terça-feira, 22 de junho de 2010

Quinze – Climão

A partida já estava quase acabando, quando ocorreria a troca de jogadores no time adversário. Como tinha ido mais gente do que o suficiente para fechar um time, os que restaram ficaram aguardando o fim da partida e substituiriam alguns no time que perdesse. Parecia bem claro que Selton continuaria jogando, com o restante de seu time.

Faltando poucos minutos para o fim do jogo, Rafael viu um dos colegas de turma acenar para a entrada da quadra, lá no canto, cumprimentando alguém. A curiosidade é, sem dúvida, um dos impulsos mais fortes de uma pessoa. Rafael, junto com Ana e Débora, olhara para a direção que garoto havia acenado e seu estômago se contraiu. Era Guilherme que havia chegado. Assim como no começo daquela manhã, sentira alívio ao perceber que Guilherme era figura ausente, mas se viu enganado pela esperança de ter alguns momentos de paz.

Guilherme acenou para o colega meio desanimado e vinha a passos calmos por perto da arquibancada de cimento. Quando levantou os olhos e viu Ana, Débora e Rafael sentando, se animou, acelerou o passo e veio cumprimentá-los. Rafael fechou a cara no mesmo instante, Débora sorriu com a simpatia de sempre, e Ana, embora um pouco fria, foi educada.

- E aí, gente! – Guilherme disse. Rafael quase podia jurar que ele não era um verdadeiro pé-no-saco.

- Ei, Gui – Débora chegou a se levantar e abraçar Guilherme, dando um selinho no rosto do garoto. Ana, porém, só sorriu e acenou com a mão. Rafael, impaciente, se limitou a levantar a sobrancelha, apenas pra reconhecer a presença dele.

- Quando vocês pretendem se reunir para fazer o trabalho? – Guilherme perguntou, sério.

Não havia sarcasmo, não havia escárnio, não intenção deliberada de irritar ninguém. Quem não conhecesse Guilherme, poderia jurar que ele era uma pessoa normal. Mas era assim que ele ficava perto de Ana, como se transformasse um pitbull em poodle; um tigre em gatinho de colo. Pura simulação! E Ana sabia disso, por isso detestava tanto Guilherme.

- A gente ainda não marcou – Ana respondeu – Talvez esse fim de semana, porque é muito exercício e pouco tempo pra terminar.

Guilherme concordou:

- Vão fazer onde?

Foi a vez de Débora se intrometer:

- O Selton não mora lá perto de vocês? Podíamos fazer na casa dele! – a garota sugeriu, demasiadamente animada.

“Tudo que eu precisava agora era Guilherme e Débora na mesma conversa”, Rafael pensou.

- Ele mudou tem menos de uma semana! As coisas ainda devem estar confusas por lá. – Guilherme interveio, quase que imediatamente - Por que não fazemos na casa do Rafael?

Rafael arregalou os olhos, alarmado. Guilherme estava fazendo um esforço titânico para entrar em sua vida pessoal. Agora queria entrar na sua casa?! Tudo tinha limite.

- E por que não na casa da Ana.

Quando ele verbalizou seus pensamentos é que parou pra refletir na besteira que tinha dito. Ana e Guilherme ficaram meio constrangidos. Até a animação de Débora foi dar uma volta.

- Eu e Ana temos nossas diferenças – ele disse – E eu sei já pedi demais entrando no grupo de vocês. Eu vou trocar de roupa. Se vocês decidirem alguma coisa, me avisem.

- OK – Débora, sem graça.

Guilherme ajeitou a mochila nas costas e se afastou, em direção ao vestiário. Quando ele já estava longe, Rafael disse:

- Desculpa, Ana!

- Não esquenta, não, Rafa! Eu já estava me preparando pra momentos como esse.

- É, mas não precisava ser eu que ia te fazer passar por isso, né.

- Ana, qual é o seu problema com o Guilherme? – Débora perguntou - Ele tão gatinho, e dá pra ver que ele gosta de você.

- É dá pra ver porque ele já deixou isso bem claro! – Ana respondeu – Só que eu não quero nada com ele. Ele é estranho, parece que esta sempre escondendo alguma coisa, sei lá...

- Já que você o acha tão bonito assim, porque não fica com ele? – Rafael sugeriu. “Aproveita e larga o pé do Selton!”.

- Olha, se fosse em outros tempos, eu até consideraria... Hoje, eu já estou com minhas metas traçadas – ela disse, com o olhar cravado em Selton, em campo, pedindo um passe.

