sábado, 31 de julho de 2010

Treze - Telefonema

Assim que terminou seu almoço, Alex pediu licença da mesa sempre com aquele olhar estranho, vigilante, e foi para a sala assistir televisão. Rafael e Selton ficaram na mesa com Sueli, fazendo-lhe companhia enquanto ela não terminava de comer. Conversavam sobre o sábado e a tempestade inesperada. O que nenhum dos dois lados da conversa sabia é o que o outro estava omitindo os fatos mais interessantes do dia anterior. Sueli não falaria que tinha ido almoçar com um admirador quinze anos mais novo do que ela, e Rafael jamais falaria que tinha transado sabe-se lá quantas vezes com Selton e que naquele exato momento eram namorados. Ele se impressionou, na verdade, em como conseguiram disfarçar bem tanto a relação quanto a felicidade esfuziante que sentiam.

- Bem, meninos. Agora, vou para o meu escritório, porque eu ainda tenho muita coisa acumulada pra fazer. Selton, fique a vontade, a casa é sua.

- Eu vou, Sueli – ele disse, dando um sorriso maldoso pra Rafael, sem que ela percebesse – Obrigado.

- A gente também vai subir daqui a pouco – Rafael disse, na tentativa de distrair sua mãe da malícia do namorado - Só vou lavar a louça.

- Ah! Obrigada, meu anjo – ela deu um beijo na testa do filho e disse – Até mais meninos.

- Até, mãe.

Sueli foi para seu escritório e Rafael começou a juntar os pratos e talheres para lavá-los.

- Garoto responsável – Selton caçoou – Lavando a louça pra mamãe.

- Deixa de ser chato.

- Só estou de brincadeira com você.

Rafael pegou tudo e colocou na pia, abriu a torneira e jogou detergente neutro na esponja.

- Vamos dar uma volta mais tarde? – perguntou.

- O que acha de pegarmos um cinema mais tarde? – Selton sugeriu.

- Cinema? Muita... gente, não? – Rafael disse.

- Ah! Dá pra ficar de boa no escurinho...

Rafael chiou:

- Fala baixo! Meu irmão vai te ouvir!

- Desculpa. Ok, cinema, não...

- Por enquanto – Rafael ressalvou.

- Lanche?...

- Parece uma boa. Mas lanchonete só abre mais a noite.

- Qual o problema?

- Sei lá... Seus pais não vão achar estranho você ficar o dia inteiro fora? O fim de semana na verdade.

- Está querendo se livrar de mim, Rafa? – Selton fez charme.

- Claro que não. Só fico preocupado de depois você ficar de castigo e não poder mais me ver – Rafael sussurrou.

- Mesmo que eu fique de castigo, ainda posso te ver na escola.

- E eu esperando algo mais romântico...

Foi a vez de Selton chamar-lhe a atenção

- Cuidado...

- A gente pode decidir isso mais tarde?

- Claro. Aqui, você tem razão. Vou em casa dar alguma satisfação e nos falamos depois?

- Tudo bem. Vou lá abrir o portão pra você.

Selton chegou perto do namorado e deu um beijo discreto nos lábios.

- Não precisa, meu lindo – ele sussurrou – Eu sei o caminho. Até mais tarde.

- Falou, cara – eles se despediram em voz alta, pra Alex ouvir da sala.

Apertou-lhe o peito se despedir de Selton daquela maneira, contudo, entendia que não dava pra ser de outro jeito. Não podiam correr o risco de Alex ou Sueli entrar na cozinha e pegá-los no maior amasso. Viu seu namorado se afastar, passando pela porta e sumindo no corredor; o ouviu falando com Alex. Ficou com medo que, talvez, Selton nunca mais voltasse, que se tocaria de que não deveria dar trela pra ele e que terminasse da próxima vez que se reencontrassem. Então, viu que não passava de um medo infantil, afinal, foi o próprio Selton quem o pediu em namoro. Enfim, ouviu a porta da sala se fechar. Selton tinha ido.

Voltou a se concentrar na louça que estava lavando. Tirava as sobras de comida, jogava-as no lixo, deixava o prato em baixo da água corrente, passava a esponja algumas vezes e, quando estava satisfeito com a limpeza, colocava-o no escorredor. Repetiu isso, sem perceber que estava fazendo. Rafael se sentia livre, leve e solto, nas nuvens. Mal podia acreditar que estava ficando com o cara que sonhara tanto. Nunca desejou tanto alguém quanto Selton e o teve durante a noite toda e quase o dia todo. Ainda se veriam a noite, mas mesmo assim queria ele naquele instante! Porém, não podiam ficar junto o tempo todo, pois acabariam se cansando um do outro.

Terminou de lavar a louça, secou as mãos no pano de prato e subiu para seu quarto. Olhou para sua cama e para o idiota colchonete armado – literal e figurativamente – e lembrou-se da noite que teve com Selton. Eles dormiram ali, juntos, como namorados. Uma noite linda. Ele sorriu de felicidade, ao recordar cada sensação que experimentou, cada gosto, cada cheiro. Cheiro. “Será que o cheiro dele ainda está no lençol?”, pensou. Deitou-se em sua cama e respirou profundamente. Lá estava, impregnado no tecido macio, o cheiro do corpo de Selton, dando vida a cada memória da noite anterior.

- Que perfume...

Sua viajem foi interrompida pelo som de seu celular tocando. Se não fosse pelo toque especial que tinha colocado pra Ana, ele certamente ignoraria a chamada, mas como era a melhor amiga, ele atendeu tão logo encontrou o aparelho na mochila.

- Alô.

- Rafa? Tudo bom? - perguntou Ana do outro lado da linha.

- Tudo ótimo! - exclamou.

- Nossa! Que voz é essa? Ontem, eu achei que você ia pular de um prédio e hoje você me atende com essa voz maravilhosa?! O que houve?

- Tem como você vir aqui em casa? Não quero falar por telefone, porque pode chegar alguém a qualquer momento e a história é um pouco longa.

- Está bem. Já vou - disse a garota - Só vou arrumar e apareço aí.

- OK. Não demora.

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