quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trinta e Três - Deletar

Ana já tinha ido embora. Rafael subira para o seu quarto, ainda se sentindo pesado, remoendo o gosto daquele estranho fracasso.

“Talvez eu não seja capaz de tirar isso de dentro de mim. Talvez nem deva... Talvez seja algo pra guardar só comigo, se não quiser ficar sozinho. Até porque, logo esqueceria aquela história de estar apaixonado por Selton e, se tudo der certo, até mesmo de garotos de uma forma geral. Não precisaria contar nada para Ana, porque, no fim das contas, não haveria nada para contar. Não haveria nada para contar a ninguém”

Rafael ligou seu computador, com uma idéia fixa na cabeça: enterraria de uma vez por todas aquela história de gostar de garotos e começaria pelos vídeos. Assim que o computador concluiu a inicialização, Rafael clicou em “Meus Documentos” e abriu a pasta em que guardava seus vídeos. Era uma lista imensa, vários e vários vídeos, baixados durante a madrugada acompanhados de muita punheta e porra. Aquilo estava para acabar, cair em esquecimento. Rafael apertou ctrl +a e todos os arquivos dentro da pasta foram selecionados. A partir daquele dia esqueceria a existência de pornografia. Gay pelo menos. Ainda havia um imenso mar digital de pornografia hétero para se divertir.

Com certa hesitação, ele apertou o Del. A caixa de mensagens apareceu e um a um os vídeos foram deletados. Ia demorar deletar centenas de vídeos.

- O que você está fazendo? – Alex perguntou.

Rafael se assustou e num reflexo já muito bem treinado, ele apertou Windows + d, e todas as janelas abertas foram minimizadas.

- Só... deletando alguns arquivos – ele respondeu, sobressaltado – Não era pra você estar trabalhando?

Alex ainda vestia a farda camuflada, a boina verde e o coturno pesado, que lhe cobria até a metade da canela. Era impressionante ver como o irmão ficava bem fardado.

- Que horas você acha que são? – Alex respondeu.

Rafael girou na cadeira e viu. Já era bem tarde.

- Achei que fosse mais cedo.

- Acabei de chegar.

- Hmm... – Rafael murmurou – Bem vindo – Alex raramente subia ao segundo andar pra dar “oi” para ele. Quando chegava, ia direto para o banho e depois saia para encontrar a namorada. Quando muito, ficava pra jantar. Observando melhor, Alex parecia um pouco tenso, com olhos bem abertos, e respiração curta – Tem alguma coisa errada?

Alex hesitou.

- Na verdade tem – Alex entrou no quarto do irmão, sentou-se em sua cama, puxou com força a cadeira em que Rafael estava sentando e colocou frente a frente. Rafael encarou o irmão mais velho com um olhar assustado.

Alex pensou por horas a fio no que deveria fazer a respeito da sexualidade do irmão. O que Rodrigo tinha lhe dito, serviu para alguma coisa. Concordou que não era hora de envolver a mãe no assunto, até descobrir o que Rafael pensava de si mesmo. E a única maneira de saber isso era conversando com ele. E como Rodrigo também tinha dito, não poderia confrontar o irmão até saber o que passava na sua própria cabeça. No último dia, pôde esfriar as idéias e organizá-las. Ainda não era o que esperava da vida do irmão, mas quem era ele pra dizer alguma coisa? Bater, espernear, xingar, ignorar não tornaria as coisas mais fáceis, não mudaria o irmão. E se mudasse, talvez mudasse pra pior. Tudo que podia pensar naquele momento era tornar as coisas mais fáceis para Rafael, ou no mínimo, menos dolorosas.

Olhando nos olhos do irmão, ali, no quarto dele, pensou “E vai ser menos doloroso contar que descobri por acaso os vídeos no computador?” Talvez não houvesse tempo para explicar tudo o que precisava, para fazê-lo entender que foi um acidente. “E se ele quiser contar? E se ele estiver se preparando para contar pra gente e acabar atropelando o tempo dele?”

- Alex, o que foi? – Rafael perguntou – Você está me assustando.

“Eu estou assustado” As palavras não saiam. Era muito mais complicado do que antecipara. Já tinha enfrentado treinamentos pesados no exército, testes de sobrevivência, salto de pára-quedas, e nada do que passara tinha o deixado tão nervoso quanto naquele momento.

Alex mordeu o lábio, percebendo que ele mesmo ainda não estava pronto para aquela conversa. Mas já tinha alarmado o irmão, precisava de alguma coisa pra falar.

- É que venho pensado há algum tempo... em comprar um par de alianças pra mim e pra Carla.

O olhar de espanto de Rafael sumiu, deixando lugar para um sorriso de felicidade.

-Sério?! As coisas estão sérias assim?

Alex abaixou a cabeça, envergonhado. Realmente, era uma surpresa pensar em alianças, ele nunca ficava com a mesma garota por mais de algumas semanas e Carla vinha resistindo por mais de meses, sem dificuldade alguma. Alex gostava de verdade a garota e antes de achar os vídeos do irmão, estava pensando em comprar um par de alianças e oficializar o namoro dos dois.

- Éh, só que eu nunca fiz isso. Não sei se está cedo, se devo esperar um pouco mais.

Rafael riu:

- Alexandre Moreira Silva e Castro, você está me pedindo conselhos amorosos, porque está inseguro?! Meu Deus! Um sinal do apocalipse!

- Ah! Qual é, Rafael!

- Fala sério? Quando passou pela sua cabeça que você passaria por aquela porta, faria toda essa entrada dramática, pra me perguntar o que eu acho de você dar uma aliança para uma garota?!

Mesmo que “toda aquela entrada dramática” não fosse por causa daquele assunto, Alex tinha que admitir que nem em seus mais loucos devaneios podia imaginar aquilo acontecendo.

- Ok. Você venceu. Mas o que acha?

Rafael tentou ficar sério e pensar no que o irmão lhe pedira por um instante, sem perceber que ele não estava ali para isso:

- Ignorando o fato de que eu também não entendo muito desse assunto, acho que se você gosta mesmo dela, não existe essa história de cedo.

- Eu gosto mesmo dela – Alex admitiu, corando.

- Aí está sua resposta.

- Valeu, mano – Alex se levantou, em partes arrependido de não ter feito o que queria, mas também feliz por ter conseguido uma conversa sincera com o irmão. Talvez aquele fosse o primeiro passo pra conseguir falar do que realmente importava. Quando estava chegando a porta, ele se virou – Quando você estiver gostando de alguém, qualquer pessoa, qualquer pessoa mesmo, pode contar comigo se quiser conselhos, desabafar... qualquer coisa... Ok?

- Alex, você está me assustando. De novo.

Alex sorriu, e desceu para tomar seu banho.

Rafael voltou para o computador e viu que seus vídeos já tinham sido todos deletados, sem jamais suspeitar que ele não tinha sido o único naquela casa a vê-los.

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