domingo, 11 de julho de 2010

Dezoito - Contando a Verdade

- Rafael! - Ana bateu à porta.

Rafael fingiu que não estava ali.

Do outro lado, ela girou a maçaneta e, ao perceber que ela estava trancada, balançou-a com mais vigor. Em vão.

- Rafael! Abra essa porta, quero falar com você!

O garoto continuou calado.

- Eu vi o que aconteceu lá embaixo, Rafael! - ela fez uma breve pausa, como se ainda estivesse decidindo se devia continuar ou não - Eu sei que não é fácil.

Do que Ana estava falando? O que não era fácil? Certamente, ela tinha visto o ciúmes dele, mas tinha interpretado da forma errada.

- Eu sei que você está aí! Eu te vi subindo, depois que o Selton ficou com a Débora. Deixe-me cumprir o meu papel de amiga e conversar com você!

Tudo que ela obteve como resposta foi silêncio.

- Rafael, eu sei que você gosta do Selton.

- O QUÊ?! - ele gritou.

- Me deixe entrar e poderemos conversar melhor. Do lado de fora, pode parecer que estou conversando com a porta.

Finalmente, Rafael se convenceu. Foi até a porta, destrancou-a e a abriu.

- Eu não sei do que você está falando - disse ele, através da porta entreaberta.

Ela o olhou com uma expressão engraçada:

- Isso significa que você sabe, sim!

Rafael permaneceu estático. Estava dividido, não sabia se queria conversar naquele momento ou se queria a companhia de sua amiga.

- Eu disse que daqui de fora parecia que eu estava conversando com a porta, mas o que você fez, não muda muito a minha situação. Vamos conversar melhor do lado de dentro. Eu acho...

Rafael, não demonstrou nenhum ânimo, mas saiu do caminho e, assim que passou, Ana trancou a porta.

- Obrigada.

Rafael sentou-se no beliche, de frente pra ela.

- Não fique desse jeito.

- Tem como não ficar?

Ana veio e se sentou no outro beliche, ficou cara a cara com Rafael.

- Eu sei que é difícil.

- Quando você percebeu... que eu gosto do... Selton?

Ela sorriu, simpaticamente:

- Na verdade, eu sei que você gosta de garotos há bastante tempo. Acho que desde o ano passado.

- Como você percebeu?

- Eu fui percebendo, na verdade. Via que você olhava demais para os meninos e de menos para as meninas; sempre que alguém puxava algum assunto de garotas você dava um jeito de se esquivar; o Guilherme sempre falando sobre você ser gay e você sempre na defensiva. Acho que foram vários sinais.

- Quer dizer que eu já dei pinta?

- Um pouco - admitiu a garota. - Não dá pra reparar, se olhar uma vez ou outra, só se manter uma observação constante. E, realmente, ninguém tem tempo pra prestar atenção em uma pessoa. Só as amigas malucas.

Ele conseguiu sorrir um pouco.

- E por que nunca me falou que sabia?

- O que você ia dizer?

- Ia dizer que não.

- Então! Preferi esperar você vir até mim e contar, não queria invadir seu espaço. Só que isso nunca aconteceu.

Rafael hesitou por um momento, abaixando a cabeça.

- E você não me acha... estranho?

- Estranho?! Como assim?

- Sei lá! Estranho, errado, nojento, uma aberração?

- Lógico que não! - revoltou-se - Sempre achei você uma pessoa maravilhosa, um amigo perfeito! Um pouco teimoso às vezes. Minha opinião não mudou, quando descobri. Só fiquei um pouco chateada por você não me contar, mas não podia te obrigar a me contar! Agora, te achar uma “aberração” por ser gay? Nunca!

Ele ficou envergonhado. Ana estava absolutamente correta. Devia ter confiado na amiga, na amizade que tinham há muitos anos.

- Me desculpe.

Ela se levantou e se sentou ao lado do amigo.

- Não tem do que se desculpar. Sei que não é fácil aceitar uma coisa dessas. Eu observei você esse tempo todo e vi que ainda não se aceitou como gay, até porque você temeu que eu fosse te julgar. Deve ser assustador, mas, acredito, que não haja outra forma. E não é ruim ser gay! Só é um outro jeito de gostar de alguém.

Rafael sentiu o choro brotar mais uma vez. Ninguém nunca tinha falado com tanta doçura quanto Ana, naquele momento. Ela estava lhe mostrando um outro lado de sua situação, que por medo ou por ignorância nunca tinha se permitido ver.

- Eu tenho medo. De assumir e...

A garota o interrompeu:

- Soltar a franga? Ah! Pelo amor de Deus, né, Rafa! Não é só por que você gosta de um cara que você vai agir como mulher! - ela se acalmou da explosão repentina. - Lembra de um dos meus tios, o que não é casado?

- Acho que sim! Você já me falou sobre ele.

- Ele não é casado porque é gay. Só que ninguém sabe, além da minha família. Ninguém desconfia. Uma vez ouvi, ele comentar que numa festa do trabalho dele, a mulherada caiu em cima dele. Não sei como ele é entre quatro paredes, mas ele age normalmente, como homem.

Rafael ficou pensando e, de repente, se sentiu meio idiota por ter, um dia, ter achado que iria ficar afeminado.

- Rafa, se você fosse rebolar por aí, já teria começado há muito tempo. Você tem todo jeito de homem, fala como homem, se comporta como homem. Tem caráter de homem! E isso é mais importante que tudo!

Rafael não conseguiu se conter e chorou, abraçando a amiga, que retribuiu a altura. Apertou bem forte entre os braços e o deixou chorar o quanto precisasse.

- Não se preocupe. Eu estou aqui com você.

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