Marina não acordou, o que atiçou o desespero de Guilherme. Sua mãe já estava desacordada há mais de vinte e quatro horas e não esboçava qualquer menção de recobrar a consciência. Já tinha terminado de ler seu livro e não tinha mais nada pra passar o tempo e tapear a ansiedade.
E, além de sua mãe em estado comatoso, o pai tinha voltado ao quarto tenso depois de atender o telefonema do amante. Guilherme não precisava ser um gênio pra saber que eu estava a par da situação e não ligou pra ter notícias. Pessoas são previsíveis. Seu pai, por outro lado, não gostara, por motivos talvez não tão óbvios.
- Qual é o nome dele? – Guilherme perguntou, pra quebrar o silêncio.
- Agora não, Guilherme. Sua mãe pode acordar a qualquer.
- Ela não acordou até, agora. Acho que podemos abandonar qualquer esperança disso acontecer nas próximas horas.
- Carlos – Eduardo respondeu, à contra-gosto – Vamos terminar esse assunto aqui!
- Foi ele que ligou, não foi?
- Por que você quer falar disso logo agora?
- Passar o tempo?...
- Essa não é uma boa razão, Guilherme.
- Você acha mesmo que quando ela acordar, ela vai estar lúcida o suficiente pra escutar o que estamos falando e ainda por cima, guardar na memória o que ouviu?!
- Por que você está insistindo tanto pra conversar sobre isso?
- Estou preocupado com você – Guilherme disse, esperando que fosse uma “boa razão”.
- Não precisa. Não deve! – Eduardo disse, tentando encerrar o assunto definitivamente.
Guilherme usou seu cérebro rápido para pensar em algum modo de fazer o pai falar sobre o que estava sentindo em relação a tudo aquilo: mulher deprimida, filho sobrecarregado, relacionamento homossexual extra-conjugal. Sabia que se não fizesse o pai falar, ele explodiria, cedo ou tarde. Teria que recorrer ao que fazia de melhor: manipular.
- Desculpe. Estou nervoso com tudo o que está acontecendo.
- Nós dois estamos, filho – Eduardo disse, recuperando a compostura.
- Já está ficando tarde. Por que não vai em casa tomar um banho, trocar de roupa e fazer uma refeição descente?
- Não é necessário. Estou bem.
- Você está com essa mesma roupa desde ontem à noite – insistiu – E, honestamente, o cheiro não esta ficando muito agradável.
- Eu não vou deixar sua mãe sozinha, Guilherme.
- Ela não vai estar sozinha. Vou estar bem aqui até você voltar.
- Quase me esqueci que amanhã você tem aula...
- Então.
- Pode ir. Vá você pra casa e descanse. Se alguma coisa mudar aviso.
Guilherme teria que ser um pouco mais incisivo:
- Ainda está cedo. Dá tempo de você voltar no apartamento, trocar essa roupa imunda...
- Eu não vou embora, Guilherme. Pode ir se quiser. Aliás, você tem que ir!
“Ok. Acabaram-se as indiretas, mas cheguei onde queria”
- Você não quer voltar ao apartamento, quer?
- Do que você está falando? – Eduardo perguntou, ciente de que já tinha sido analisado pela perspicácia ímpar do filho.
- Desde que o Carlos ligou, você não saiu mais do quarto. Pra nada!
Eduardo foi evasivo:
- Bobagem.
- Ou é culpa ou é medo... – Guilherme cogitou. “Ou os dois...”
- “Culpa”? “Medo”? De quê? O que você quer arrancar de mim, Guilherme?! Tudo o que aconteceu já não é estressante demais pra você ficar me irritando com perguntas que não lhe interessam?!
- Ou você não quer sair daqui por culpa por ter deixado a mãe chegar a esse ponto, ou você está com medo do que pode acontecer se voltar ao seu apartamento!
Eduardo quase gritou; quase estourou. Conseguiu se controlar no último segundo.
- Já estamos com coisa demais pra lidar neste momento, Guilherme! Pare de ser criança e entenda isso, pelo amor Deus.
- Se sentir culpado não vai fazer as coisas mudarem, pai! E ter medo de enfrentar o que pode acontecer só vai piorá-las!
- Você não sabe do que está falando, Guilherme.
- Você não sabe o que está fazendo, pai. Ignorar o indesejável foi justamente o que nos trouxe até aqui.
Eduardo se calou por alguns instantes, digerindo o que o filho disse.
- Não sei como você consegui ficar mais esperto do que eu.
- Ainda dá tempo de ser mais esperto.
Eduardo suspirou.
- Certo. Vou em casa o mais rápido que puder e volto pra te liberar.
- Vai lá, pai.
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