quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sete - Outros Planos

Domingo.

Para Hugo, pouquíssimas coisas em sua vida cotidiana lhe davam tanto prazer quanto um domingo. Trabalho era a última coisa em que ele pensava naqueles fins de semana tão preciosos. Podia vestir um bermudão qualquer, uma camisa de algodão e chinelo de dedo. Aquele em particular, era ainda mais especial, porque a mudança da família estava oficialmente terminada. Até onde se sabia, tinha sido tudo desempacotado e colocado em seus devidos lugares. Era possível que ainda houvesse pertences isolados em caixas desconhecidas, mas ficariam por lá até que alguém desse falta deles e conseguisse encontrá-los.

Pra não falar das reformas básicas que toda mudança pede: furos nas paredes para quadros, pintura, metais para banheiros e por aí vai. Felizmente, Mônica conseguira se dividir entre o gerenciamento a distância de sua loja em Brasília e a busca por profissionais para fazer a maior parte dos trabalhos manuais que a casa precisava. Se ela não fosse tão desesperada por deixar tudo em ordem, Hugo mesmo teria feito o serviço, mas é claro que levaria meses pra terminar. Não. Melhor assim, porque poderia aproveitar seu domingo sem correr o risco de martelar o dedo ou se cortar um serra ou outros acidentes que facilmente ocorreriam.

Hugo estava no sofá da sala, assistindo algum Grande Prêmio de Fórmula Um – não se interessava por qual, só queria mesmo olhar pra televisão – quando o telefone tocou. Hugo se contorceu para pegar o fone sem ter que sair do sofá.

- Achei que tivesse se esquecido que tem casa – Hugo disse.

Selton nem se incomodou em perguntar como o pai sabia que era ele ao telefone.

- Ainda não esqueci. Mas me dê mais alguns dias – o garoto respondeu, entrando na brincadeira do pai.

- Vai ficar aí para o almoço, acertei?

- Você já pensou em jogar na loteria?

- Jogo toda semana.

Selton hesitou do outro lado da linha.

- Como está a Dona Mônica? Tudo tranqüilo?

- Olha – Hugo virou para olhar sobre o encosto da poltrona, analisando o que podia ver da casa, procurando qualquer sinal da mulher – Seu irmão ainda está apagado, como é de praxe; então, sim, por enquanto ela está tranqüila.

- Ok. Se precisar, grita - Selton disse.

- Ah! Eu vou!

- Até mais, Hugão.

- Até.

A linha ficou muda.

Hugo encaixou o fone na base, com a mesma dificuldade que teve para tirá-lo, e voltou a assistir a corrida. Mas, assim como antes do telefonema, sua atenção não estava não estava na TV. Seu cérebro não registrava nada do que passava na tela; Hugo imaginava outras coisas em sua mente. Ele gostava de sua rotina dominical, só que já fazia um tempo que precisava quebrá-la.

De supetão, levantou-se do sofá, quase tropeçando enquanto ajeitava os chinelos nos pés ao mesmo tempo em que tentava andar. Quando recobrou o equilíbrio e se pôs definitivamente em pé, ele conseguiu chegar ao pequeno escritório que Mônica achou que deveriam ter. Ela seria a maior usuária daquele escritório, porque, ser empresária era trabalhar em tempo quase integral, ainda mais no caso dela, que era viciada em trabalho.

Como naquele momento. Enquanto Hugo pensava em aproveitar seu fim de semana, longe das obrigações estressantes do dia-a-dia num banco, Mônica tinha ficado o sábado inteiro pendurada na internet, consultando sites de imobiliárias porque elas não abriram depois das duas da tarde do sábado e depois de duas semanas, ela ainda não tinha encontrado uma loja que a agradasse para alugar.

Hugo entrou no escritório e ela nem tirou os olhos da tela do computador. Não importava como estavam os problemas conjugais ou os humores, Hugo não podia colocar os olhos na esposa e pensar em como ele era bonita. Mesmo vestida com seu robe de seda rosa e os cabelos ruivos enrolados num rabo de cavalo meio desajeitado, presos com um palito chinês. Os óculos, aliás, eram segredo, ela só os usava em casa. Em público, só lentes de contato.

Ele deu a volta na mesa e observou atrás da mulher os sites que ela estava visitando. Ao seu lado, estava uma caneca e café, quase cheia. Hugo deduziu que a caneca estava ali desde a hora em que a mulher sentou na cadeira, duas horas atrás. Certamente, já estava frio.

