O médico apareceu no quarto para checar Mônica, chamando a atenção de Guilherme e Eduardo.
- Boa tarde – ele disse, simpaticamente.
- Boa tarde, doutor – Eduardo disse, ao se levantar do sofá, observando o médico analisar o monitor e verificar a resposta das pupilas. Olhou a dosagem do soro e pareceu satisfeito. Anotou alguma coisa no prontuário dela e virou-se para Eduardo.
- Tem certeza que não querem restringir os movimentos dela?
- Não, doutor. Não será necessário – Eduardo disse, firmemente – Sei que o que aconteceu não foi um acidente, mas tenho fé que ela não vá tentar mais nada.
O médico assentiu.
- Como queira. O estado dela está bem estável, não deve haver nenhuma seqüela.
- Ela ainda vai demorar pra acordar.
- Acredito que não. Sua esposa deve recobrar a consciência em breve
- Obrigado, doutor.
- Com licença – o médico disse, antes de se retirar.
Eduardo sentou-se ao lado do filho e ficou assistindo televisão, enquanto Guilherme continuava, silenciosamente, sua leitura.
- Como você acha que vai ser, quando sua mãe acordar? – Eduardo perguntou, a voz carregada de receio.
Guilherme não tirou os olhos das páginas.
- Estou preferindo não pensar muito nisso.
- Éh! Você provavelmente tem razão - disse, incerto – Só não quero piorar as coisas. Você sabe que sua mãe me culpa pela morte do seu irmão e me ver aqui quando acordar, pode fazê-la perder o controle.
Guilherme não soube o que responder ao pai, porque ele mesmo achava que era possível ela ter outro surto ao ver o marido.
- Espero que ela acorde melhor – Guilherme disse, enfim – Ela não tem dormido bem desde que Lucas morreu. Talvez esse sono a ajude a se recuperar.
- Você acha?
- Espero que sim.
- É ingenuidade nossa achar que os problemas da sua mãe vão se resolver com uma bela noite de sono – Eduardo disse, com um riso amargo no rosto.
Guilherme concordou, achando graça de sua própria idéia.
- Me arrependendo tanto de ter deixado vocês – Eduardo disse – Se tivesse ficado do lado de vocês ao invés de ter fugido.
- Não é hora de pensar nisso, pai. Não vai mudar o que aconteceu. Não vai mudar nada. Nem o que a mãe fez ou Lucas.
Eduardo olhou para o filho, com admiração.
- Sabe, é incrível como você sempre acha um jeito de estar certo.
- Não é fácil. Às vezes é bom estar errado – Guilherme disse, com um tom sombrio.
Eduardo percebeu a tristeza do filho – seria difícil não notar. Ele pôs a mão no ombro do filho e apertou, com peculiar solidariedade paterna.
- Vai dar tudo certo, daqui pra frente. Vamos parar de deixar as coisas confortáveis e fazer o que deve ser feito.
- Parece um bom plano pra mim.
Eduardo puxou o filho e deu um abraço apertado nele, como há muito tempo não dava. Mesmo a sensação de que suas costelas pudesse se partir a qualquer momento, não impediu Guilherme de apreciar o abraço, que estava imbuído da sensação tão necessária de mudança. Alguns males vêm para o bem.
Quando se soltaram do abraço, Eduardo estava com os olhos marejados. Às vezes, Guilherme se perguntava à quem tinha puxado, porque sua família toda era meio sentimental enquanto ele parecia mais frio.
- Não é pra tanto, pai.
- Desculpa, Guilherme. É que o estresse da situação já está começando a mexer com a minha cabeça.
Guilherme deu um sorriso meio torto.
- Sei...
No meio daquela cena familiar, alguma coisa começou a fazer barulho. Guilherme achou que fossem os monitores ligados a mãe e se alarmou, mas era o celular do pai.
A alegria serena que Eduardo tinha no rosto foi embora quando ele olhou para o display do aparelho; ficou sério demais. Mirou o filho, titubeante. Guilherme soube imediatamente do que se tratava. Era o amante do pai, ao telefone.
- Tenho que atender essa ligação – Eduardo falou.
Guilherme apenas balançou a cabeça, assentindo.
- Vou atender lá fora. Desculpe.
Eduardo saiu com o celular na mão, enquanto, Guilherme o acompanhava com os olhos, pensando: “‘O que deve ser feito’. Éh, pai! O que deve ser feito?”
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