quarta-feira, 21 de julho de 2010

Trinta e Cinco - Beijo

O mundo, a realidade, o tempo se desdobraram em várias partes. O calor da boca de Selton, o gosto da saliva, a aspereza e a habilidade de língua. A sensação era surpreendente! Não havia sininho tocando em lugar algum, a trilha sonora era a tempestade que caia lá fora, mas não dava pra negar que o beijo era maravilhoso! Havia um quê de arrependimento, uma candura peculiar e uma boa dose de tesão.

Rafael se deixou levar pelo beijo, pelo momento, pouco se importou ser era sonho ou realidade. Esqueceu-se do que ocorrera durante o dia, da tristeza que sentira. Por dentro, Rafael era apenas aquele instante.

Selton foi se inclinando para frente. Inconscientemente, Rafael resistiu, como se seu instinto quisesse sentir o corpo de Selton; percebeu, então, que o que ele queria era deitar na cama e, por fim, cedeu.

Rafael suspirou ao ser coberto pelo peso de Selton, estavam colados, de corpos em contato. Passou a mão pelo rosto de Selton e descobriu uma sensação absolutamente nova! Surpreendeu-se com a pele aveludada, firme e febril. Pele de homem”, pensou admirado.

- Cara, desculpa o que eu fiz hoje! - sussurrou Selton, aflito, entre os beijos - Se eu soubesse que você estava afim de mim, ou se, pelo menos, suspeitasse, não teria feito voe passar por nada disso!

A declaração de Selton fez Rafael voltar à Terra. Não que fosse ruim, mas surpreendente.

- Do que você está falando?

- Rafa, eu estou afim de você desde que cheguei na escola! No primeiro dia, perguntei seu nome pro Diego, falei que você parecia um velho amigo. No mesmo dia, descobri que éramos vizinhos de rua, nossa, eu fiquei doido! Falei que ia ficar com você de qualquer jeito! Até o dia que você falou, com todas as letras, que não era gay! Decide seguir em frente. Por isso fiquei com a Débora! Se soubesse que você estava na minha, não teria feito aquilo! Me desculpe!

- Cara, eu nem sei o que dizer! - Rafael estava emocionado. Nunca poderia imaginar que Selton estava tão envolvido quanto ele. Nunca pescou qualquer sinal de que Selton quisesse ficar com ele.

- Só diz que me desculpa pela mancada.

Rafael nada respondeu. Apenas o puxou pela nuca e o beijou. Não queria saber de nada, apenas do garoto que, finalmente, estava nos seus braços. Rafael se surpreendeu com a intensidade do beijo, mas logo se rendeu à sensação e abraçou Selton. Sentiu o garoto colocar a mão por debaixo da de sua camisa e alisar-lhe as costas. Arrepiou com contato da pele com pele, com o hálito quente de Selton escorregando pelo rosto, os corpos colados.

- Cara, nem acredito que você está aqui comigo. - gemeu Selton.

Rafael olhou para o garoto moreno por cima, a luz azulada e turva da rua entrando pela janela e jogando metade de seu rosto na escuridão e a outra na penumbra, fazendo um jogo de luz e sombra que tornava o momento ainda mais marcante. Beijou-o ainda mais, adorando deitar sobre Selton, ter a mesma oportunidade de passear as mãos pelo corpo do cara que o deixava fissurado.

Porém, dessa vez, ele foi mais além. Não dava pra dizer se cansara da mesmice do amasso ou se foi o tesão do momento que o guiou àquilo, mas não podia mais suportar a vontade. Não precisou de coragem, nem de tomar fôlego, não experimentou dúvida ou hesitação. Apenas fez!

Sua mão estava colada ao torso de Selton, jamais poderia imaginar que sentir as salientes costelas do garoto pudessem lhe provocar tanto o tato. Escorregou a mão e pode sentir a barriga lisa dele, Selton soltou um gemido abafado pelo beijo que dava em Rafael quando os dedos dele correram a pele. O gemido não impediu Rafael, pelo contrário, o impulsionou. Continuou descendo a mão e, por cima da calça, agarrou a carne rija que desafiava o tecido. Notou, então, que ele mesmo estava excitadíssimo.

- Cara, não faz isso! - sussurrou Selton.

- Por que não?

