segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sete - Providências

Rafael não podia acreditar no que Guilherme havia dito. Em nada! Principalmente sobre Débora. A garota não perdia mesmo tempo. Tinha achado um meio de se enfiar no grupo de química, começara a pedir “favorzinhos” e, agora, seguindo Selton a peladas como uma Maria chuteira. Ela não tinha vergonha, não? A resposta parecia bem óbvia.

“Mas que besteira é essa passando na sua cabeça?!”, Rafael pensou. “Selton não é seu namorado, seu idiota! Ele é só o cara por quem você tem uma queda, nada mais que isso! Se você não começar a se controlar, vai acabar fazendo uma besteira e estragando a amizade que vocês têm!”

Era fácil discutir consigo mesmo. Era fácil ouvir as próprias racionalizações. Eram bem justificáveis. O difícil era entender, engolir a sensação fria de ciúmes. Sabia que Selton não lhe devia nada, mal devia amizade a ele. Não podia nem pedir que se afastasse de Débora, porque, afinal de contas, não sabia que Rafael tinha sentimentos por ele e seria, até mesmo, explicar o que se passava em sua cabeça. E quão absurdo isso soaria?... Rafael não via muitas saídas para aquele flerte que se seguia entre Selton e Débora, a não ser assistir calado.

Ou não...

Levantou-se de supetão de sua carteira e saiu a procura de Ana.

Talvez, se ficasse perto de Débora e Selton, pudesse “empatar” qualquer chance daquele flerte se tornar algo maior. Se a garota ia ao jogo, porque ele não podia ir também? Só que não queria ir sozinho.

Chegou ao pátio e rapidamente achou Ana e Selton, sentados numa mesa, conversando enquanto riam de alguma coisa.

- Do que vocês estão rindo? – Rafael perguntou quando chegou perto deles.

Ana e Selton trocaram um olhar.

- De você?

- De mim? Por quê?

- Nada. – Ana disse.

- Anda, fala.

- A gente só estava falando de como você é calado, na sua – Selton disse, mal conseguindo segurar o riso – Sacou?

Rafael olhou bem para Selton. Tudo que tinha “sacado” é que ele não estava falando a verdade. Mas não queria prolongar mais o assunto e se deu por satisfeito.

- Droga! A cantina está lotada! – ele reclamou, fingindo que tinha ido ali para comprar alguma coisa.

- Dá o dinheiro que eu compro lá.

- Não adianta! – Rafael disse – Vai demorar, do mesmo jeito. Eu vou lá.

- Dá o dinheiro aí e me fala o que você quer, que eu trago rapidinho!

- Sério, Rafa... Ele é O cara! – Ana disse

“Ok, Agora me diga uma coisa que eu já não saiba”, Rafael pensou.

Ana continuou sem perceber que o amigo tinha se distraído:

– Ontem, ele passou por cima de cinco caras, duas vezes maiores do que ele, e conseguiu a atenção daquela loirinha lerda que atende de vez enquanto, sabe? Se alguém pode conseguir seu lanche rápido, é o Selton!

- Passa o dinheiro, mano! – Selton falou, forçando a voz e apontando o indicador, como se fosse uma arma.

Rafael não agüentou e riu. Por fim, se convenceu.

- Um sanduíche natural e uma Coca lata.

- Qualquer sanduíche?

- Qualquer um, sem atum!

- Beleza – e sumiu com o dinheiro na mão.

Rafael viu Selton se afastar, quase correndo, admirado.

- Ele é uma figura – Ana falou, também indo da gracinha de Selton.

- Muito gente fina – Rafael completou, distraidamente.

- Ele falou a mesma coisa de você?

Rafael se espantou:

- Sério?!

- Sério.

Rafael flutuou, por um momento, viajando no que Ana havia dito. “Ele me acha gente fina. Será que isso significa alguma coisa?”

- Rafa, tudo bem? – Ana o interrompeu, antes que pudesse se repreender mentalmente for fomentar sonhos impossíveis.

- Sim – ele disse, rapidamente, grato por ter sido trazido de volta; afinal, tinha coisas mais urgentes pra resolver – Você está sabendo do jogo dos garotos, hoje à noite?

- Estou. A Débora me chamou pra ir com ela.

- O quê?! – Afinal de contas, até onde iam os dedos daquela garota?

- Éh! A gente vai às vezes, quando os garotos chamam. Nunca te chamei pra ir com a gente porque sei que você não gosta.

Rafael pensou rapidamente. Até que ela tinha razão em não tê-lo chamado. Ele teria recusado na hora, mesmo com muita insistência. Mas isso era passado.

- Que horas você vai descer, então?

Ana encarou bem o amigo, como quem tenta entender um louco:

- Espera? Você está me dizendo que vai?

- Aham! Vou. Por quê? É tão estranho assim?

- Rafael! Você odeia futebol! Você odeia esportes! Você não assiste Copa do Mundo, Rafael! É claro que é estranho!

Rafael ficou vermelho, envergonhado pelo modo enfático que a amiga falou.

- Mas você vai, a Débora. O pessoal todo vai estar lá, não vai? Então! Não vou pelo jogo. Vou pela... companhia. – Rafael explicou, incerto. Nem poderia acreditar no que estava falando.

- Sei... – Ana disse, nada convencida – Você tem agido muito estranho esses dias, Rafael. E não quer me dizer o que é...

- Aqui, Rafa – Selton tinha voltado com seu sanduíche, a Coca e o troco.

Rafael pegou as coisas abrindo as embalagens com cuidado para não se lambuzar de maionese.

- Foi rápido.

- Eu não disse. – Selton falou, todo cheio de si. – Do que vocês estavam falando?

- Eu estava perguntando pra Ana que horas ela vai descer para assistir o jogo de vocês?

Selton abriu um sorriso tão grande e tão feliz que poderia iluminar uma sala escura.

- Vocês vão? Ah! Eu sabia que você não ia me deixar na mão Rafa!

Rafael ficou impressionado com a empolgação de Selton. Ficou até um pouco constrangido por ser alvo de tanta atenção.

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