sábado, 26 de junho de 2010

Vinte e Dois - Orientação de Um Amigo

Alex tinha ligado pra Carla e dito que não poderia ir à casa da namorada, como combinado. Disse que tinha surgido um problema e que depois ligaria de volta. Carla ainda tento saber o que tinha acontecido, ao reparar que a voz do namorado estava diferente, catatônica talvez; mas ele não deu mais detalhes.

Seu irmão era gay. Se tivesse encontrado um ou dois arquivos, talvez ainda pudesse se enganar. Mas contou quase três gigabytes de pornografia gay no computador de Rafael. Não podia ser outra coisa. Desnorteado, precisava de alguém pra poder colocar as idéias no lugar, saber o que pensar ou fazer.

Pensou em conversar com o irmão, mas não queria confrontá-lo, principalmente de cabeça quente. Falar com a mãe poderia piorar a situação. Só podia agradecer pelo pai não estar vivo, era menos uma pessoa com quem se preocupar. Só tinha uma pessoa em quem podia confiar. Rodrigo.

Sem pestanejar, passou no supermercado mais próximo, comprou duas caixas de morango, uma lata de leite condensado e duas garrafas de vodka e mais uma de vinho. Quando abriu a porta da quitinete, Rodrigo arregalou os olhos assustado com a munição que o amigo tinha levado.

- Cabo, quando você me falou que o assunto era grave, não imaginei que seria tão grave assim! – disse pegando umas sacolas para aliviar o peso – Entra.

- Valeu, soldado. Mas a coisa é grave mesmo.

Rodrigo morava numa quitinete no centro da cidade, perto quase de tudo. Era um apartamento pequeno, na sala só tinha espaço para um sofá cama, uma poltrona e a estante com a televisão e o DVD player. A cozinha era outro cômodo apertado, mal dava pra ficarem duas pessoas dentro dela; a sensação sufocante só podia ser aliviada pelo balcão estilo americano que abria uma abertura para a sala. O quarto era outro aperto. Rodrigo tinha aberto mão dos guarda roupas convencionais para usar apenas uma arara pra pendurar as roupas, já que não tinha muitas e usava praticamente só a farda; meias e cuecas ficavam guardas nas gavetas da cama de solteiro.

- O que aconteceu, Cabo? – Rodrigo perguntou, sentando no banco alto, encostado no balcão da cozinha, enquanto Alex, do outro lado, jogava morangos, leite condensado e vodka num liquidificador. Seu como de vinho, antes cheio, já estava pela metade, e não era um copo pequeno.

- Não sem nem como explicar, soldado. Não sei nem se devia.

- Você veio aqui, Cabo...

- Eu vim, mas é problema de família, soldado.

- Saquei. Olha, se quiser só ficar aí de bobeira, sem problemas. A gente enche a cara, você capota no sofá, como antigamente, e está tudo certo.

- Valeu, Cabo. Só que eu preciso mesmo de um conselho, porque não sei o que fazer a respeito – Alex secou a mão no pano de prato e abriu seu notebook, que havia trazido em outra sacola. Ligou-o em cima do balcão e esperou o sistema carregar. Rodrigo olhava intrigado. Assim que tudo estava ligado, Alex correu o dedo pelo touch pad e abriu um arquivo de vídeo nomeado “Fuck That Ass”.

- Ah! Fala sério, Cabo! Não pude chamar mulher, mas você me trás filme pornô?! – Rodrigo protestou.

- Só olha, soldado – Alex disse, sério.

O player carregou e começou o filme. Quando Rodrigo percebeu que era um filme gay, seu sangue gelou. “Como ele sabe?”, pensou , desesperando. “E porque ele está me mostrando isso?” Ele olhava fixamente para o filme e sentia seu pau subindo. “Merda!” Com Alex ali, tão perto, não precisa de filme pornô pra ficar excita, mas se não se controlasse acabaria se entregando.

- Que porra é essa, Cabo?! – Rodrigo tentou mostrar algum assombro, talvez repulsa, mas se Alex não estivesse preocupado, teria percebido que ele estava na verdade gostando de ver dois homens transando.

- Foi exatamente a minha pergunta, soldado. Achei hoje no computador do meu irmão.

- Sério? Do Rafael?! – Rodrigo fingiu espanto, para encobrir seu alivio.

- Sério, Soldado. Meu irmão, gay

- Ah! Que isso, Cabo! Às vezes ele baixou esse vídeo de curiosidade, ou por engano...

- Pensei a mesma coisa. Só que tinha 3Gb de vídeos, dezenas e mais dezenas e nenhum filme hétero. Só ... homens... – Alex já tinha se irritado com os gemidos do filme, e desligou o player, bruscamente.

- 3Gb? – Rodrigo comentou impressionado – Como você achou isso, afinal? Foi fuçar nas coisas do irmão e achou o que não devia?

- Eu não fui fuçar! Ele pediu pra formar o computador, e quando passei o antivírus pra achei os vídeos.

Rodrigo olhou para o amigo, começando a formular as próprias idéias. Alex estava mesmo confuso com aquela situação.

- E o que você está pensando, soldado?

- Em nada e um monte de coisas ao mesmo tempo... – Alex disse, tomando longo gole de vinho.

- Você não concorda, não aceita que ele talvez goste de garotos? – Rodrigo pensou, receoso com a resposta que poderia ter. Claro que ele tinha uma atração descomunal por Alex, mas sua amizade era mais importante do suas fantasias sexuais, caso contrário já teria investido nele há muito tempo. Mesmo que não fosse conseguir nada com Alex, gostaria de um dia pelo menos poder contar a ele como amigo, sua verdadeira orientação sexual. Sua inclinação para tal, agora, dependeria da resposta que vinha a seguir:

Alex hesitou.

- Não sei! Não sei, mesmo, soldado! Eu não tenho problemas com a vida das outras pessoas. Mas, meu irmão?... Meu próprio irmão?! Eu não sei o que pensar!

“Não era exatamente essa a resposta que eu esperava...”

- Às vezes é só coisa da idade?... Vai me dizer que também nunca teve esse tipo de dúvida?... – Rodrigo cogitou.

- Eu sempre gostei de mulher, soldado... – Alex respondeu.

- Claro que gostou... – Rodrigo comentou consigo mesmo.

- Eu não sei se conto pra minha mãe...

- Melhor, não. Se o Rafael for mesmo gay, o fato dele ter pornografia no computador não significa que ele já seja bem resolvido. Ele pode ter milhões de dúvidas na cabeça e contar pra sua mãe pode colocá-lo numa situação que ele ainda não está pronto, que nenhum de vocês ainda está pronto.

Alex observou bem o amigo.

- Você está falando como quem tem experiência no assunto.

Rodrigo hesitou.

- Éh, talvez tenha um pouco... – disse, pensando na ironia.

- E falar com ele? Acha que eu devo ou...?

- Acho que você deveria primeiro descobrir o que você acha a respeito, pra não acabar fazendo uma besteira.

- “Besteira”? O quê?! Você acha que vou bater no meu irmão porque ele é gay?

- Tem gente que faz pior, Cabo.

- Eu sei, soldado. Eu nunca faria nada de ruim ao meu irmão. Só não sei o que fazer, o que pensar. Nunca pensei isso do Rafael. Acho que só não estava preparado. Não estou, na verdade.

Rodrigo respirou fundo e deu um tapinha encorajador no ombro do amigo.

- Você vai, Cabo. Até porque, você não tem muita escolha mesmo...

- Tem razão, soldado. – Alex respondeu, abatido.

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