Rafael quase voou no pescoço da garota. Teve que se controlar muito para não atacá-la ali mesmo.

Catorze – Jogo

A gritaria enchia a quadra, o barulho da bola sendo chutada para todos os lados, e até mesmo o barulho da rua entrava pelos grandes vasculhantes. Rafael nunca teria chegado naquele lugar se não estivesse acompanhado de Ana e Selton. Pra ser sincero, só Ana sabia chegar lá. Não que fosse longe de tudo, num buraco desconhecido. Ficava bem ali, no centro da cidade, numa rua secundária, que Rafael já passara milhares de vezes, mas nunca tinha visto um pequeno clube ali. Um dos garotos era sócio e ficava fácil alugar a quadra para umas partidas de vez em quando.

Rafael não sabia o que estava fazendo ali. Começava a pensar que tinha ido longe demais, tudo por causa de puros ciúmes. Ele não entendia bulhufas do que se passava na quadra e, pior que isso, não se interessava muito. Não podia negar que ver aqueles garotos correndo de um lado para o outro, suados, com as camisas colando nos corpos provocava-lhe uma explosão de hormônios. Principalmente Selton, porque dedicava uma atenção especial. Mas futebol não era apenas homem. “Se fosse ‘com camisas’ contra ‘sem camisas’, talvez me interessasse mais...”, pensou consigo mesmo. O clube disponibilizava coletes folgados de cores diferentes para distinguir os times.

Ana e Débora por outro lado pareciam entender bem o que estavam assistindo, e, ao contrário de Rafael, não se ligavam apenas para os garotos. Cada gol que saia as duas vibravam, riam e comemoravam. Rafael ficou intrigado com tamanha comoção, pra dizer pouco.

Mesmo não achando graça nenhuma em assistir ao jogo, e mesmo sem entender patavinas, ficou impressionado com a habilidade de Selton. Ele não estava brincando quando disse que mostraria seus “dribles”. Selton podia ser magro em comparação aos companheiros em quadra, mas era definitivamente o mais rápido e mais ágil. No começo da partida, os passes eram feitos mais entre os colegas que já se conheciam, até que, no primeiro lance mais emocionante, em que o time adversário veio com tudo, dando passes rápidos e certeiros, furando a defesa, Selton apareceu praticamente do nada, num único pique e interceptou a bola. Quase em seguida, apareceu alguém em sua frente, querendo tomar a posse da bola, mas ele deu um chapéu, ajeitou-a no ombro e continuou a investida. Os outros jogadores riram do drible, impressionados. Selton não parou por aí. Continuou a investida, sozinho, sem olhar pra lado nenhum. Outro jogador obstruiu seu caminho em direção ao gol, mas foi rapidamente deixado pra trás, quando Selton deu um toquinho mais forte com o pé, mandando a bola mais a frente e correndo pelo outro lado. Outra salva de gritos e risos, ainda mais chocados com a habilidade do novato.

Frustrados, os adversários do outro time marcaram Selton, que já estava muito perto da área. Vieram dois de uma só vez. O primeiro tentou agarrar o colete de Selton quando passou por ele, mas foi em vão. Com força, Selton se soltou e no segundo, fez que chutaria a bola para um lado, mas a trouxe pro outro, passando também pelo segundo.

Então, sobrou só ele e o goleiro. Não por muito tempo. Num último esforço de impedir o gol, o goleiro deu um passo à frente e abriu os braços, preparando-se para agarrar a bola. Selton chutou, meio de lado, já quase no final da quadra, num ângulo que parecia impossível de se acerta, ainda mais com um goleiro de um e oitenta no caminho. Ou pelo menos fez que chutou. Rápido de raciocínio, Selton percebeu que o goleiro se preparara pra pular, quando encheu a perna de força. No último instante, Selton segurou a força e mudou a posição do pé, fazendo a bola viajar rasteira. O goleiro não teve tempo desfazer a confusão e quando se levantou, todo mundo já estava comemorando o golasso de Selton.

Até mesmo Rafael ficou embasbacado. Os companheiros de time não fizeram nada até a conclusão da jogada, sem sequer saírem do lugar, pra depois explodirem de comemoração. Até os jogadores do time adversário aplaudiram.