- Você vai me deixar louco!

- Eu já estou.

E apertou com mais vontade.

Os dois não se agüentaram. Jogaram as conseqüências para o alto e se vestiram apenas com a vontade que tinham naquele momento. Quase nada aconteceu de forma consciente, era tudo instintivo, feito meio sem pensar. Era um pensamento automático e desenfreado. Rafael só era capaz de sentir.

Os dois tiraram a roupa como dois loucos, ignorando total e absolutamente a possibilidade de que alguém podia aparecer, abrir a porta e pegá-los com as calças arriadas, literalmente. Rafael queria fazer tantas coisas, imaginou tantas situações diferentes, queria reparar o corpo de outro homem com mais calma. Mas passou por cima dessas vontades, sumariamente. Outro dia...”, pensou. Por enquanto, se contentaria com a parca visão que tinha de Selton no escuro, com os sussurros e gemidos e com o tato - que se revelou um potente sentido...

Trinta e Quatro - Declarar

- Rafael!

Rafael quase morreu do coração. Era Selton. Não era imaginação. Selton estava na sua casa.

- Rafa! Vim trazer sua camisa!

“O que vou fazer? Como ele entrou em casa? Como chegou aqui?”

Ele limpou o rosto, enxugando as lágrimas.

- Aqui em cima! – gritou.

Não demorou e Selton bateu na sua porta e abriu, sem esperar resposta.

- Desculpa ir entrando, Rafa. O portão da frente estava aberto e ... Ei, Cara, você está chorando! – mesmo no escuro, Selton percebeu o estado do amigo e ficou preocupado - O que foi está passando mal? O que está acontecendo?

Rafael ainda estava entalado com o choro. Fez força para falar alguma coisa, alguma desculpa esfarrapada, qualquer frase que pudesse fazer Selton ir embora. No entanto, não conseguiu fazer nada.

- Cara, você está assim desde que viemos da festa! Me deixa entrar e pode desabafar comigo, você sabe!

Rafael continuou mudo. Conseguiu apenas sair do caminho e sentou-se na sua cama.

- Valeu, cara - disse Selton, depois de fechar a porta. Ele sentou na cama também, de frente pra Rafael - O que está acontecendo, cara? Por que você está assim? Parece que nem se divertiu hoje!

Estava cara a cara com Selton. A tristeza desapareceu na mesma hora, deixando lugar, não para a felicidade, mas para uma ansiedade avassaladora. Uma vez ouviu que quando se estava perto da pessoa amada, você sente borboletas no estômago. Ele sentia, naquele momento, um iceberg congelando seu interior! Congelante e pesado! Ficou na dúvida se deveria contar para Selton o que se passava. Poderia desabar que não faria diferença alguma, estava tudo perdido mesmo! Mas não tinha coragem de olhar nos olhos do garoto e dizer o que sentia. Qual seria sua reação? O que ele diria? Poderia simplesmente se virar e ir embora, poderia dizer que não sentia nada aquilo por ele, mas que seriam amigos, desde que não invadisse seu espaço. Poderia dizer que nunca ia ter um amigo viado e espalharia para a escola toda que ele era gay! O entenderia ou o ridicularizaria?

- Por que está assim, Rafael? É por causa da Ana? Você gosta mesmo dela, mas não tem coragem de dizer, de pedi-la em namoro? Está se sentindo usado?

Deu-se conta, então, que seu corpo tremia violentamente.

- Não - gaguejou.

- Você era afim da Débora? Poxa, cara, desculpa, eu não sabia! Se for isso, eu saio do seu caminho! Pra mim foi só uma ficada, nada mais!

O que achou impossível aconteceu. Ouvir aquilo o encheu com um alivio brando, mas ainda estava tenso.

- Fala, cara! Fala alguma coisa!

De repente, sentiu-se menos oprimido, como se a declaração de Selton fosse um revigorante.

- Eu... eu gosto de você - disse Rafael com a voz trêmula, incerto se estava fazendo a coisa certa.

- Eu também gosto de você, cara! Mas o que isso tem a ver?

- Você não entendeu. Eu gosto mesmo de você! Desde que você chegou na escola, não consigo parar de pensar em você, penso em você o tempo todo! Na escola, na rua, em casa! Às vezes, acho que estou enlouquecendo!

