sábado, 26 de junho de 2010

Vinte e Cinco - Desculpas

No dia seguinte, Rafael acordou mais cedo, tomou banho mais rápido e, praticamente, engoliu o café-da-manhã. Sueli até estranho o filho recusar a carona, mas não se opôs. Assim que terminou de escovar os dentes, Rafael apanhou a mochila, correu pro portão de casa e sentou no meio-fio, esperando que Selton saísse. Sentiu o frio da manha incomodar, aquele dia amanheceu acinzentado, uma névoa rasteira e uma brisazinha chata. Era a promessa de que lá pelo meio-dia, o calor ia rachar o chão!

Não demorou muito e Selton saiu, com a mochila nas costas, o habitual boné verde, com a aba apontando para baixo. “Nossa! Esse cara é muito lindo!”

Selton fechou o portão e viu Rafael do outro lado da rua. Era claro que ele estava constrangido em ver o amigo. Ele respirou fundo e atravessou.

- Bom dia. - Selton disse primeiro.

- Bom dia - Rafael respondeu, também constrangido - Eu queria pedir desculpas por ontem, cara. Eu fui grosso com você.

- Eu que tenho que pedir desculpas, Rafa. Eu acabei não pensando direito e falei o que não devia. Não tenho nada a ver com a sua vida pessoal.

Rafael se espantou e, em seguida, ficou indignado:

- É lógico que tem! Você é meu amigo! Eu só fiquei irritado, ontem! Saí da quadra ontem de cabeça quente, e acabei descontando em você.

Selton olhou, profundamente, em seus olhos.

- Eu te entendo. Eu também não estava com as idéias no lugar certo - ele estendeu a mão para Rafael - Amigos de novo?

Rafael respondeu ao aceno:

- Nunca brigamos.

Vinte e Quatro - Desejo Oprimido

Alex tinha feito como o amigo sugerira: encheram a cara de vodka e vinho e acabou capotando no sofá da sala. E beberam muito! Alex tirou a roupa e dormiu apenas de cueca e um lençol que o amigo emprestara. Isso já era mais de uma da manhã e tinham que acordar cedo pra ir para o quartel. Alex mal teve tempo de tirar a roupa e se cobrir e já estava dormindo, graças às quantidades absurdas de álcool que tinha ingerido.

Rodrigo tinha dito que também iria dormir, mas ao ver o amigo semi-nu, praticamente desmaiado no seu sofá, não resistiu. Pegou mais uma latinha de cerveja na geladeira - mesmo sabendo que mais álcool só o faria mal - e se sentou na poltrona. Ligou a televisão quase sem volume nenhum. Se Alex acordasse, poderia dar a desculpa que estava assistindo Intercine.

Alex era um Apolo, um deus entre os homens de tão belo. Por isso, ser amigo dele era uma tarefa, no mínimo, hercúlea. Principalmente, antes de começar a namorar. Rodrigo tinha lá sua atração por mulheres, mas só saia e transava com elas pra ficar por perto de Alex, que as atraia como moscas ao mel. Mal conseguia se excitar com elas quando sabia que Alex estava no quarto ao lado, dando a elas, o prazer que ele queria. Por outro lado, desde que Alex conhecer Carla, as noites de orgia se acabaram, e as poucas oportunidades de ver Alex pelado e em plena forma, se extinguiram. Agora, tinha que se contentar em relembrar e fantasiar como seria estar com Alex. E o pior é que sabia que ser possuído por aquele homem seria a maior transa de sua história.

Então sua mente começou a vagar.

“Os vídeos... o irmão gay... a bebida. Talvez hoje possa rolar alguma coisa...” Não seria a primeira vez que usaria a fragilidade e a bebida de amigos héteros pra conseguir uma transa – e duvidava que um dia haveria a última. Algumas vezes nem precisou que o cara acordasse; abusou dele inconsciente mesmo. Tudo o que precisava era puxar suavemente e lençol e com cuidado tirar o pau de Alex pra fora. Daí, só precisaria de uma camisinha e um pouco de lubrificante, porque sabia Alex ficava excitado com qualquer toque; dormindo, não precisaria nem pensar que já estaria com o mastro levantado.

