domingo, 18 de julho de 2010

Vinte e Seis - Ofendida

- Me explica, Lúcia! Me explica! Como eu fui deixar você me enfiar nessa roubada?! – Sueli perguntou, indignada.

Sueli não tinha ido pra casa. Por algum motivo, ainda desconhecido, ela preferiu ir embora de ônibus e, enquanto esperava, acabou passando um que passava na frente da casa da amiga. Sem pensar direito, ela simplesmente entrou no ônibus e parou na casa de Lúcia, que estranhou a visita da amiga, e ainda mais a acusação.

- Ah! Ele era bonitinho, vai... – ela tentou se defender, mas sem levar muita fé no que ela mesma dizia.

- Ele é uma graça! É lindo, inteligente... Mas é uma criança! Onde eu estava com a cabeça?...

As duas estavam na cozinha, esperando o café que Lúcia estava passando às pressas. Lúcia morava numa casa modesta, simples, mas bem arrumada e aconchegante. Moravam apenas ela e a filha adolescente – que tinha dado um jeito de desaparecer, aproveitando a distração provocada por Sueli.

- Não fica assim, Su. Não estressa que é pior – Lúcia disse, coando o café.

- O que mais me irrita, Lúcia, é que eu sabia que isso não daria certo! Sabia!

- Mas não era pra dar certo, Sueli! Era só pra você se distrair do trabalho, esquecer essa sua vida de advogada, mãe e dona de casa!

- Estou muito feliz com esses papéis, Lúcia. Não preciso de outro, não!

- Claro que precisa! Toda mulher precisa! Ou vai me dizer que você não sente falta da companhia de um homem, pra não entrarmos em detalhes mais sórdidos?

- Sinto, Lúcia! Companhia de um homem! Não de um garoto!

- A companhia do “garoto” estava servindo muito bem, até agora. O que foi que mudou, Sueli?

- Qual é a obsessão de vocês em ficar desdobrando o que eu falo? – Sueli se revoltou.

- Não é verdade? Você estava curtindo as conversas com Pablo, estava mais leve, mais sorridente. Até hoje, que você chegou aqui espumando. Alguma coisa aconteceu.

Sueli encarou a amiga, hesitante. De repente, ela jogou a mão na nuca e balançou os cabelos loiros, contrariada. Depois, disse:

- Ele estava noivo, até uns meses atrás.

- E daí? “Estava”! Acabou! Qual o problema?

- O noivado dele acabou há poucos meses e ele já está seguindo com a vida dele, indo atrás de outras mulheres!

- Que bom! – Lúcia disse, distraidamente.

- Como uma pessoa pode descartar uma coisa dessas assim, com essa facilidade, Lúcia? Um relacionamento sério o bastante para se tornar um noivado e pouco tempo depois que acaba, já está procurando outra pessoa?!

- As pessoas querem ser felizes... ou você acha que elas deveriam ficar aprisionadas em relacionamentos fadados ao caos – Lúcia serviu duas xícaras de café.

- Claro que não! Se fosse assim eu não teria emprego.

- Sabe? Acho que isso não tem nada a ver com a idade. Você ficou ofendida...

- Ofendida? Lúcia, pelo amor de Deus, fale as coisas com coerência!

- Você mesma já me falou que levou anos pra conseguir tirar sua aliança de casamento, mais tempo ainda para aceitar o fato que o Adriano tinha partido. O que a incomodou é que o Pablo terminou um noivado mas continuou a vida dele. Você empacou.

- Eu não empaquei, Lúcia!

- Você na verdade só está procurando motivos pra não continuar a vê-lo.

- Lúcia, volta pra Terra!

- A vida continua, amiga! Sei que parece que sua vida está boa agora, sendo mãe, advogada. Só que a vida não é só isso!

- O que você esta achando que eu sou? Uma adolescente? Sei que a vida não se resume a isso! Só que não posso esperar que um garoto novo como o Pablo me dê o que eu preciso e quero.

- Você não tem certeza disso, Su.

- Lúcia, homens já são imaturos por natureza. Moleques são dez vezes mais imaturo.

- Pelo que você me falou, Adriano não foi imaturo – ela revidou, bebericando o café fumegante.

Sueli teve que admitir.

- Não, não foi. Ele era exceção.

- Olha! Pra mim chega! Não sei nem porque estou insistindo tanto. Você se arriscou e isso já é o bastante.

- Éh!

Naquele momento, um clarão vindo de fora da casa iluminou a cozinha e em seguida um trovão as assustou, fazendo-as gritar. Tão logo o som se acalmou, elas ouviram o chiado da chuva forte que começou a cair. Sueli e Lúcia correram para a janela e viram as gotas grossas e pesadas caindo com força no chão e nas plantas do jardim da frente, uma nuvem sombria pairava no horizonte, imponente, amedrontadora, prometendo uma grande tempestade.

- Nossa, o tempo virou – Lúcia comentou, embasbacada.

- E eu vim sem carro... maravilha.

- Relaxa, Sueli. Qualquer coisa você dorme aí.

- Os meninos vão ficar preocupados.

- Deixa ficar. Eles já são bem grandinhos e você também.

- Lúcia... como você consegue ser assim tão despreocupada.

- Ah! É fácil... um dia eu te ensino.

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