Selton ficou calado. Na escuridão do quarto, era difícil dizer como estava reagindo.

- Então, na festa, você sumiu porque não agüentou me ver com a Débora?

- Desculpa, cara! Eu sei que não deveria falar nada disso! Sei que não deveria sentir nada do que sinto por você! Mas foi inevitável!

De repente, Selton deu um pulo, avançou para cima de Rafael e o beijou.

Trinta e Três - Sorte

Depois que a tempestade caiu, a festa da amiga de Carla praticamente acabou. Alex e Rodrigo acharam que os outros convidados só não foram embora porque não queriam se arriscar a se ensoparem naquela chuva torrencial, já que a maioria não estava de carro e esperar no ponto ônibus era pedir pra tomar banho.

Por muita insistência de Rodrigo, Alex só ficou apenas mais alguns minutos, esperando a chuva estiar um pouco para levá-lo pra casa. Ele já sabia o que o soldado tinha intenção de fazer. Quando foram para o carro, tiveram que correr, para não se molharem muito, mas foi impossível, a chuva estava mais forte de que parecia e ficaram bem molhados.

Foram Alex e Carla na frente e Rodrigo e Laura nos bancos de trás, os quatro conversavam, mas Rodrigo mal via a hora de chegar em seu apartamento, já que Laura tinha concordado em subir com ele – consciente ou não do que poderia acontecer.

Foi uma viagem longa, porque o trânsito estava complicado em algumas ruas por causa de semáforos pifados durante a tempestade, sem mencionar que Alex tinha a controversa habilidade de dirigir com mais cuidado quando tinha álcool no sangue.

- Cabo, valeu pela carona – Rodrigo disse, quando o amigo estacionou o carro perto da entrada de seu prédio.

- Que isso, soldado. Sempre as ordens.

- Obrigada, gente – Laura disse, enquanto saía – Ana, a gente se fala amanhã?

- Claro.

- Boa noite pra vocês – Alex disse.

Rodrigo saiu em disparada em direção ao portão de seu prédio, enquanto a chuva caia pesada em sua cabeça; procurava rapidamente a chave do portão de entrada, para Laura não pegasse tanta chuva. Portão aperto, ela saiu do carro, correndo, com a bolsa erguida sobre a cabeça, tentando diminuir inutilmente a quantidade de chuva que tomava. Tão logo ela passou pelo portão, Rodrigo foi atrás, procurando abrigo.

Os dois subiram as escadas do prédio em silêncio, talvez por não saberem o que dizer, mas sempre de mãos dadas. Ambos estavam molhados dos pés a cabeça, a água começando a esfriar o corpo, causando-lhes arrepios.

- Nossa! Que chuva! – Laura disse, de repente.

- Éh! E veio do nada – Rodrigo completou.

As chaves já estava na mão de Rodrigo, e não foi difícil achar a de casa. Ela abriu a porta, esticou a mão até o interruptor para acender a luz e a deixou entrar primeiro.

- Apartamento legal – ela disse, avaliando rapidamente a sala – Cozinha americana.

- Èh! O dono achou que daria mais espaço na cozinha. Espera aqui, eu vou buscar uma toalha pra você e uma camisa seca.

- Ok.

Rodrigo foi rapidamente ao seu quarto, verificar se não havia nada que pudesse estragar aquela noite, como uma camisinha já usada – certamente não por ele. Lembrou-se que tinha uma no lixo do banheiro, e teria que cuidar dela depois. Pegou uma toalha no seu guarda roupa e uma blusa de moletom cinza.

- Aqui. Uma toalha e uma camisa.

Quando chegou na sala Laura estava de costas para ele, a blusa encharcada jogada no chão, somente os cabelos castanhos cobriam-lhe as costas arqueadas. Rodrigo ficou surpreso ao encontrá-la seminua na sua sala. Mas afinal de contas era pra isso que eles estavam ali.

- Obrigada. Já estava ficando com frio.

Que blusa que nada. Rodrigo esticou a toalha seca e jogou-a sobre as costas da garota e então a abraçou por trás. Ouviu ela suspirar baixinho.

- Você não pode ficar com essas costas desprotegidas...

