quarta-feira, 28 de julho de 2010

Oito - Fantasma

Rafael e Selton subiram de volta para o quarto. Enquanto Rafael fechava a porta, Selton já tinha se sentado na frente do computador e esperava que terminasse de ligar.

- A gente podia dar uma volta depois – Rafael sugeriu – O dia parece bonito lá fora – e sentou-se na cama, afastado de Selton.

- Ei! – o garoto moreno o chamou, estranhando a distância – Está com medo que eu vá te agarrar e rasgar toda sua roupa?

- Estou com medo do meu irmão chegar e ver a gente perto um do outro. Sei lá... achar que está acontecendo alguma coisa.

- Ele não estaria errado... – Selton constatou.

- Desculpa. Não quero que pense que estou menosprezando você – Rafael disse, angustiado.

Selton lhe deu um sorriso tranqüilizador. Sua vontade era de levantar-se da cadeira e abraçar Rafael, como quem abraça uma criança machuca que chora por um simples arranhão.

- Eu entendo, meu lindo. A gente tem que ser discreto mesmo.

Rafael se deitou na cama, sentindo a alegria esfuziante que acordara com ele aquela manhã sumir.

- Não era pra ser desse jeito! – disse, visivelmente frustrado – Não queria ter que esconder nosso namoro de ninguém.

Selton não respondeu, porque, na verdade, talvez não tivesse nada pra responder. Aquela questão também era nova para ele. Nunca se envolvera com ninguém por tempo suficiente pra pensar naquilo. Ele era bem resolvido com sua sexualidade e por mais recente que fosse, gostava mesmo de Rafael, mas não estava preparado pra contar a ninguém que estavam juntos, principalmente para sua família.

- Olha, a gente não precisa pensar nisso agora, Rafa – Selton disse, tentando acalmá-lo – Vamos só curtir o momento, sem pensar no que os outros vão pensar se descobrirem...

- Você está certo – Rafael respondeu, pouco convencido – Não é hora pra conversarmos sobre esse tipo de coisa.

- Isso realmente o incomoda, não é? – Selton percebeu com certa tristeza.

- Um pouco. Quero dizer... é tão bom o que está rolando entre nós, certo? Por que temos que namorar escondido?

Selton prendeu a respiração, pensando na resposta mais adequada para dar a Rafael.

- Você nunca pensou em contar pro seu irmão e pra sua mãe que você é gay?

- Nunca! Ficou doido?! Eles não aceitariam! – Rafael disparou, quase que imediatamente.

- Ah! Rafa, não sei. Não sei seu irmão, mas sua mãe parece ser tão legal, tão liberal.

Rafael se tocou, então, que nunca tinha conversado com a mãe a respeito de nada parecido, nunca tinha ouvido sua opinião sobre homossexualidade. Ou talvez - só talvez - tivesse tanto medo de saber o que ela pensava que nunca se permitiu prestar atenção.

- Não sei, acho que tive tanto medo de que alguém descobrisse que nunca me permitir dizer nada a ninguém.

- Olha, não estou dizendo que você deva contar tudo agora! Só estou falando, porque sei o quanto você está aflito.

- Eu não vou contar. Ainda não estou preparado pra isso. Pra ser sincero, não sei quando vou estar.

- Não sei se tenho moral pra dizer isso, mas eu acho que um dia, preparado ou não, você vai ter que dizer.

- Eu sei. Não espero mesmo que seja pra sempre. Mas não quero contar e ser discriminado pela minha própria mãe, pelo Alex. Não sem ter pra onde ir ou correr. Quando eu for independente, talvez eu conte. Mesmo que ela não aceite, vou poder seguir minha vida em paz.

Selton mirou bem Rafael, notou sua expressão consternada. Sentiu a culpa espetar-lhe a consciência. Não devia ter dito nada daquilo.

- Me desculpa – Rafael disse - A gente não namora nem há doze horas direito e já estou surtando.

- Era justamente disso que falei ontem a noite. Existem muitas perguntas por trás do que a gente está vivendo – Selton abaixou a cabeça – Eu mesmo não tenho quase nenhuma resposta pra elas.

Os dois ficaram em silêncio, pensativos, tristonhos. Selton se virou para o computador e começou a mexer em alguma coisa. Rafael percebeu, então, que tinha magoado Selton de alguma forma. Ele tinha as mesmas perguntas na cabeça e nem por isso se deixou levar pelo pânico. Selton gostava de viver a vida, sem pensar em problemas que talvez nem existissem.

- Pode dizer: eu sou um babaca – Rafael disse, de repente.

- Claro que não, meu lindo.

- Eu deveria estar feliz e estou melando nosso clima com assuntos que não têm nada a ver.

- Só tenho medo que você não agüente a pressão... – Selton não teve nem coragem de terminar seu pensamento.

Rafael se levantou e segurou a mão de Selton.

- Eu estou surtando, mas não vou deixar você por causa disso. Só estou dizendo que é injusta nossa situação.

- Eu também estou inseguro. Nunca imaginei que fosse querer namorar sério com alguém. Desculpa.

- Vamos esquecer isso. Você mesmo falou que não precisamos pensar nisso agora. Só curtir o momento.

Selton sorriu, vendo o otimismo em Rafael.

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