terça-feira, 22 de junho de 2010

Doze – Eduardo

Guilherme era cético por natureza. Não era radical, mas preferia pensar um pouco, antes de sair acreditando em qualquer coisa. Mas tinha coisas que ele só acreditava vendo!

Quando recebeu um SMS enviado do celular do pai não pode acreditar. Até aí tudo bem. Ficou realmente surpreso ao ler a mensagem:

Estou te esperando na saída da sua escola. Quero conversar com você.

Só podia ser brincadeira. Ele não se importava em ser visto com o pai pelos amigos do colégio. Longe disso! Ansioso, ele se apressou em sair, para resolver logo o que quer que fosse com o pai.

Desceu a via em frente ao prédio principal do colégio e passou pela guarita mais a baixo. Logo que chegou à rua, olhou para os lados, onde uma fila quase interminável de carros estava estacionada próxima ao meio fio. Seus olhos aguçados encontraram o carro do pai com precisão. Era um Ford Focus sedan preto, estacionado bem em frente à guarita.

Embora o tráfego àquela hora fosse intenso, os engarrafamentos eram inevitáveis, ainda mais numa rua de faixa única. Abrir a porta do carro foi mais difícil do que atravessar.

Logo que se sentou no banco do carona, Guilherme sentiu o frio do ar condicionado do carro. Seria impossível ficar ali dentro, com o sol a pino batendo direto no carro; seria o mesmo que entrar numa panela de pressão.

- Saiu cedo? – Eduardo perguntou.

Eduardo se vestia bem, camisa social listrada e um jeans de grife. Era evidente que fora dele que Guilherme e Lucas tinham herdado as características germânicas tão impressionantes. Tinha olhos verdes e cabelos muito loiros, pele alva, quase rosada, por causa do sol intenso. Para Guilherme encarar o pai era como se olhar no espelho através do tempo. Se ficasse como seu genitor em alguns anos, ficaria satisfeito. Pra falar a verdade, mais agora do que quando Eduardo saiu de cara. Seu pai parecia recuperado das olheiras enormes das noites mal dormidas e até perdido algum peso. Se não fosse impossível, Guilherme podia jurar que o pai tinha rejuvenescido um pouco.

- O professor liberou antes.

- Quase não te alcanço, então? – Eduardo tinha a fala calma e baixa, muito controlada.

Guilherme deu um riso abafado, pensando que teria sido muita sorte se isso tivesse acontecido.

- Desculpa ter vindo buscá-lo na frente dos seus amigos. Faz quanto tempo que a gente não se vê? Um mês?

- Seis semanas – Guilherme respondeu, secamente.

Eduardo sempre se admirava com a precisão cirúrgica que o filho mantinha pra tudo. Era assim desde pequeno, preocupado em deixar tudo alinhado, tudo organizado, passar e conseguir informações com precisão milimétrica.

- Eu queria te ver, conversar com você. Já que não posso ir ao apartamento em que vocês estão morando.

- Eu estou bem, pai. Cansado, mas bem.

- E a sua mãe? Ela está melhor?

Guilherme estava começando a ficar impaciente.

- Ela saiu pra ir na casa da vó, uns dias atrás. Não é muito, mas parece uma evolução.

- Claro! Já fazia um tempo que ela não saia de casa, não é mesmo?

O garoto se limitou a balançar a cabeça.

- Vocês estão precisando de alguma coisa? Alimento, comida, roupa?

- Não. Só o preço do condomínio que deve subir nos próximos meses.

- Certo – ele disse – Você perguntou a sua mãe...

Guilherme o interrompeu bruscamente. Ele sabia que era exatamente sobre aquilo que o pai queria conversar:

- Perguntei. Ela ainda não está pronta.

Eduardo se calou ao ouvir a resposta do filho. Guilherme pode ver a tristeza e a decepção nos olhos do pai.

- Era um tiro no escuro, não é mesmo? – Eduardo disse, tentando disfarçar.

- Ela vai melhorar, pai – Guilherme disse, tentando consolar o pai, expondo um otimismo que raramente se permitia sentir.

- Eu sei que vai, filho.

Por isso Guilherme evitava falar com o pai, desde que ele decidira morar sozinho, para dar espaço para a esposa se recuperar do choque. Eduardo tinha ido a contra-gosto, mas achou que seria a melhor decisão. Guilherme também pensou assim, porque o pai não merecia as acusações descabidas da mãe que ele tinha sido o responsável pela morte do filho caçula. Agora, nenhum dos dois sabia se tinha sido uma boa idéia. E estar afastado da esposa e dos filhos, por melhor que fosse a intenção, parecia justifcar o esforço e sofrimento que passava.

Depois de um longo período de silêncio, Guilherme decidiu ir embora.

- Vou indo pai. Ainda tenho muita coisa pra estudar ainda.

- Claro! Claro! Eu só vim mesmo pra ver como você estava. Quer que leve você?

- Eu moro a três ruas daqui, pai! Até você sair desse engarrafamento, já cheguei em casa.

Eduardo riu.

Guilherme já estava com a mão na maçaneta, pronto pra abrir a porta quando o pai o chamou.

- Filho, eu queria que você fosse jantar comigo hoje à noite, lá em casa.

Guilherme se recostou no banco.

- Hoje não dá, pai. Tenho um jogo logo mais à noite, com o pessoal – então, percebeu que aquela não era uma boa explicação. Convenções sociais normais ditavam que jantar com o pai versus jogo com os amigos era uma comparação que nem devia ser feita.

- Tudo bem. Outra noite, então?

Era óbvio que o pai não desistiria tão facilmente.

- Certo. Amanhã, pode ser? – Guilherme disse, disfarçando sua pouca vontade de ir a um compromisso com o pai, mas naquele momento, qualquer desculpa soaria fraca.

O semblante de Eduardo se iluminou com a possibilidade de passar um tempo com o filho.

- Tchau, pai.

- Tchau, filho.

Guilherme abriu a porta,se levantou antes que o pai pudesse inventar qualquer outra desculpa e saiu para o meio-dia intenso que ardia sobre sua cabeça. “Essa era última coisa que precisava hoje”, pensou, enquanto se afastava, sem olhar para trás. Ainda tinha tanta coisa pra fazer nas próximas horas.. “Melhor esquecer isso por enquanto”.

Guilherme estava tão distraído, tão preocupado em ir pra casa que não viu Rafael do outro lado da rua, observando-o sair do carro do pai.

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