Seus cabelos estavam molhados, unidos em mechas finas. O perfume do pescoço dela subiu-lhe as narinas, inebriando-lhe. Era um perfume diferente do que ele estava acostumado, era um cheiro suave, adocicado. Laura se aconchegou em seus braços, encostando a cabeça em seu peito. Rodrigo deu um beijo leve no pescoço de Laura, no pé do ouvido. Há quanto tempo, ele não sentia aquilo? Meses! A sutileza da pele feminina, da fragilidade do corpo, da pequeneza. Ele a virou e a beijou, passando a mão em seu corpo, subindo pelas suas costas procurando o fecho do sutiã. Esperava certa resistência, mas não. Laura queria também estar com ele. Rodrigo a empurrou lentamente, com o corpo, ainda abraçando-a, em direção ao sofá. Segurou-a pela cintura, para que ela não caísse e a deitou, jogando com cuidado seu peso sobre ela. Sempre beijando-a, alisando-a, acariciando-a. Tirou a camisa molhada, jogando-a para longe. Seus corpos estavam frios, arrepiados, uma sensação totalmente diferente do que já tinham experimentado. “Isso é sexo de verdade”, Rodrigo pensou.

Trinta e Dois - Desastre

Guilherme estava cansado. Tinha nadado, jogado bola, bebido um pouco além da conta e comido bastante. Mesmo com dezenas de preocupações na cabeça, ele tinha se divertido, coisa que raramente acontecia em sua vida.

No entanto, nem tudo eram flores. Selton ficara com Débora. A importância disso? Rafael. Temia que, por causa disso, o garoto acabasse se fechando do resto do mundo e acabasse negando quem era de verdade. Rafael era uma pessoa de boa índole, bom coração, uma pessoa legal, mas Guilherme não acreditava que tivesse uma personalidade forte, decidida. Via Rafael como alguém na corda bamba, sempre prestes a cair. Teria que redobrar sua atenção em relação à ele.

Do outro lado da história, tinha Ana. Claro que ele não ficara com ninguém naquele churrasco. Chances ele tinha muitas, mas a única pessoa que o interessava era ela, Ana. Para seu azar, ela não conseguia enxergar que gostava de verdade dela. Claro que ele era obstinado, fechado, às vezes irritante, mas aquele era seu jeito, quem ele era. Mas naquele dia ela tinha visto além daquela superfície. Ana tinha percebido sua preocupação real com Rafael. Ele não queria que ela tivesse visto aquilo, afinal, poderia arruinar seus planos e mesmo assim ele ficou feliz que ela tivesse notado. O que o agradou de verdade foi o que Ana disse. “Talvez haja esperança pra você, afinal de contas...” Aquilo era uma coisa boa, certo? Ainda havia chances de que ela viesse a pelo menos simpatizar com ele. Ainda havia chances...

Com esse pensamento, ele colocou a chave na porta de casa e a girou.

- Mãe, cheguei! – gritou.

Ninguém respondeu.

“Ela deve ter saído outra vez”, pensou. Nas últimas semanas, sua mãe tinha mostrado uma melhora significativa, estava mais ativa, estava acordando cedo, conversava mais com Guilherme, quando ele estava em casa, arrumava a casa. Até cozinhava, Marina mãe se recuperasse por completo do trauma de perder o filho caçula, ainda choramingava e culpava Eduardo pelo que aconteceu, mas estava no caminho certo, pelo menos. Antes tarde do que nunca.

Com fé na recuperação, achou que devia-lhe um voto de confiança e saiu para o churrasco da turma, sem deixar ninguém de babá, mesmo porque, não achou ninguém disponível naquele sábado. No meio do churrasco tinha ligado para casa, para conferir se estava tudo bem e a mãe tinha atendido bem, falando e puxando papo sobre como estava a festa. Só conseguiu desligar o telefone porque os créditos estavam acabando.

Fora para o quarto tirar as roupas molhadas da mochila e se preparar para tomar um banho de verdade e tirar o cloro da piscina do cabelo. Retirou todos os itens da mochila: toalha, bermuda, chinelos, cueca úmida. Tudo embolado em uma única massa disforme e anormalmente pesada. Guilherme era compulsivamente organizado, mas na pressa de sair correndo para verificar como Rafael estava, teve que jogar tudo na mochila de qualquer jeito.