Com cuidado e ansiedade, ele se levantou, colocou a latinha de cerveja no chão e, suavemente puxou o lençol até os joelhos de Alex, deixando expostas aquelas coxas avantajadas e firmes de tanto futebol, a barriga toda dividida em gomos monstruosos, o peitoral estufado e os braços firmes como sequóias. A cueca slip, embora fosse G, parecia esmagar impiedosamente sua cintura e delineava com perfeição a mala que tinha entre as pernas. Alex era a afronta definitiva a qualquer gay, um poço de beleza infinita reservado apenas às mulheres.

Não aquela noite...

Vinte e Três - Peso na Consciência

Depois que se acalmou, Rafael percebeu que fora muito grosso com Selton. Mesmo que o considerasse muito invasivo – o que não era o caso – gritar e xingar fora totalmente desnecessário. Ainda mais com Selton, o cara que o deixava nas nuvens! “Ele só estava preocupado. você ficou emburrado o caminho todo! Qualquer amigo de verdade ficaria apreensivo.”

“Será que ele estava jogando verde?...” encheu-se de esperança, enquanto olhava para o teto branco de seu quarto. Por um momento, experimentou o doce sabor de uma felicidade infantil, vislumbrou um possível interesse de Selton por ele.

“Não seja idiota! Você está procurando chifre em cabeça de cavalo! Ele e Débora já estão quase acertados”

Selton e Débora. Parou para pensar por um instante e até que eles faziam um bonito par. Tinha que parar com aquela crise de ciúmes, tinha que parar de pensar em Selton como alvo de interesse afetivo e sexual. Eles eram amigos, e isso era mais importante que qualquer outra coisa. O que significava que devia a ele um pedido de desculpas.

Vinte e Dois - Orientação de Um Amigo

Alex tinha ligado pra Carla e dito que não poderia ir à casa da namorada, como combinado. Disse que tinha surgido um problema e que depois ligaria de volta. Carla ainda tento saber o que tinha acontecido, ao reparar que a voz do namorado estava diferente, catatônica talvez; mas ele não deu mais detalhes.

Seu irmão era gay. Se tivesse encontrado um ou dois arquivos, talvez ainda pudesse se enganar. Mas contou quase três gigabytes de pornografia gay no computador de Rafael. Não podia ser outra coisa. Desnorteado, precisava de alguém pra poder colocar as idéias no lugar, saber o que pensar ou fazer.

Pensou em conversar com o irmão, mas não queria confrontá-lo, principalmente de cabeça quente. Falar com a mãe poderia piorar a situação. Só podia agradecer pelo pai não estar vivo, era menos uma pessoa com quem se preocupar. Só tinha uma pessoa em quem podia confiar. Rodrigo.

Sem pestanejar, passou no supermercado mais próximo, comprou duas caixas de morango, uma lata de leite condensado e duas garrafas de vodka e mais uma de vinho. Quando abriu a porta da quitinete, Rodrigo arregalou os olhos assustado com a munição que o amigo tinha levado.

- Cabo, quando você me falou que o assunto era grave, não imaginei que seria tão grave assim! – disse pegando umas sacolas para aliviar o peso – Entra.

- Valeu, soldado. Mas a coisa é grave mesmo.

Rodrigo morava numa quitinete no centro da cidade, perto quase de tudo. Era um apartamento pequeno, na sala só tinha espaço para um sofá cama, uma poltrona e a estante com a televisão e o DVD player. A cozinha era outro cômodo apertado, mal dava pra ficarem duas pessoas dentro dela; a sensação sufocante só podia ser aliviada pelo balcão estilo americano que abria uma abertura para a sala. O quarto era outro aperto. Rodrigo tinha aberto mão dos guarda roupas convencionais para usar apenas uma arara pra pendurar as roupas, já que não tinha muitas e usava praticamente só a farda; meias e cuecas ficavam guardas nas gavetas da cama de solteiro.

