segunda-feira, 28 de junho de 2010

Trinta - Contar ou Não Contar?

Rafael tinha chamado Ana para finalmente estudarem probabilidade em sua casa. Com toda aquela maluquice de paixão por Selton, ciúmes da Débora, perseguido por Guilherme e jogos e futsal, ele não teve tempo nem cabeça pra organizar sua mente para estudar algo que não entrava na sua cabeça; precisava de total concentração para conseguir absorver a matéria. Não que estivesse preparado para aprender, mas queria ter outra coisa em mente, pra poder se distrair e tirar Selton da cabeça.

Estavam na sala de estar, com livros, lapiseiras e borrachas espalhados pela mesinha de centro. Era mais confortável estudar ali por que podiam se sentar no chão, com bastante espaço e ficavam bem mais perto da cozinha.

Embora se empenhasse, Rafael não conseguia se concentrar. Sempre que se frustrava, deixava-se levar por seus pensamentos e acabava lembrando-se de seus problemas. Ana estava explicando ao amigo um exercício relativamente simples quando percebeu que não tinha nem uma parcela da atenção dele.

- Terra chamando Rafael. Como vão as coisas em Marte? Algum homenzinho verde?

- Oi? Quê? – Rafael perguntou, confuso.

- Você não ouviu uma palavra do que eu disse, não é mesmo?!

- Não, Ana. Desculpa. Acho que preciso de uma pausa.

- Não tem nem meia hora que estamos estudando, Rafa! – Ana protestou.

- Desculpa, Ana. Eu só estou de cabeça cheia pra estudar. Ainda mais matemática.

Ana olhou para o amigo, com um olhar muito preocupado.

- Presumo que você não vá me contar o que está acontecendo...

Rafael encarou a amiga nos olhos:

- Bem, que eu queria.

- Rafa! Nós somos amigos! Melhores amigos! Você pode me dizer o que quiser! – Ana exclamou, com um misto de desespero, frustração, revolta e preocupação.

Rafael pensou, olhando para a amiga, que devolvia o olhar com uma expressão intensa. Ela sabia que algo de ruim se passava com ele; como ela mesma frisara, eram melhores amigos e conheciam as mínimas nuances de cada um, ou pelo menos quase todas. Nunca tivera coragem de contar para ela que era gay. Na verdade, tivera medo por anos de contar para si mesmo, de admitir que gostava de meninos, e mesmo, agora, que se sentia mais certo do que realmente gostava, ainda era difícil entender o que se passava. Não foi capaz de dizer a verdade a Selton, quando lhe perguntara se era gay, fraquejara no último instante.

Tinha que levar em consideração também, que Selton não era seu melhor amigo, era o cara por quem estava apaixonado é que nunca daria bola pra ele, isso por si só já tornava as coisas complicadas. Ana era sua amiga há anos, sempre estavam juntos pra tudo, podiam contar um com o outro pra qualquer coisa.

Seu otimismo cresceu ao se tocar que podia compartilhar com alguém toda a pressa que vinha sentindo nos últimos dias, se liberar, desabafar, pedir conselho e chorar até! Ana podia ser a pessoa que precisava pra se abrir.

- Eu... eu... – gaguejou. Ana até se inclinou pra frente, na expectativa.

“E se ela não entender? E se ela... e se ela não entender? Eu vou ficar sozinho...” O terror o consumiu como o fogo queima uma floresta. Nunca a idéia de ser rejeitado pela amiga tinha lhe pego com tanta força. Não havia medo de violência, não havia medo de humilhação. Havia o medo de ser abandonado, de estar sozinho, sem ninguém em quem confiar outra vez.

- O que foi? - ela perguntou – Rafa, o que foi?

- Não é nada, Ana – disse, finalmente, secando as lágrimas que brotaram nos olhos. Ele se levantou, de cabeça baixa, indo em direção ao banheiro – Só preciso lavar o rosto e a gente continua estudando

- Rafa, eu sei que tem alguma coisa errada com você! Porque não me conta?

Mas Rafael a ignorou. Bateu a porta do banheiro e se trancou lá. Pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, recuou quando devia ter ido em frente. Podia ter contado a Ana o que sentia por Selton, podia contar que morria de ciúmes de Débora, podia pedir ajuda, qualquer coisa! Ou não... Não podia sacrificar anos de amizade por uma paixão que passaria em alguns dias ou semanas. Amizade vem em primeiro lugar.

Rafael abriu a torneira e encheu as mãos de água, jogou-a no rosto e procurou se acalmar. Tinha que manter o controle pra conseguir convencer Ana de que não havia nada de errado com ele. Ou pelo menos de que não era nada grave.

Ele saiu com o rosto ainda úmido, e encontrou Ana, sentada no chão, debruçada sobre os papéis, lapiseira em punho e cabelo preso. Mesmo concentrada nas contas, Rafael sabia que ela ainda estava preocupada.

- Desculpa, Ana. Só estou estressado com essa matéria, só isso.

Ela levantou o olhar, séria.

- Eu sei, Rafa. Vem cá que eu te ajudo.


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