A partir daquele lance, Selton passou de mero intruso a artista principal. Foi responsável pela maioria dos gols e aqueles que não fez, tinha armado. Mesmo sem estar entrosado com o restante do time, ele fazia jogadas confiantes, quase sempre certas, interceptava passes quase impossíveis, dava arrancadas impressionantes, e tocava a bola para os outros jogadores com precisão absoluta. Selton era um jogador excepcional.

Treze – Chuteiras

Selton revirou tudo! Sapateiro, gaveta de meias, debaixo da cama, no cesto de roupa suja, máquina de lavar... Mas não achou seu par de chuteiras em lugar nenhum. E já estava se atrasando. Sua mochila já estava pronta: toalha, sabonete, calção e uma antiga camisa do São Paulo. Só faltavam mesmo as chuteiras, que ele não encontrara em lugar nenhum.

- Brow! – Selton gritou, enquanto subia as escadas correndo – Você viu minhas chuteiras?

Ninguém respondeu.

Selton correu na porta do quarto do irmão e abriu com tudo. Selton teve a sensação de que do jeito que as caixas de mudança chegaram, elas ficaram. Elas se empilhavam pelos cantos, cobertas por algumas roupas usadas. O quarto era uma verdadeira confusão.

Júnior estava deitado em sua cama, com o fone no ouvido, ouvindo músicas no MP4 surrado.

- Fala, Brow! – ele disse.

- Você viu minhas chuteiras?

Júnior pensou um pouco.

- Já olhou nas coisas do Hugão. Devem estar por lá! Dona Mônica deve ter confundindo com as dele na hora empacotar tudo.

- Valeu.

- Vai onde, Brow? – Júnior perguntou antes que o irmão sumisse.

- Tenho um jogo hoje, com a galera do colégio.

- Você é rápido...

- Não tanto quanto eu gostaria. Já estou me atrasando.

Selton correu no quarto dos pais, um cômodo enorme, com uma cama king size coberta com lençóis de algodão egípcio e travesseiros de pena de ganso, de cada lado da cama, havia uma mesinha de cabeceira, cada uma com um abajur. Do lado esquerdo, tinha um copo de água vazio, dois livros de administração de empresas e um par de óculos; do direito, o Código da Vinci, de Dan Brown e um despertador. O quarto não tinha janelas, mas, sim, uma grande porta deslizante que saía pra varanda. Na outra parede havia um enorme guarda-roupas embutido, tabaco e branco, que os pais dividiam. Selton abriu uma porta e se deparou com a coleção de vestidos e roupas de grife da mãe.

- Ops. Porta errada.

Abriu a porta do outro canto e achou os ternos e camisas sociais do pai, algumas camisas esporte e bermudas. Fez correr as gavetas dos sapateiros e entres os sapatos de couro e tênis de marca, lá estava sua chuteira. Pegou-a, olhando o relógio.

- Droga.

Correu para seu próprio quarto e pegou a mochila que estava em cima da cama.

- Falou Brow! – gritou, descendo as escadas às pressas.

Quando chegou a porta de entrada, quase quebrou o nariz, pois alguém estava entrando.

- Ei! – gritou Mônica, assustada com o filho prostrado trás da porta – Selton, onde você vai com essa pressa toda?

- Jogo! – ele respondeu.

- Jogo? Que jogo?

- Com a galera do colégio, mãe! Eu já estou atrasado.

Foi como se não tivesse dito nada:

- A gente não está aqui nem há uma semana e você já se enturmou?! – ela se espantou com a facilidade do filho para fazer amigos.

Selton riu, todo convencido.

- Fazer o que, né, Dona Mônica?

- Ainda bem que seu irmão não tem o seu carisma. Fico com medo só de pensar na quantidade de – ela lamentou-se, fazendo cara débil, ao se lembrar de porque tinha se mudado para aquela cidadezinha...

- Não fala assim, Dona Mônica... – Selton advertiu.

– Por falar nisso, ele ainda está aí? – perguntou, de má vontade.

- Lá em cima, no quarto dele.

- Aquela confusão, você quer dizer...

Selton conseguiu contornar a mãe e chegar a porta.

- Pega leve com ele, Dona Mônica – e já ia fechando-a.

- Onde você pensa que vai sem me dizer “tchau”?

Selton fez uma cara enfadonha e voltou, correndo. Deu um beijo na mãe e disse, antes de fechar a porta:

- Tchau, Dona Mônica. Comporte-se.

- Juízo, Selton!

- Eu tenho! – ele gritou do lado de fora.

