quarta-feira, 21 de julho de 2010

Trinta e Dois - Desastre

Guilherme estava cansado. Tinha nadado, jogado bola, bebido um pouco além da conta e comido bastante. Mesmo com dezenas de preocupações na cabeça, ele tinha se divertido, coisa que raramente acontecia em sua vida.

No entanto, nem tudo eram flores. Selton ficara com Débora. A importância disso? Rafael. Temia que, por causa disso, o garoto acabasse se fechando do resto do mundo e acabasse negando quem era de verdade. Rafael era uma pessoa de boa índole, bom coração, uma pessoa legal, mas Guilherme não acreditava que tivesse uma personalidade forte, decidida. Via Rafael como alguém na corda bamba, sempre prestes a cair. Teria que redobrar sua atenção em relação à ele.

Do outro lado da história, tinha Ana. Claro que ele não ficara com ninguém naquele churrasco. Chances ele tinha muitas, mas a única pessoa que o interessava era ela, Ana. Para seu azar, ela não conseguia enxergar que gostava de verdade dela. Claro que ele era obstinado, fechado, às vezes irritante, mas aquele era seu jeito, quem ele era. Mas naquele dia ela tinha visto além daquela superfície. Ana tinha percebido sua preocupação real com Rafael. Ele não queria que ela tivesse visto aquilo, afinal, poderia arruinar seus planos e mesmo assim ele ficou feliz que ela tivesse notado. O que o agradou de verdade foi o que Ana disse. “Talvez haja esperança pra você, afinal de contas...” Aquilo era uma coisa boa, certo? Ainda havia chances de que ela viesse a pelo menos simpatizar com ele. Ainda havia chances...

Com esse pensamento, ele colocou a chave na porta de casa e a girou.

- Mãe, cheguei! – gritou.

Ninguém respondeu.

“Ela deve ter saído outra vez”, pensou. Nas últimas semanas, sua mãe tinha mostrado uma melhora significativa, estava mais ativa, estava acordando cedo, conversava mais com Guilherme, quando ele estava em casa, arrumava a casa. Até cozinhava, Marina mãe se recuperasse por completo do trauma de perder o filho caçula, ainda choramingava e culpava Eduardo pelo que aconteceu, mas estava no caminho certo, pelo menos. Antes tarde do que nunca.

Com fé na recuperação, achou que devia-lhe um voto de confiança e saiu para o churrasco da turma, sem deixar ninguém de babá, mesmo porque, não achou ninguém disponível naquele sábado. No meio do churrasco tinha ligado para casa, para conferir se estava tudo bem e a mãe tinha atendido bem, falando e puxando papo sobre como estava a festa. Só conseguiu desligar o telefone porque os créditos estavam acabando.

Fora para o quarto tirar as roupas molhadas da mochila e se preparar para tomar um banho de verdade e tirar o cloro da piscina do cabelo. Retirou todos os itens da mochila: toalha, bermuda, chinelos, cueca úmida. Tudo embolado em uma única massa disforme e anormalmente pesada. Guilherme era compulsivamente organizado, mas na pressa de sair correndo para verificar como Rafael estava, teve que jogar tudo na mochila de qualquer jeito.

“‘Talvez haja esperança pra você, afinal de contas...’”, lembrou-se, rindo. “Não acredito que ela falou isso.”

Guilherme não costuma sonhar, nem era dado a teorizar idéias que não tivessem algum fundamente na realidade, mas chegou a pensar se não tinha perdido uma oportunidade naquele dia. “Não, o Rafael precisava mais dela do que eu. Ela jamais me daria atenção sabendo que ele estava numa pior”

Como suas roupas já estavam todas emboladas mesmo, Guilherme as pegou de qualquer jeito e foi para o banheiro finalmente tomar seu banho. Quando estava passando pelo corredor, Guilherme olhou para a porta do quarto da mãe. Seu coração disparou.

Do ângulo em que entrou, Guilherme não pôde ver, mas agora, saindo de seu quarto, tendo uma visão maior do da mãe, viu seu corpo deitado na cama, estirado, com os braços em uma posição estranha.

- MÂE! – ele gritou, largando suas coisas no chão e correndo para ver o que tinha acontecido com ela.

Marina estava muito pálida, olhos fechados numa expressão de alívio derradeiro, vestida como se tivesse acabado de voltar da rua, com as pernas pra fora da cama, ainda de sapados. Não fosse pela posição bizarra, Guilherme poderia achar que estivesse dormindo.

- Mãe! Acorda, mãe! – Guilherme a sacudiu, vigorosamente. Tudo o que conseguiu foi mexê-la como uma boneca de pano. Ele se curvou sobre o rosto dela para tentar sentir sua respiração; estava muito fraca, mal dava para senti-la coçar a pele – Droga, mãe! – segurou seu braço e pressionou o dedo para checar sua pulsação. Também estava fraca, difícil de perceber, mas estava lá.

Ele procurou ao redor o que a tinha colocado naquele estado, mesmo que já imaginasse o que poderia ter sido. Logo ali, perto da sua mão esquerda, estava um frasco cheio de calmantes completamente vazios.

- Droga!

Ainda havia tempo. Pegou o celular no bolso e, desesperado, apertou a discagem rápida. O telefone chamou, chamou, chamou. Guilherme ficou ainda mais apavorado, com medo que ninguém o atendesse.

- Alô? – Eduardo disse.

- Pai?! Vem pra cá, agora!

- O que houve, Guilherme? – seu pai perguntou do outro lado da linha, confuso.

- Acho que a mãe tentou se matar.

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