terça-feira, 6 de julho de 2010

Seis - Churrasco

Rafael conseguiu assistir a aula de física, depois de tomar toda a Coca-cola, mas mesmo assim, não foi fácil. Teve que se esforçar muito para manter os olhos abertos e acompanhar a monótona aula. Lá pela metade da segunda aula seu sono e mau-humor foram definitivamente embora e ele voltou a ser o Rafael de sempre.

Ao sinal do intervalo, tinha ido com Ana fazer um lanche e quando voltaram a sala ele viu Débora e Selton conversando. Nos últimos dias, os dois pareciam ainda mais próximos, a conversa dos dois estava regada de olhares intensos e sorrisos maliciosos. Antes, só Débora parecia demonstrar interesse, agora Selton tinha entrado no jogo. A ficada dos dois agora era apenas uma questão de oportunidade.

Rafael aprendeu a controlar seu ciúme muito bem. Deixou de sentir aquela raiva abrasadora e a substituiu pela tristeza resignada. Doía-lhe o coração saber que Selton estava se arranjando com uma garota, mas sabia que não podia fazer nada para evitar.

O pior de todo aquele episódio não era nem ter que assistir o flerte dos dois, mas, sim, não ter ninguém com quem desabafar. Ana, sua melhor amiga, nem sabia que ele gostava de Selton – ou de garotos, de uma forma geral. Como dizer a ela que estava com dor de cotovelo? Teria que se conformar e sofrer sozinho, até que se curasse daquela paixão descabida.

Talvez se arranjasse alguém pra ficar também, fosse mais fácil suportar a passagem daquele período sombrio. Alguém não! Uma garota. Chega de sofrimento por causa de membros do sexo masculino! E Rafael até que gostava de garotas; já ficara com algumas e tinha sido bom, inclusive – e não só pra ele. Segundo fontes confiáveis, Rafael beijava bem.

O “x” da questão era: quem? E, depois de escolhida, teria coragem de chegar na garota? E depois de chegar, teria sucesso? Se havia uma coisa que Rafael não sabia fazer direito era pedir pra ficar com uma garota. Pouquíssimas vezes tinha tomado a iniciativa diretamente, quase sempre tinha o dedo mágico de alguém envolvido (leia-se: Ana). Poderia usar a ajuda da amiga agora, ou até mesmo pedir alguns conselhos à Selton que parecia ter muito jeito com as garotas – ainda mais agora que ele estava extremamente prestativo.

Outro ponto que parecia complicado era oportunidade. Não dava pra chegar numa garota e esperar que ficassem no meio do intervalo! Talvez um show ou uma saída com a galera, uns copos de cerveja pra dar coragem, mas das garotas por quem ele se interessaria, poucas saiam com o pessoal, ainda mais pra beber. Cinema parecia uma boa idéia, de preferência um romance ou uma comédia; no entanto, tinha que chamar mais gente, pra parecer casual. “Éh! Cinema parece uma boa”, concluiu.

Esquema decidido, agora precisava escolher alguém. De volta à sala de aula, Rafael ficou mais concentrado em analisar as garotas da turma do que em prestar atenção no que a professora de história estava falando. Rafael descartou, de imediato, todas aquelas que pareciam mais adultas do que adolescentes – e não eram poucas. Aí, tirou aquela com quem realmente não tinha nada a ver com ele, como gostos, idéias, inteligência. Muito pretensioso? Sim, mas afinidade intelectual era requisito básico. Então, restaram as que Rafael achava interessantes e desse grupo ele tirou as que tinha mais chances de aceitar ficar com ele. Depois de toda essa análise, não é difícil perceber que não restaram muitas opções. Pra ser mais preciso, só três.

Uma delas era Bárbara, uma garota baixinha, um pouco menor que Rafael, de cabelos escuros e ondulados, algumas sardas discretas sob os olhos castanhos. Até tinha um corpo bonito, sinuoso, mas sem exageros. Bárbara sempre usava roupas de tons claros e o jeans básico de cada dia. Rafael e Bárbara já se conheciam há dois anos e ele até chegou a gostar dela quando era mais novo, mas sua timidez infinita o impediu de pedir pra ficar com ela. Apesar disso, se tornaram bons amigos. Ela era inteligente, esperta, apesar de um pouco tímida. De uma maneira bem platônica, Bárbara parecia ideal para Rafael.

A última aula estava prestes a terminar e mesmo antes do professor de geografia desse a matéria do dia por encerrada, a maioria dos alunos já começava a guardar as apostilas, fichários e estojos. Quando o assunto “Nova Ordem Mundial” foi encerrado quase todos já estavam prontos para serem dispensados. Antes que isso acontecesse, Rafael viu Bernardo sair do seu lugar no outro extremo da sala, quase nas últimas carteiras, e vir para frente da sala. O pensamento automático de Rafael que o colega ia jogar algo no lixo, mas se surpreendeu quando ele virou quase em sua direção e parou perto de Selton. O cumprimentou com um aperto de mão peculiar, beijou Ana no rosto e apertou a mão de Rafael.

- E aí, gente? – ele disse – Vocês vão fazer alguma coisa esse fim de semana?

A resposta foi unânime:

- Não.

- Até o momento, não.

- É que a parada é a seguinte: eu e o Gustavo estávamos pensando planejando fazer um churrasco nesse sábado agora estou chamando a galera. Vocês topam?

Os três trocaram um olhar titubeante, mas era óbvio que estava animados:

- Conta com a gente – Selton disse por todos.

- Beleza.

- É o seguinte, a gente já acho uma granja no jeito. Os tios do Gustavo têm uma na saída da cidade e podem emprestar pra gente. Ele falou que tem piscina, quadra de futebol, tem até sauna. Perto de onde eu moro tem uma distribuidora de bebidas que vende cerveja a um preço bom e carne é fácil de achar sem gastar muito. Mas como a gente está querendo fazer um churrasco maneiro, a gente pensou em pedir pro povo contribuir com vinte reais – a animação de Rafael, Selton e Ana diminuiu ao ouvir o preço – Éh! Eu sei que é um pouco demais, mas é melhor sobrar do que faltar, né, gente?!

- Quem mais você chamou? – Rafael perguntou, mudando de assunto. Ele sabia que era um tiro no escuro, mas esperava que Débora não fosse convidada.

- A gente está chamando praticamente todo mundo pra dar mais grana e pra ficar legal também, porque churrasco com meia dúzia de gato pingado não dá!

- Tem razão.

- Olha, pode contar comigo – Selton disse – E se precisar de ajuda com alguma coisa é só falar.

- Eu também devo ir – Ana disse – É só falar onde que a gente chega lá.

- Não tenho certeza se eu vou – Rafael anunciou. Ele tinha realmente ficado bem animado com a possibilidade de sair com os amigos e festejar um pouco. Mas quando soube que Débora seria chamada (e com certeza iria), sua empolgação evaporou, afinal, nenhum lugar seria melhor para ele e Débora ficarem.

- Ah! Fala sério, Rafa! – Selton protestou – Por que não?

- Não sei se vou ter grana pra esse fim de semana – mentiu.

Bernardo insistiu:

- Faz uma força, cara. Vai ficar maneiro, você vai ver.

- Não conte comigo.

- Conta, sim, Bernardo! Ele vai! – Selton disse.

- Beleza.

Bernardo se afastou, desviando das pessoas que já saiam de sala. No meio daquela conversa, nem viram que a aula já tinha acabado e já podiam ir embora.

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