- O que aconteceu, Cabo? – Rodrigo perguntou, sentando no banco alto, encostado no balcão da cozinha, enquanto Alex, do outro lado, jogava morangos, leite condensado e vodka num liquidificador. Seu como de vinho, antes cheio, já estava pela metade, e não era um copo pequeno.

- Não sem nem como explicar, soldado. Não sei nem se devia.

- Você veio aqui, Cabo...

- Eu vim, mas é problema de família, soldado.

- Saquei. Olha, se quiser só ficar aí de bobeira, sem problemas. A gente enche a cara, você capota no sofá, como antigamente, e está tudo certo.

- Valeu, Cabo. Só que eu preciso mesmo de um conselho, porque não sei o que fazer a respeito – Alex secou a mão no pano de prato e abriu seu notebook, que havia trazido em outra sacola. Ligou-o em cima do balcão e esperou o sistema carregar. Rodrigo olhava intrigado. Assim que tudo estava ligado, Alex correu o dedo pelo touch pad e abriu um arquivo de vídeo nomeado “Fuck That Ass”.

- Ah! Fala sério, Cabo! Não pude chamar mulher, mas você me trás filme pornô?! – Rodrigo protestou.

- Só olha, soldado – Alex disse, sério.

O player carregou e começou o filme. Quando Rodrigo percebeu que era um filme gay, seu sangue gelou. “Como ele sabe?”, pensou , desesperando. “E porque ele está me mostrando isso?” Ele olhava fixamente para o filme e sentia seu pau subindo. “Merda!” Com Alex ali, tão perto, não precisa de filme pornô pra ficar excita, mas se não se controlasse acabaria se entregando.

- Que porra é essa, Cabo?! – Rodrigo tentou mostrar algum assombro, talvez repulsa, mas se Alex não estivesse preocupado, teria percebido que ele estava na verdade gostando de ver dois homens transando.

- Foi exatamente a minha pergunta, soldado. Achei hoje no computador do meu irmão.

- Sério? Do Rafael?! – Rodrigo fingiu espanto, para encobrir seu alivio.

- Sério, Soldado. Meu irmão, gay

- Ah! Que isso, Cabo! Às vezes ele baixou esse vídeo de curiosidade, ou por engano...

- Pensei a mesma coisa. Só que tinha 3Gb de vídeos, dezenas e mais dezenas e nenhum filme hétero. Só ... homens... – Alex já tinha se irritado com os gemidos do filme, e desligou o player, bruscamente.

- 3Gb? – Rodrigo comentou impressionado – Como você achou isso, afinal? Foi fuçar nas coisas do irmão e achou o que não devia?

- Eu não fui fuçar! Ele pediu pra formar o computador, e quando passei o antivírus pra achei os vídeos.

Rodrigo olhou para o amigo, começando a formular as próprias idéias. Alex estava mesmo confuso com aquela situação.

- E o que você está pensando, soldado?

- Em nada e um monte de coisas ao mesmo tempo... – Alex disse, tomando longo gole de vinho.

- Você não concorda, não aceita que ele talvez goste de garotos? – Rodrigo pensou, receoso com a resposta que poderia ter. Claro que ele tinha uma atração descomunal por Alex, mas sua amizade era mais importante do suas fantasias sexuais, caso contrário já teria investido nele há muito tempo. Mesmo que não fosse conseguir nada com Alex, gostaria de um dia pelo menos poder contar a ele como amigo, sua verdadeira orientação sexual. Sua inclinação para tal, agora, dependeria da resposta que vinha a seguir:

Alex hesitou.

- Não sei! Não sei, mesmo, soldado! Eu não tenho problemas com a vida das outras pessoas. Mas, meu irmão?... Meu próprio irmão?! Eu não sei o que pensar!

“Não era exatamente essa a resposta que eu esperava...”

- Às vezes é só coisa da idade?... Vai me dizer que também nunca teve esse tipo de dúvida?... – Rodrigo cogitou.