Doze – Eduardo

Guilherme era cético por natureza. Não era radical, mas preferia pensar um pouco, antes de sair acreditando em qualquer coisa. Mas tinha coisas que ele só acreditava vendo!

Quando recebeu um SMS enviado do celular do pai não pode acreditar. Até aí tudo bem. Ficou realmente surpreso ao ler a mensagem:

Estou te esperando na saída da sua escola. Quero conversar com você.

Só podia ser brincadeira. Ele não se importava em ser visto com o pai pelos amigos do colégio. Longe disso! Ansioso, ele se apressou em sair, para resolver logo o que quer que fosse com o pai.

Desceu a via em frente ao prédio principal do colégio e passou pela guarita mais a baixo. Logo que chegou à rua, olhou para os lados, onde uma fila quase interminável de carros estava estacionada próxima ao meio fio. Seus olhos aguçados encontraram o carro do pai com precisão. Era um Ford Focus sedan preto, estacionado bem em frente à guarita.

Embora o tráfego àquela hora fosse intenso, os engarrafamentos eram inevitáveis, ainda mais numa rua de faixa única. Abrir a porta do carro foi mais difícil do que atravessar.

Logo que se sentou no banco do carona, Guilherme sentiu o frio do ar condicionado do carro. Seria impossível ficar ali dentro, com o sol a pino batendo direto no carro; seria o mesmo que entrar numa panela de pressão.

- Saiu cedo? – Eduardo perguntou.

Eduardo se vestia bem, camisa social listrada e um jeans de grife. Era evidente que fora dele que Guilherme e Lucas tinham herdado as características germânicas tão impressionantes. Tinha olhos verdes e cabelos muito loiros, pele alva, quase rosada, por causa do sol intenso. Para Guilherme encarar o pai era como se olhar no espelho através do tempo. Se ficasse como seu genitor em alguns anos, ficaria satisfeito. Pra falar a verdade, mais agora do que quando Eduardo saiu de cara. Seu pai parecia recuperado das olheiras enormes das noites mal dormidas e até perdido algum peso. Se não fosse impossível, Guilherme podia jurar que o pai tinha rejuvenescido um pouco.

- O professor liberou antes.

- Quase não te alcanço, então? – Eduardo tinha a fala calma e baixa, muito controlada.

Guilherme deu um riso abafado, pensando que teria sido muita sorte se isso tivesse acontecido.

- Desculpa ter vindo buscá-lo na frente dos seus amigos. Faz quanto tempo que a gente não se vê? Um mês?

- Seis semanas – Guilherme respondeu, secamente.

Eduardo sempre se admirava com a precisão cirúrgica que o filho mantinha pra tudo. Era assim desde pequeno, preocupado em deixar tudo alinhado, tudo organizado, passar e conseguir informações com precisão milimétrica.

- Eu queria te ver, conversar com você. Já que não posso ir ao apartamento em que vocês estão morando.

- Eu estou bem, pai. Cansado, mas bem.

- E a sua mãe? Ela está melhor?

Guilherme estava começando a ficar impaciente.

- Ela saiu pra ir na casa da vó, uns dias atrás. Não é muito, mas parece uma evolução.

- Claro! Já fazia um tempo que ela não saia de casa, não é mesmo?

O garoto se limitou a balançar a cabeça.

- Vocês estão precisando de alguma coisa? Alimento, comida, roupa?

- Não. Só o preço do condomínio que deve subir nos próximos meses.

- Certo – ele disse – Você perguntou a sua mãe...

Guilherme o interrompeu bruscamente. Ele sabia que era exatamente sobre aquilo que o pai queria conversar:

- Perguntei. Ela ainda não está pronta.

Eduardo se calou ao ouvir a resposta do filho. Guilherme pode ver a tristeza e a decepção nos olhos do pai.

- Era um tiro no escuro, não é mesmo? – Eduardo disse, tentando disfarçar.

- Ela vai melhorar, pai – Guilherme disse, tentando consolar o pai, expondo um otimismo que raramente se permitia sentir.

- Eu sei que vai, filho.

Por isso Guilherme evitava falar com o pai, desde que ele decidira morar sozinho, para dar espaço para a esposa se recuperar do choque. Eduardo tinha ido a contra-gosto, mas achou que seria a melhor decisão. Guilherme também pensou assim, porque o pai não merecia as acusações descabidas da mãe que ele tinha sido o responsável pela morte do filho caçula. Agora, nenhum dos dois sabia se tinha sido uma boa idéia. E estar afastado da esposa e dos filhos, por melhor que fosse a intenção, parecia justifcar o esforço e sofrimento que passava.

