terça-feira, 22 de junho de 2010

Catorze – Jogo

A gritaria enchia a quadra, o barulho da bola sendo chutada para todos os lados, e até mesmo o barulho da rua entrava pelos grandes vasculhantes. Rafael nunca teria chegado naquele lugar se não estivesse acompanhado de Ana e Selton. Pra ser sincero, só Ana sabia chegar lá. Não que fosse longe de tudo, num buraco desconhecido. Ficava bem ali, no centro da cidade, numa rua secundária, que Rafael já passara milhares de vezes, mas nunca tinha visto um pequeno clube ali. Um dos garotos era sócio e ficava fácil alugar a quadra para umas partidas de vez em quando.

Rafael não sabia o que estava fazendo ali. Começava a pensar que tinha ido longe demais, tudo por causa de puros ciúmes. Ele não entendia bulhufas do que se passava na quadra e, pior que isso, não se interessava muito. Não podia negar que ver aqueles garotos correndo de um lado para o outro, suados, com as camisas colando nos corpos provocava-lhe uma explosão de hormônios. Principalmente Selton, porque dedicava uma atenção especial. Mas futebol não era apenas homem. “Se fosse ‘com camisas’ contra ‘sem camisas’, talvez me interessasse mais...”, pensou consigo mesmo. O clube disponibilizava coletes folgados de cores diferentes para distinguir os times.

Ana e Débora por outro lado pareciam entender bem o que estavam assistindo, e, ao contrário de Rafael, não se ligavam apenas para os garotos. Cada gol que saia as duas vibravam, riam e comemoravam. Rafael ficou intrigado com tamanha comoção, pra dizer pouco.

Mesmo não achando graça nenhuma em assistir ao jogo, e mesmo sem entender patavinas, ficou impressionado com a habilidade de Selton. Ele não estava brincando quando disse que mostraria seus “dribles”. Selton podia ser magro em comparação aos companheiros em quadra, mas era definitivamente o mais rápido e mais ágil. No começo da partida, os passes eram feitos mais entre os colegas que já se conheciam, até que, no primeiro lance mais emocionante, em que o time adversário veio com tudo, dando passes rápidos e certeiros, furando a defesa, Selton apareceu praticamente do nada, num único pique e interceptou a bola. Quase em seguida, apareceu alguém em sua frente, querendo tomar a posse da bola, mas ele deu um chapéu, ajeitou-a no ombro e continuou a investida. Os outros jogadores riram do drible, impressionados. Selton não parou por aí. Continuou a investida, sozinho, sem olhar pra lado nenhum. Outro jogador obstruiu seu caminho em direção ao gol, mas foi rapidamente deixado pra trás, quando Selton deu um toquinho mais forte com o pé, mandando a bola mais a frente e correndo pelo outro lado. Outra salva de gritos e risos, ainda mais chocados com a habilidade do novato.

Frustrados, os adversários do outro time marcaram Selton, que já estava muito perto da área. Vieram dois de uma só vez. O primeiro tentou agarrar o colete de Selton quando passou por ele, mas foi em vão. Com força, Selton se soltou e no segundo, fez que chutaria a bola para um lado, mas a trouxe pro outro, passando também pelo segundo.

Então, sobrou só ele e o goleiro. Não por muito tempo. Num último esforço de impedir o gol, o goleiro deu um passo à frente e abriu os braços, preparando-se para agarrar a bola. Selton chutou, meio de lado, já quase no final da quadra, num ângulo que parecia impossível de se acerta, ainda mais com um goleiro de um e oitenta no caminho. Ou pelo menos fez que chutou. Rápido de raciocínio, Selton percebeu que o goleiro se preparara pra pular, quando encheu a perna de força. No último instante, Selton segurou a força e mudou a posição do pé, fazendo a bola viajar rasteira. O goleiro não teve tempo desfazer a confusão e quando se levantou, todo mundo já estava comemorando o golasso de Selton.

Até mesmo Rafael ficou embasbacado. Os companheiros de time não fizeram nada até a conclusão da jogada, sem sequer saírem do lugar, pra depois explodirem de comemoração. Até os jogadores do time adversário aplaudiram.

A partir daquele lance, Selton passou de mero intruso a artista principal. Foi responsável pela maioria dos gols e aqueles que não fez, tinha armado. Mesmo sem estar entrosado com o restante do time, ele fazia jogadas confiantes, quase sempre certas, interceptava passes quase impossíveis, dava arrancadas impressionantes, e tocava a bola para os outros jogadores com precisão absoluta. Selton era um jogador excepcional.

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