- Eu sempre gostei de mulher, soldado... – Alex respondeu.

- Claro que gostou... – Rodrigo comentou consigo mesmo.

- Eu não sei se conto pra minha mãe...

- Melhor, não. Se o Rafael for mesmo gay, o fato dele ter pornografia no computador não significa que ele já seja bem resolvido. Ele pode ter milhões de dúvidas na cabeça e contar pra sua mãe pode colocá-lo numa situação que ele ainda não está pronto, que nenhum de vocês ainda está pronto.

Alex observou bem o amigo.

- Você está falando como quem tem experiência no assunto.

Rodrigo hesitou.

- Éh, talvez tenha um pouco... – disse, pensando na ironia.

- E falar com ele? Acha que eu devo ou...?

- Acho que você deveria primeiro descobrir o que você acha a respeito, pra não acabar fazendo uma besteira.

- “Besteira”? O quê?! Você acha que vou bater no meu irmão porque ele é gay?

- Tem gente que faz pior, Cabo.

- Eu sei, soldado. Eu nunca faria nada de ruim ao meu irmão. Só não sei o que fazer, o que pensar. Nunca pensei isso do Rafael. Acho que só não estava preparado. Não estou, na verdade.

Rodrigo respirou fundo e deu um tapinha encorajador no ombro do amigo.

- Você vai, Cabo. Até porque, você não tem muita escolha mesmo...

- Tem razão, soldado. – Alex respondeu, abatido.

Vinte e Um - Conselho do Pai

Selton abriu a porta com violência e entrou em casa batendo o pé.

- Idiota! – resmungou.

- Ei, Robinho! – Hugo o chamou, vindo da cozinha. Ele estava vestido com uma camisa de algodão bem leve, uma bermuda listrada e chinelos de dedo, um alivio confortável das horas que passava de terno e sapato fechado. Estava segurando um copo de iogurte de amora na mão e uma colher na outra - Sua mãe me falou que você já foi jogar bola com o pessoal do colégio, como foi?

- Foi bom, pai – ele respondeu, de cara fechada.

- Sério?! – perguntou, ironicamente – Não parece.

- Foi bom, sim, pai. Entrei numa dividida com um cara que quase quebrou minha perna, está doendo muito – usou a mesma mentira de antes - Só quero subir, passar uma pomada na perna e dormir.

- Entendi – Hugo disse – Mas você sabe que entrou sem mancar e nenhuma das suas pernas tem nem hematoma nem corte, não é?

Selton olhou para suas pernas e percebeu que tinha sido pego na mentira.

- Os outros não notaram...

- Vamos fazer o seguinte: eu finjo que você não tentou mentir pra mim, se me contar o que realmente aconteceu.

Selton olhou para o pai com um olhar desanimado. Embora fosse um acordo justo, ele não estava nem um pouco inclinado à falar.

- Eu só fui na onda errada dos outros e acabei falando o que não devia. Só isso.

- Não parece com você. Diferente do seu irmão, você não se deixa influenciar pelos outros.

- Não sei o que me deu, pai! E o pior é que, com as idéia erradas na cabeça, magoando o único amigo que tinha feito até agora.

- O que você falou? – Hugo perguntou, tomando um pouco do iogurte.

Selton engoliu a seco e ficou calado.

- Qual é?! Não pode ser tão ruim assim? – Hugo desacreditou.

- Pior de tudo é que é ruim, mesmo!

- Tão ruim que você não pode me falar?

- Não.

Hugo arregalou os olhos.

- Não sei nem como vou olhar no rosto dele amanhã. Não sei nem como pedir desculpas pelo que falei.

- Faça o seguinte: - Hugo disse, tranquilamente – Suba pro seu quarto, cuide dessa sua perna machucada e durma, esfrie a cabeça. Amanhã, você descobre como pedir desculpas.

Selton suspirou, resignado.

- Se ele quiser falar comigo.

- Tem que pelo menos tentar.

- Você está certo.

- Sei que estou... – Hugo disse, voltando pra cozinha, terminando seu iogurte de amora.