quinta-feira, 8 de julho de 2010

Catorze - Telefonema Oportuno

Sueli estava no escritório de casa, óculos de leitura no rosto, enfrentando pilhas e pilhas de um caso delicado que enfrentava. Detalhes enfadonhos de um divórcio com filhos no meio. Gostava dos casos em que o casal podia resolver os problemas pacificamente, minimizando o trauma para os filhos, mas não era aquele caso. Marido e mulher decidiram tornar tudo dez vez mais complicado, fazendo questão de tudo que construíram juntos, inclusive os filhos. A guarda das crianças era briga perdida, raras as vezes que o pai ficava com as crianças, a não ser quando alguma coisa muito errada acontecia com a mãe.

A questão é que nenhuma das partes julgava a outra capaz de cuidar parcialmente dos filhos. Ambos queriam a guarda total dos menores, o que nenhum juiz em sã consciência daria.

Sueli achava que nem marido, nem mulher, queriam o divórcio e só estava gastando dinheiro pra dar uma movimentada na vida conjugal que não devia estar muito bem. Sabe, sair da rotinha... Sueli achava que as vezes seria melhor parar de advogar, , pelo menos, mudar de área, porque seu cinismo estava aumentando a cada absurdo que via no trabalho. E se tinha uma coisa que ela não suportava era cinismo.

Estava tão concentrada no caso que, quando seu celular tocou, ela gritou:

- Rafael, atende pra mim, filho!

O celular tocou outra vez e então percebeu que estava sozinha em casa. Foi preciso chamar mais uma vez para perceber que não era o telefone residencial que estava tocando.

- Alô – ela disse, sem nem olhar o registro de chamada.

- Sueli, está fazendo o quê?

- Quem está falando?

- Sou eu, Sueli! Pablo.

- Ah! Oi, Pablo! Bom dia!

Pablo, o garoto-homem que vinha lhe perseguindo. Não, perseguindo era uma palavra muito forte. Procurando sua companhia com entusiasmo... Era um rapaz interessante, bonito, inteligente, culto. E, contrariando todas as expectativas de Sueli, não fora rude com cantadas fora de hora e pedidos intermináveis para sair. Era acima de tudo muito educado; fazia Sueli se lembrar do termo “gentleman”. Certamente era um cavalheiro.

Com Pablo, Sueli estava gastando muito do tempo de seu cafezinho e do seu horário de almoço, apenas para conversarem, desabafarem, rirem. Ela uma vez pediu até um conselho sobre um caso e ele se mostrou realmente muito bom advogado, além de muito prestativo. Ele a cativava profundamente, e era apenas por isso que ela permitira aqueles telefonemas.

- “Bom dia”?! Ainda não olhou no relógio, não?

Sueli estranhou o comentário, mas olhou o relógio delicado no seu pulso. Já passava do meio-dia!

- Nossa! Nem vi a hora passar!

- Então ainda não deve ter almoçado – supôs.

- Falando agora, acho que estou com fome.

- Justamente por isso que estou ligando. Quer almoçar comigo? Conheço um ótimo vegetariano que aposto que você nunca ouviu falar.

- Pretensão sua achar que não conheço um restaurante nessa cidade.

- Quer tentar?

Sueli pensou se aquilo já não era um pouco demais. Uma coisa era almoçarem dia de semana, aproveitando o embalo do trabalho, outra era uma saída ocasional em pleno fim de semana. Mas não dava pra chamar um almoço de saída nem de encontro; era um almoço. E Pablo já tivera oportunidade pra desrespeitá-la e não o fez. Que mal faria sair um fim de semana com um amigo.

- Certo. Podemos nos encontrar onde? – ela perguntou, já indo para o seu quarto, escolher o que vestir.

- Que tal no portão da sua casa em trinta minutos?

- “Trinta minutos”? – Sueli riu - Pablo, faz quanto tempo que você não sai com uma mulher?!

- Você estava trabalhando, já deve estar arrumada! – Pablo rebateu.

- Trabalhando em casa, Pablo.

- Certo. Uma hora e meia?

- Agora estamos começando a nos entender.

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