Depois de um longo período de silêncio, Guilherme decidiu ir embora.

- Vou indo pai. Ainda tenho muita coisa pra estudar ainda.

- Claro! Claro! Eu só vim mesmo pra ver como você estava. Quer que leve você?

- Eu moro a três ruas daqui, pai! Até você sair desse engarrafamento, já cheguei em casa.

Eduardo riu.

Guilherme já estava com a mão na maçaneta, pronto pra abrir a porta quando o pai o chamou.

- Filho, eu queria que você fosse jantar comigo hoje à noite, lá em casa.

Guilherme se recostou no banco.

- Hoje não dá, pai. Tenho um jogo logo mais à noite, com o pessoal – então, percebeu que aquela não era uma boa explicação. Convenções sociais normais ditavam que jantar com o pai versus jogo com os amigos era uma comparação que nem devia ser feita.

- Tudo bem. Outra noite, então?

Era óbvio que o pai não desistiria tão facilmente.

- Certo. Amanhã, pode ser? – Guilherme disse, disfarçando sua pouca vontade de ir a um compromisso com o pai, mas naquele momento, qualquer desculpa soaria fraca.

O semblante de Eduardo se iluminou com a possibilidade de passar um tempo com o filho.

- Tchau, pai.

- Tchau, filho.

Guilherme abriu a porta,se levantou antes que o pai pudesse inventar qualquer outra desculpa e saiu para o meio-dia intenso que ardia sobre sua cabeça. “Essa era última coisa que precisava hoje”, pensou, enquanto se afastava, sem olhar para trás. Ainda tinha tanta coisa pra fazer nas próximas horas.. “Melhor esquecer isso por enquanto”.

Guilherme estava tão distraído, tão preocupado em ir pra casa que não viu Rafael do outro lado da rua, observando-o sair do carro do pai.

Onze – Escolha

A aula terminou mais dez minutos mais cedo, porque o professor de geografia física os liberou antes do sinal. Era comum ele fazer isso, quando terminava de dar a matéria programada para o dia e não havia tempo para começar a próxima. Sem necessidade de correr para pegar o ônibus, Rafael não se apressou para sair. Ana por outro lado...

- Vamos, Rafa! – ela disse, nervosa ao lado do amigo – Quero aproveitar e passar na papelaria.

- Pode ir na frente, Ana – Rafael disse, percebendo a urgência da amiga – Qualquer coisa a gente se encontra no ponto.

- OK. Até daqui a pouco. – Ela estava mesmo desesperada pra ir à papelaria, porque ela mal se despediu e sumiu no meio da multidão que ainda se movimentava para fora da sala de aula.

Rafael terminou de arrumar seu material e procurou por Selton, para descerem juntos, mas ele já não estava mais ao seu lado. Olhou rapidamente para a porta e seu sangue ferveu quando o viu saindo, acompanhado de Débora.

- Eu mereço – reclamou.

Levantou-se e seguiu para a porta, a passos rápidos, querendo alcançá-los. Quando passaria pela porta, Guilherme apareceu bem na sua frente. Rafael deu um passo para trás, alarmado.

- Você não se cansa de aparecer feito um fantasma na minha frente, não?! – Rafael perguntou, irritado.

- Nem um pouco – Guilherme riu, cinicamente. Ele olhou para fora do corredor, fingindo procurar alguém – Ela pode ser realmente irritante.

Era óbvio de quem ele estava falando.

- Não tanto quanto você...

Guilherme ergueu as sobrancelhas, impressionado.

- Perguntou pra Ana se eu posso entrar no grupo de vocês? – ele perguntou, mudando de assunto.

- Eu tinha alguma escolha?

- Claro que tinha! Todos nós temos uma escolha, Rafa. E o que ela disse?

- Você pode fazer o trabalho conosco. Satisfeito?

Nesse instante, um celular começou a apitar. Guilherme enfiou a mão no bolso do da calça e tirou o telefone, encarou a tela com uma expressão fechada, apertou algumas teclas e por fim, guardou o celular de volta no bolso. Quando voltou a encarar Rafael, sua expressão de divertimento tinha desaparecido.

- Nem perto disso. Me avise quando vocês forem se reunir para fazer o trabalho – e sem esperar a resposta de Rafael, saiu, quase correndo pelo corredor.