quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dezoito - Perfeito

Selton não se lembrava de ter sentido nada nem remotamente parecido com o que sentia naquele momento. Era como tomar uma bebida quente e muito doce, com um suave toque de canela. Todas as outras pessoas com quem cruzara, mexeram com ele de alguma forma, nem que fosse pelo puro e destilado tesão. Mas Rafael tinha algo de diferente, que Selton não podia explicar. Só sabia que seu colega/vizinho e agora namorado, não era como os outros. Era alguma coisa no olhar, talvez?... O ar de garoto triste?... Ou seria apenas a incrível sucessão de coincidências que cercou o começo da história dos dois?... Não sabia e não importava! Só importava a felicidade que sentia ao pensar no garoto loiro do outro lado da rua.

“Garoto, não!”, Selton pensou, lembrando-se da determinação que Rafael tinha. Já tinha saído com caras alguns anos mais velhos que não tinham nem metade da certeza que Rafael sustentava no olhar. Claro que ele se sentia assustado, afinal, se relacionar com um homem era novidade pra ele, mas tinha encarado toda a situação muito bem. “Meu garoto. Meu lindo”. Era orgulho que estava sentindo?

Teria que sentir outra hora, porque tinha que se arrumar para encontrar o namorado – não se cansava de repetir em sua cabeça. Tomou um banho rápido, lembrando-se da madrugada. A simples imagem de Rafael todo molhado, nu, na sua frente... Por pouco não tocou uma punheta rápida de baixo do chuveiro. Não! Aqueles tempos ficaram para trás. Tinha que poupar sua energia para o namorado, porque, mesmo iniciante, ele não pegava leve. Aliás, cama era outro quesito que Rafael se mostrou muito melhor do que Selton podia imaginar. Já tinha transado com outro garoto virgem uma vez e praticamente teve que dar uma aula à ele. Rafael, não. Rafael soube exatamente o que, quando e como fazer, sem precisar de instrução alguma.

Saiu do banho, enrolado na toalha, porque, ao contrário de Rafael não tinha a comodidade de uma suíte. Ainda havia gotas espalhadas pelo seu corpo e seu cabelo estava úmido. Voltou ao seu quarto rapidamente e fechou a porta pra se vestir com privacidade. Abriu as portas do armário, para escolher a roupa que vestiria, e percebeu que estava ansioso para reencontrar Rafael. Não se viam a pouquíssimas horas e já queria estar com ele outra vez. Não precisaria nem beijá-lo ou tocá-lo, só queria mesmo vê-lo.

Pegou uma camisa verde água com estampas tribais e uma bermuda branca de tactel. Tirou uma cueca boxer preta da gaveta, imaginando qual seria a reação de Rafael ao vê-la em seu corpo, marcando seu saco e seu pau. Modéstia a parte, ficava muito gostoso com aquela cueca. Vestiu a camisa e a bermuda, calçou uma meia e ajeitou o cabelo com um pouco de gel. Olhou-se no espelho e gostou do resultado. Pegou o tênis e quando estava amarrando o cadarço, seu irmão entrou no quarto.

- Brow, meu cd do Natiruts veio parar nas suas coisas?

Selton olhou rapidamente para Júnior e notou que ele estava um pouco estressado.

- Cara, não o vi por aqui.

- Brincadeira!... Só falta a Dona Mônica ter jogado o cd fora! – ele disse, revoltado. Não seria a primeira vez que Mônica jogava as coisas do filho mais velho sem mais nem menos (ou pelo menos, Junior enxergava a questão daquele jeito).

- Vai com calma, Brow. Estressa antes da hora, não. Procura direito nas suas coisas, que devem estar lá – Selton advertiu, terminando de dar o laço no cadarço.

- Já procurei, cara.

- Sério? Porque naquela bagunça que está seu quarto, nem uma equipe de resgate da marinha conseguiria achar o que quer que fosse ali dentro.

- Qual é?! Você também vai começar a encher o saco, agora?! Desde que a gente mudou pra cá, você só tem me tirado.

Selton, de tênis completamente calçados, voltou ao espelho do guarda-roupas, pra dar uma última olhada no visual e conferir se faltava alguma coisa. Cogitou usar uma corrente de prata que só usava em ocasiões muito especiais, mas um cordão de sementes fosse mais casual. Catou as duas um uma das prateleiras do armário e as mostrou para o irmão.

- Qual delas? Prata ou semente?

- Depende. Já pegou ou vai pegar?

Selton pensou.

- Pretendo continuar pegando.

Junior estranhou a resposta do irmão.

- Sério? Você? Ela deve ser muito gostosa.

- Ah! Não zoa! Nunca fui esse galinha que você acha que sou! - Selton indignou-se.

- Não. Claro que não. Você só dizia que não tinha sido feito pra namorar sério.

- Não tinha achado a pessoa certa, ainda.

Júnior duvidou:

- E a achou aqui?

“Do outro lado da rua, pra ser mais exato”

- Aham. Agora, diz: a de prata ou a de sementes?

- A de prata – disse enfim – Vai sair de novo?

- Vou, mas devo voltar daqui a pouco.

- Aproveite por mim, porque estou vivendo praticamente em cárcere privado. Você acredita que o pão acabou e a Dona Mônica não me deixou ir na padaria?!

- Eu já disse que ela está exagerando, Hugão já falou também, mas você sabe que ela é biologicamente incapaz de ouvir outra pessoa que não seja ela mesma.

- Éh! Eles brigaram, hoje outra vez – Júnior disse.

- Fiquei sabendo – Selton respondeu, cansado daquela dinâmica familiar – Dona Mônica não facilita.

- Não mesmo. Você acha que um dia ela vai confiar em mim?

Selton foi pego de surpresa. Não que já não tivessem tido aquela conversa. A felicidade de ter ficado com Rafael tinha ofuscado aquele lado de sua história, a família complicada, os conflitos que tinha que apartar quase todos os dias.

- É pra isso que nos mudamos pra cá. Pra que você tivesse outra chance.

- Mas é a última, não é?

“Claro que não”, foram essas as palavras que quase saíram da boca de Selton, mas sabia que não podia dizê-las, se quisesse que o irmão superasse seus problemas.

- Acredito que sim... – mentiu – Olha, a Dona Mônica te ama, só não entende como você foi se meter com tanto problema.

- Diferente de você, que nunca se meteu em problema nenhum – Júnior disse, com uma nota de ressentimento, ou talvez inveja.

- Isso não é verdade.

- Você sempre foi o filho perfeito.

- Não começa, Brow! Você sabe que isso não é verdade! Só dê um tempo para as coisas se ajeitarem. Daqui a pouco, a Dona Mônica consegue um lugar pra trabalhar e ela vai parar de pegar tanto no seu pé.

- Duvido, Brow.

- Vai sim, cara. É só ter um pouco de paciência.

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