“‘Talvez haja esperança pra você, afinal de contas...’”, lembrou-se, rindo. “Não acredito que ela falou isso.”

Guilherme não costuma sonhar, nem era dado a teorizar idéias que não tivessem algum fundamente na realidade, mas chegou a pensar se não tinha perdido uma oportunidade naquele dia. “Não, o Rafael precisava mais dela do que eu. Ela jamais me daria atenção sabendo que ele estava numa pior”

Como suas roupas já estavam todas emboladas mesmo, Guilherme as pegou de qualquer jeito e foi para o banheiro finalmente tomar seu banho. Quando estava passando pelo corredor, Guilherme olhou para a porta do quarto da mãe. Seu coração disparou.

Do ângulo em que entrou, Guilherme não pôde ver, mas agora, saindo de seu quarto, tendo uma visão maior do da mãe, viu seu corpo deitado na cama, estirado, com os braços em uma posição estranha.

- MÂE! – ele gritou, largando suas coisas no chão e correndo para ver o que tinha acontecido com ela.

Marina estava muito pálida, olhos fechados numa expressão de alívio derradeiro, vestida como se tivesse acabado de voltar da rua, com as pernas pra fora da cama, ainda de sapados. Não fosse pela posição bizarra, Guilherme poderia achar que estivesse dormindo.

- Mãe! Acorda, mãe! – Guilherme a sacudiu, vigorosamente. Tudo o que conseguiu foi mexê-la como uma boneca de pano. Ele se curvou sobre o rosto dela para tentar sentir sua respiração; estava muito fraca, mal dava para senti-la coçar a pele – Droga, mãe! – segurou seu braço e pressionou o dedo para checar sua pulsação. Também estava fraca, difícil de perceber, mas estava lá.

Ele procurou ao redor o que a tinha colocado naquele estado, mesmo que já imaginasse o que poderia ter sido. Logo ali, perto da sua mão esquerda, estava um frasco cheio de calmantes completamente vazios.

- Droga!

Ainda havia tempo. Pegou o celular no bolso e, desesperado, apertou a discagem rápida. O telefone chamou, chamou, chamou. Guilherme ficou ainda mais apavorado, com medo que ninguém o atendesse.

- Alô? – Eduardo disse.

- Pai?! Vem pra cá, agora!

- O que houve, Guilherme? – seu pai perguntou do outro lado da linha, confuso.

- Acho que a mãe tentou se matar.

Trinta e Um - Sozinho

Agora estava definitivamente sozinho. Trancado em seu quarto, com o rosto no travesseiro, tudo o que lutou para não mostrar enquanto estava com Ana ou Selton, explodiu de dentro pra fora. Sua alma era um misto de incontáveis sentimentos negativos: tristeza, raiva, ciúmes, desprezo, desilusão, desorientação. Sua cabeça rodou em milhares de possibilidades: de ter que enfrentar Selton e Débora todos os dias, namorando, abraçados; ver os dois saindo da casa do garoto altas horas da madrugada, se torturando ao imaginar o que poderiam ter feito; de ter que vê-los juntos, quando a galera combinasse alguma balada. Não sabia se sobreviveria àquilo.

Talvez, fosse até bom. Assim se tocaria de que se apaixonar por um garoto não daria certo jamais! Ainda mais pelo melhor amigo! Deveria esquecer aquela história de uma vez por todas e pararia de sofrer! Sofrer não o levaria a lugar algum! Mesmo que tivesse o apoio de Ana em seu gosto de “contra-mão”, iria criar vergonha na cara e passaria a gostar apenas de garotas, pois teria muito menos problemas na vida!

Melhor! Ficaria sozinho para sempre! Não podia se enganar achando que gostava de garotas, mas podia escolher não se relacionar com mais ninguém! Seria não-sexuado! Não se enganaria e não se torturaria mais com seus complexos de estar errado, de ser anormal! Viraria padre!

Permaneceu ali, deitado, ouvindo a chuva que começava a cair, sob os relâmpagos que queimavam o céu, abraçando o travesseiro, alimentando um sonho ingênuo e até amargo de estar abraçando Selton. Suas lágrimas sumiam no tecido macio, afogando o garoto naquela tempestade de sofrimento.