “cidadezinha qualquer” – palavras da própria. Então, passara a maior parte dos últimos dois dias esbravejando ao celular para sua gerente geral em Brasília para ter certeza de que ela não estava destruindo suas lojas. Agora estava procurando algum imóvel comercial para alugar e abrir uma filial. Selton sabia que aquela jornada poderia durar meses.

- Você não tinha que ir para a aula? – Selton disse, indiferente, enquanto ajeitava suas gavetas.

Júnior ficou impaciente:

- Você também não, né, brow?! Não vai fica com as mesmas paranóias da Dona Mônica!

- Cara, não abusa mais da sua sorte!

- Eu sei! Relaxa... é só a noite. – ele disse, largando-se na cama. – Você? Como foi seu primeiro dia na escolinha de playboy?

- Foi legal. A galera é gente fina. Os professores são legais.

- Aham! E eu quero saber de professores... – Júnior desdenhou – As gatinhas, mano! Alguma gostosa?

Selton se lembrou de alguém e sorriu, sonhador, sem nem notar (embora não pudesse chamar propriamente de “gostosa”).

- Epa, epa, epa! – Junior disse.

- O que foi?

- Eu conheço esse olhar de peixe morto! E faz muito tempo que não o vejo!

- Como assim? Do que você está falando?

- Esse olhar todo bobo que você fez aí agora! Quem é a gostosa?

Selton ainda não entendeu do que o irmão estava falando, mas tinha que responder alguma coisa e rápido.

- Débora.

Júnior era mesmo tão distraído que nem notara a mentira.

- Hmm! Gostei! Vai fundo, cara!

- Quem me dera.

- Cara, você era o maior pegador de Brasília! Porque nessa roça ia ser diferente?

- As coisas são diferentes aqui.

- Ok! Me fala daqui a uma semana isso de novo! – ele nem fez uma pausa pra mudar de assunto! – Além dessa Débora aí, tem mais alguma gatinha?

Selton olhou para Júnior com uma expressão, no mínimo cômica. Era fato que Júnior tinha poucas coisas em mente, e mulher parecia ser uma delas.

- Cria vergonha nessa, cara!

- Qual é, mano! Vai ficar me tirando?

- Aqui, eu estou quase terminando aqui e devo dar uma volta, aproveitar que está quente. Já ouvi falar que por aqui, isso é raro.

- Vai onde?

- Dar uma volta, conhecer um pouco o lugar.

- Posso ir junto? – Júnior perguntou.

- Não! Dona Mônica falou que você só saí de casa para ir pra aula.

- Que isso, mano! Desde quando você virou lacaio da Dona Mônica!

Selton se virou sério para o irmão.

- Desde que a gente se mudou por sua causa! Por isso, meu caro, é melhor você ficar na linha!

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