quinta-feira, 24 de junho de 2010

Vinte - Perguntas e Respostas

O pessoal se concentrou do lado de fora do clube, esperando os retardatários aparecerem. Dali, o plano era rumar para um barzinho qualquer, com cerveja barata. Problemas com idades? Nenhum! Verdade seja dita, a maioria dos garotos ali já tomaram porre em cima de porre, muito antes de chegar a maioridade e boa parte dos bares de Juiz de Fora não pedem identidade para averiguar quem é adulto ou não.

Rafael notou que Selton voltou do vestiário com cara de poucos amigos. Não destratou ninguém, mas para quem fora considerado o jogador do dia, não estava nem um pouco feliz. Rafael perguntou o que tinha acontecido.

- Nada! Só ouvi uma conversa no vestiário que me deixou bolado. Mas depois a gente conversa – Selton disse, reservadamente – Aqui não dá pra falar.

Rafael não pôde fazer nada além de deixar pra conversarem depois.

Quando todos saíram do clube, a questão de “pra onde iriam” foi levantada. Rafael não se sentia bem para ir a lugar nenhum, pensando que o dia do trabalho seria fatalmente o dia da sua derrota. Débora pareceu determinada a ficar com Selton em tal data e só de imaginar o que aconteceria fazia o estômago de Rafael revirar.

- Gente, eu vou pra casa! – ele disse – Outra hora a gente marca uma zoada.

E surgiu ondas de protestos, mas Rafael foi firme.

- Falou, galera.

- Eu também estou indo, gente. – Selton disse.

O protesto foi ainda maior.

- Ah! Selton, fica mais, a noite só está começando – Débora disse – Vamos comemorar sua entrada oficial pra turma.

- Galera, valeu mesmo, mas o baixinho ali deu uma trombada em mim que está doendo pra caramba. Só quero ir pra casa e passar uma pomada pra poder ir a aula amanhã.

Todos fizeram um muxoxo, mas se despediram de Selton e Rafael. Ana também decidiu descer com eles, senão teria que ir embora sozinha depois.

No ônibus, Selton melhorou de humor e conversou animadamente com Ana sobre o jogo, como tinha sido bom jogar e se sentir enfim, parte da turma. Mas Rafael permaneceu distante, remoendo a história de Selton e Débora. Ele sabia que era só questão de tempo para que os dois ficassem e ele estava de mãos atadas.

Logo, ali, do seu lado, Selton percebeu a alteração do amigo e, também, ficou apreensivo.

Rafael agradeceu a Deus, quando, finalmente, desembarcou no seu bairro. Só mais algumas ruas e estaria em casa, tomaria um banho quente, jantaria e dormiria tranqüilamente. Mal podia esperar pra relaxar e esquecer da idiotice que foi ter ido assistir ao jogo dos amigos.

Selton desceu logo depois dele, Rafael estava tão aéreo que nem o esperou; só se tocou disso quando o amigo o chamou:

- Ei, cara! Espera!

Rafael estancou e esperou o amigo.

- Desculpa. Estava em outro lugar.

- Eu notei. Você está assim desde o fim do jogo.

- Pois é - murmurou.

A noite já tinha caído por completo, e a única coisa que iluminava a rua era a luz das casas e os postes. Selton ficou calado, esperando que Rafael desenvolvesse alguma idéia, que explanasse sobre sua quietude. Porém, ele permaneceu mudo.

- Por que você está assim, cara?

“Por que a louca da Débora está afim de você, porque você parece estar afim dela, e eu, que sou todo errado, vou ficar chupando dedo, batendo punheta pra um cara que só me vê como amigo”

- Nada, só estou com um pouco de dor de cabeça.

Selton não se convenceu, mas também não discutiu.

- Rafa, posso te fazer um pergunta?

Rafael nem pensou, apenas disse:

- Pode.

- Existe alguma coisa entre você e a Ana? – Selton perguntou, com receio de estar fazendo uma pergunta demasiadamente pessoal.

- Não! Quem disse isso?

- Na verdade a própria Ana. Ela me disse que o pessoal acha que vocês ficam há um tempo.

- Foi essa a conversa que você ouviu no vestiário?

- Também.

- Tem mais alguma coisa?

Selton hesitou, por um longo tempo, franzindo o rosto.

- Não, deixa pra lá, Rafa.

- Fala, cara!

- Não! Você pode ficar irritado!

- Pode falar, Selton!

Mas nada saiu de sua boca. Ele não sabia se Rafael sabia o que Guilherme dizia sobre sua sexualidade; se sabia que algumas pessoas também tinha a mesma impressão e poderia complicar muito a vida de Rafael se falasse o que não devia. Chegou à conclusão que devia comprometer apenas a si próprio. Ele parou, bem embaixo da luz do poste, procurando coragem pra perguntar:

- Rafa, você é ... gay?

Rafael ficou paralisado. Seus neurônios disparavam perguntas demais ao mesmo tempo, dentro de sua cabeça: “o quê?”, “de onde você tirou isso?”, “que absurdo é esse?”, “você também é?”, “quem te deu essa idéia?”, “quem te disse isso?”... Eram tantos pensamentos que ele travou. Até que as coisas foram se acalmando e ele pensou: “Sou! E estou completamente apaixonado por você”.

Ele encarou Selton diretamente nos olhos, sem piscar, o rosto trincado. Selton devolvia o mesmo olhar firme, esperando a resposta que demorava a vir.

- Não! – Rafael respondeu, a coragem de finalmente admitir o que sentia indo embora. Se virou para continuar seu caminho, decepcionado consigo mesmo. Primeiro Guilherme no seu pé, perseguindo-o onde quer que fosse, como uma sombra maldita, depois Débora conquistando aos poucos a atenção de Selton. Tivera a chance de acabar com seu sofrimento de uma vez por todas, assumir o que sentia e, mesmo que não fosse correspondido, aquela questão estaria encerrada de uma vez por todas., mas fraquejara no último segundo.

- Tem certeza, Rafa? Não tem problema se você for...

Rafael o interrompeu bruscamente:

- Já disse que não, Selton! Que saco!

Selton se assustou com a alteração de Rafael. Ele sempre fora um garoto tranqüilo e não era dado a xingar ou gritar.

- Desculpa, cara. Não queria te aborrecer.

- Então, pare de tocar nesse assunto! - e, ainda mais enfurecido, Rafael andou na frente sem esperar por Selton.

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