sexta-feira, 18 de junho de 2010

Dezessete – Bairro

O dia ficou ainda mais ensolarado, a luz ofuscava mais do que seria agradável e o calor beirava o insuportável. No entanto, Rafael nem se incomodava com aquilo. A conversa com Selton o distraía de absolutamente tudo que o cercava. Eles pararam em uma sorveteria e compraram um sorvete para aliviar um pouco o calor e voltaram a andar. Quando se lembrava, Rafael dizia o nome de alguma rua importante e alguma referência dela. Disse onde morou durante os primeiros meses que se mudou e alguns vizinhos que marcaram sua vinda para cidade.

- Mas, então, você é de Brasília mesmo? - perguntou Rafael.

- Nasci lá, sim. E você, é daqui mesmo?

- Não, nasci no Rio de Janeiro, mas meu pai pediu transferência para cá.

- Emprego? - Selton perguntou, antes de dar uma mordida na bola de sorvete de maracujá.

- Eh! Ele era Tenente do Exército. Então, tivemos que nos mudar todos.

- “Era” do exército? Ele pediu baixa do exército?

Nesse momento, Rafael engasgou. Aquele era um assunto bem delicado.

- Meu pai morreu há uns nove anos.

- Sinto muito - disse Selton, depois de um tempo se culpando pela pergunta.

- Não sinta.

- Como não? - espantou-se Selton com a estranha displicência.

- Ah! - exclamou Rafael. - Meu pai morreu quando eu era muito criança, não me lembro direito dele, nem de como ele morreu.

E era verdade. Ele não se lembrava da figura do pai. Lembrava-se que tinha os olhos dele, azuis intensos, e de algumas canções que o pai cantara para ele dormir. E lógico, da farda camuflada! Rafael se sentia triste pela morte do pai, afinal de contas, se não fosse por ele, não existiria, mas não chegava a sentir falta, propriamente dito. Às vezes se culpava por não sentir a falta do pai, mas não conseguia ser diferente.

- Entendi. - suspirou Selton ainda constrangido.

O clima entre os dois ficou tenso, se calaram por longos minutos. Selton parecia ter se escondido na aba do boné enquanto olhava para os pés e Rafael preferia olhar para o céu azul com poucas nuvens.

E aquele silêncio incômodo começava a espetar Rafael, que buscou em sua mente qualquer pergunta que pudesse engatar uma nova conversa.

- Você tinha namorada em Brasília? - até ele mesmo se surpreendeu por ter feito aquela pergunta tão íntima. Vocês mal se conhecem!

- Fiquei com umas garotas por lá, mas nunca levei ninguém a sério. - respondeu Selton espontaneamente.

- Malandro, hein! - brincou Rafael com um sorriso.

- Ah! Não é isso. Não sou galinha! - respondeu o outro meio sem jeito. - Nunca achei ninguém que me instigasse ao ponto de querer namorar. E não fico por ficar, pra mim tem que rolar alguma afinidade, se não, não tem graça.

- Saquei. Mas nunca ninguém insistiu?

- Não. Acho que eu não dava tempo para isso. Quando via que a coisa podia ficar mais séria eu me esquivava.

- Então, você tem medo. É isso?

- Acho que é. Minha vida é muito especial pra eu dividir com qualquer um.

- Eu pensava assim também. Mas tenho mudado isso ao poucos. Quem não interage, perece. - disse Rafael com uma propriedade que não era dele.

- Filosófico! - caçoou Selton com um sorriso.

Ah! Aquele sorriso...

Rafael repetiu o gesto, sentindo-se muito feliz por ter a companhia daquele garoto que o deixava fascinado.

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