domingo, 11 de julho de 2010

Dezenove - Similares

- Quer saber, você tinha razão – Sueli disse, ao terminar de engolir uma garfada de uma saborosa salada de alface, beterraba e cenoura raladas com algumas todas de azeite e limão – Eu não conhecia esse restaurante.

Pablo sorriu satisfeito. Era mais uma satisfação maliciosa.

- Eu disse.

O restaurante ficava no centro da cidade, onde antes funcionava uma loja celulares. Era uma imóvel grande, de teto alto, agora cheio de cadeiras e mesas de bambu, trançado com palha de milho, os donos preferiram fazer uma decoração mais rústica no ambiente, combinando com meia-luzes amarelas e quadros de paisagens. Era um ambiente bem agradável, bem espaçoso e arejado. Uma longa bancada deixava a mostra os pratos vegetarianos mais variados, todos coloridos de verde, vermelho, roxo, laranja... Embora restaurantes vegetarianos não fizessem tanto sucesso em Juiz de Fora, aquele parecia estranhamente vazio.

- Como você ficou sabendo dele?

- Os sócios dos restaurantes são meus amigos. Abriram essa semana.

- Sério? Isso explica muita coisa.

- Gostou do lugar? Da Comida?

- Sim. Deliciosa. Cumprimentos ao chefe.

- Éh! O restaurante é bom mas ainda não chega a ser um francês.

- Só porque a sofisticação não chega a esses padrões internacionais, não quer dizer que o chefe não queira seu trabalho reconhecido. Um ótimo trabalho aliás.

Pablo sorriu.

- Vou pedir aos meus amigos que transmitam os elogios.

- Obrigada.

Pablo estava, ao contrário dos outros dias, vestido seguindo um estilo mais casual. Camisa de malha de marca de um verde água bem claro, calça jeans e tênis da Adidas. O habitual relógio no pulso esquerdo e uma fina corrente de prata no direito. Naquele dia, ele parecia ainda mais novo, o que Sueli não decidir se era bom ou ruim. Durante a semana, Pablo tinha aquela aparência de homem maduro, graças às roupas sociais que usava para trabalhar, mas ali diante dele estava um outro Pablo, alguém mais espontâneo, mais leve, mais jovem mesmo. Claro que ela gostava daquela versão mais jovial do novo amigo, mas por alguma razão, preferia o Pablo advogado de dia de semana. Talvez porque não se lembrava tanto que o amigo tinha quase a mesma idade do filho mais velho.

Mas mesmo mais casual, Pablo não deixou de ser o homem inteligente que ela conhecera dias atrás. Ainda tinha propriedade ao falar, ao discutir com Sueli, ao olhá-la, não tinha surgido nenhuma infantilidade ou idiotice juvenil de sua boca. Mesmo dirigindo, ele foi extremamente responsável – levando em conta que homens não têm certos modos e não são atentos a certas regras ao volante.

A dúvida que pairava na cabeça de Sueli era: estaria Pablo fingindo ser maduro e responsável apenas para impressioná-la. Afinal, ela já chegava aos seus quarenta e garotões marombados - que só pensam em musculação, luta livre e cervejadas – não eram nem de longe atrativos. E isso estava estampando em tudo nela; Sueli admirava inteligente, não beleza. Portanto, se Pablo estivesse tentando conquistá-la, nada mais lógico do se mostrar maduro e inteligente. Não que fosse conseguir alguma coisa, mas seria o passo mais lógico a ser dado.

Outra coisa que deixara Sueli com a pulga atrás da orelha era a visível marca pálida de aliança no dedo anelar esquerdo. A ausência da jóia a deixou intrigada, mas nunca perguntou se Pablo era casado porque, até o momento, não sentia que estava fazendo nada de errado – como ser a amante de um garotão doze anos mais novo, por exemplo. Agora, mesmo que não se interessasse afetivamente por ele, não podia deixar de perguntar:

- Onde está a sua esposa? – levemente constrangida.

Pablo se espantou.

- Que esposa?!

- A marca da aliança no seu dedo – ela disse, quase se lamentando, pensando na pobre mulher que esperava o marido em casa para almoçar com ela.

- Ah! – ele percebeu – Pois é...

- Deixou o anel onde? No carro?

- Não... No joalheiro. Mandei derreter.

- “Derreter”?

- Éh! – afirmou – Derreter. Não sabia o que fazer com elas depois que minha noiva terminou comigo. Aí, mandei derreter, fazer outra jóia, vender... pra falar a verdade ainda não sei o que fazer. Só precisava me desfazer dos anéis.

Sueli ficou alguns momentos tentando absorver o que Pablo havia dito. Mas era muito difícil.

- Me desculpe por...

- Assumir que estava procurando um caso extraconjugal? Não se preocupe Sueli, eu pensaria a mesma coisa.

- Eu vi a sombra da aliança e achei que você tinha escondido em algum lugar.

- É recente, tem só alguns meses que terminamos o noivado – Pablo explicou, mas era evidente que tocar naquele assunto não era fácil - E como não tenho tido muito tempo pra tomar sol... essa coisa ficou aqui.

Então Sueli se lembrou da própria marca no dedo. Depois que seu marido morrera, ela ainda usou a aliança de casamento por anos, sem ter coragem de tirá-la. Para evitar que as pessoas perguntassem muito, acabou usando outro anel no mesmo dedo, para camuflá-lo, mas tirar mesmo, só depois de muito tempo, e ainda fora muito difícil parar de usá-lo, não pela jóia em si, mas por causa da história que tinha vivido com o marido.

- Entendo o que quer dizer.

- Acho que foi melhor terminar tudo antes do casamento.

- “Antes tarde do que nunca”?

- Você lida com processos de separação e divorcio todos os dias. Sabe como essas coisas são complicadas e desgastantes.

- É uma boa maneira de tentar ver as coisas.

- Com toda certeza. E eu não tenho muita vocação pra ficar lamentando pelos cantos. Fiquei muito abatido quando decidimos terminar o noivado, mas não vou ficar chorando o resto da vida por isso.

- Algumas pessoas chamariam isso de frieza.

- Você é uma delas?

Sueli quase engasgou.

- Não sei. Eu vivi uma grande história com um homem maravilhoso. Não sei descartar amores como se não tivessem significado nada.

- A minha história significou muito. Pelo menos pra mim.

Sueli achou o primeiro ponto de tensão entre eles. Se ela insistisse mais naquele assunto, acabariam discutindo e essa era a última coisa que ela queria. Afinal de contas, não tinha nada a ver com a vida de Pablo.

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