Rafael estava quase dormindo, de tanto tédio. Sentiu alivio quando o jogo acabou e viu os garotos, finalmente, irem para o vestiário. Logo, estaria a caminho, senão de casa, pelo menos, de um bar, onde não teria que escutar a voz irritante de Débora falar de Selton o tempo todo.
- Você viu como o Selton joga bem? – ela perguntou pra Ana.
- Ele joga muito bem mesmo. E no começo do jogo os meninos estavam receosos com ele.
- E quando ele veio aqui, falar com a gente no meio do jogo? Todo suado, cansado, parecendo um gladiador.
Rafael deu um riso esganiçado, achando graça do “gladiador”.
- Que foi, Rafa? – Débora perguntou.
Ele se limitou a dizer
- Nada!
- Ele andou me perguntando de você hoje mais cedo? – Ana disse.
Rafael, que estava de olho fechado, quase pegando no sono, levantou num solavanco.
- Sério? E o que você disse?
- Ah! Falei a verdade, que você é... espontânea – Ana respondeu, sem graça, tentando omitir partes daquela conversa.
- E ele? Ele disse alguma coisa?
- Ele disse que... gosta de garotas espontâneas – ainda hesitante.
O sangue de Rafael congelou.
- Ele disse isso?! – Rafael perguntou, subitamente, engolindo em seco.
Ana e Débora se assustaram com a interjeição repentina de Rafael.
- Digo... normalmente os caras gostam mais das garotas mais... recatas... mais tímidas.
- Isso é mito, Rafa! Eles dizem isso porque tem medo de garotas muito decididas, mas é só chegar com cuidado que eles adoram.
Ana parou pra pensar no que Débora falou e estranhou que a garota tinha excluído Rafael da categoria dos garotos.
- E o que mais ele falou? – Débora disse, batendo ansiosamente na perna da amiga.
Rafael queria sair dali, pra não escutar mais nada que pudesse deixá-lo pra baixo. Já tinha escutado o suficiente. Por outro lado, não se perdoaria se saísse de perto e deixasse de escutar algo que melhorasse suas esperanças.
- Dé, vai com calma. Ele também me falou que já percebeu que você está afim, mas, por enquanto ele não quer rolo com ninguém.
- Sério, Ana? – a voz de Débora murchou, junto com sua animação – Por quê?
- Não sei, Débora. Às vezes ele tinha namorada em Brasília e ainda não superou o término...
“Não é isso”, Rafael pensou, acompanhando a conversa. “Ele não namorava ninguém em Brasília?”
- Não é isso. Ele não namorava ninguém em Brasília.
- Ele te falou isso?! – Rafael perguntou, esbaforido.
- Disse. A gente conversado muito sobre relacionamentos e tal...
Rafael não acreditou.
- Só vá com calma, ok? – Ana advertiu.
- Claro que vou. Com muita calma. Com a química que tem rolado entre a gente, até o dia do trabalho eu o faço mudar de idéia.
Rafael ouviu o que podia agüentar. De súbito, ele se levantou da arquibancada e foi em direção à lanchonete de clube.
- Onde você vai, Rafa? – Ana gritou.
- Comprar alguma coisa pra beber! Qualquer coisa é melhor do que ficar ouvindo conversa de garota!
Ana desceu atrás de Rafael correndo. Ela o puxou pelo braço e o virou com força. Rafael desejou, ardentemente, que ninguém a visse fazer aquilo, ou então teria que ouvir vários comentários maldosos. Se bem que, com Guilherme o infernizando por aí, seria melhor mesmo que todo mundo inteira os visse.
- O que está acontecendo com você, Rafa? Você tem agido estranho, não é de hoje!
- Do que você está falando, Ana? – Rafael se fez de desentendido.
- Dessa história do Guilherme entrar pro nosso grupo! Vocês nunca foram amigos e ele foi pedir logo pra você! Você decidiu vir ver jogo de futebol! E tem mudado de humor de repente, fica nervoso sem motivo nenhum... às vezes parece que tem uma nuvem negra pairando sobre sua cabeça!
Rafael viu que a amiga estava realmente preocupada com ele.
- ENão posso mudar de humor mais não? Tenho que estar sempre sorrindo ou sempre emburrado?
- Não é isso, Rafael! Só que, sempre que você fica pra baixo, você me fala o que está acontecendo e, esses dias, você simplesmente fez voto de silêncio!
- Não está acontecendo nada, Ana! Acredite em mim!
- Você precisa aprender a mentir, Rafa!
- Não estou mentindo! – protestou.
Ana torceu o nariz. Estava impelida a continuar o interrogatório, mas logo viu que não adiantaria nada:
- Ok, Rafa, você venceu! Mas quando quiser me contar, saiba que eu estou aqui! - e o abraçou.
Rafael a abraçou, mas nem entendeu aquela expressão de sentimentalismo. Eles eram muito amigos, mas raramente se expunham daquela maneira. E, junto com essa confusão racional, ele se sentiu confortável.
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