Ele segurou a caneca pela asa e levou a boca, mas antes que pudesse, se quer, sentir o cheiro da bebida, as mãos de Mônica o impediram.

- Ei! – protestou – É meu café!

“Só assim pra conseguir um pouco de atenção”, pensou.

- Já está frio, Mônica!

- É assim que eu gosto – e, talvez só por causa do interesse do marido, ela bebeu um gole do café.

Hugo preferiu não discutir.

- Nada ainda?

- É incrível! Não acho nada nessa cidade que me interesse!

Ela a abraçou por trás, colando os rostos.

- Por que você não pára de trabalhar um pouco e aproveita o fim de semana, assim, com seu marido?

Monica se virou, espantada para Hugo. Fazia tanto tempo que ele não lhe propunha fazer nada que soava até como um milagre.

- Aproveitar o fim de semana? Como?

- Podemos sair, almoçar em algum restaurante. Depois, dar uma volta pra conhecer melhor a cidade.

- Eu já rodei essa cidade de cima a baixo, Hugo... - ela disse entediada, voltando a mexer nos sites.

- Ótimo! Assim você me mostra a cidade, porque eu ainda não tive tempo de fazer um tour.

- Sério, Hugo. Tenho muito o que fazer.

- É domingo, Mônica – Hugo pegou a mão da esposa e afastou-a do mouse – Nem Deus trabalhou no domingo!

- Você não acredita em Deus, Hugo.

- É, mas é o que dizem por aí...

- E os meninos? Vão ficar sem almoço?

- Ah! O Selton vai almoçar na casa do amigo dele e o Júnior, bem... ele se vira.

- Esse é justamente o meu medo, Hugo: do Júnior “se virar”!

- O que você acha que ele vai fazer, Mônica?! Ele não conhece ninguém nessa cidade!

- Que a gente saiba, né?! Ele pode muito bem estar escondendo os amiguinhos delinqüentes!

Hugo soltou a esposa, desistindo de almoçar com ela num pacífico domingo. Argumentar com ela quando se entregava a seus delírios paranóicos era impossível e muito frustrante.

- Certo, Mônica – ele disse – Almoço em casa.

- E onde a gente iria, Hugo? Você mesmo disse que não conhece lugar nenhum nessa cidadezinha.

- Mônica, já desisti. Não precisa continuar a conversa – e se virou para voltar pra sala e assistir, de verdade, a corrida.

- Ok – Mônica disse, se levantando da cadeira – Já que você faz tanta questão.

- Não precisa, Mônica! Tenho certeza que, o que quer que você esteja fazendo nesse computador idiota, é mais importante do que passar um tempo com seu marido!

- Claro que não, Hugo! Pare de ser infantil!

- Eu vou – ele disse, ressentido – Pode deixar.

- Eu estou preocupada com o que o Júnior vai fazer se sairmos.

- “Os gatos saem, os ratos fazem a festa”?

- Você sabe como o garoto é!

- Um “delinqüente”, como você já o definiu diversas vezes!

- Mas ele é! Foi por isso que nos mudamos de Brasília, não foi?

Hugo prendeu a respiração, pra se controlar antes que levasse aquela discussão mais adiante.

- Nós nos mudamos pra termos outra perspectiva da vida.

- Parece que não funcionou muito bem, não é? – Mônica provocou.

- Se você parasse de pensar um pouco em si mesma, talvez funcionasse! – Hugo começou a levantar a voz.

- “Pensar em mim mesma”?! Você ouviu uma palavra do que eu disse?! Eu estou preocupada com o Júnior! – Mônica também levantou a sua.

- Não parece, Mônica! Sinceramente! Desde que chegamos em Juiz de Fora, a única coisa que eu vi você fazer foi tentar que nem uma desesperada abrir essa sua filial!

- Eu preciso trabalhar, Hugo! – ela o interrompeu.

- E seu filho precisa mais do que a sua preocupação, Mônica! Precisa de você! Que você faça alguma coisa por ele! Mas você nunca está aqui, está sempre dando um jeito de evitá-lo, de tratá-lo como... como se fosse indigno do seu tempo!

- Eu amo o meu filho! Meus filhos! Os dois! – Mônica disse, com lágrimas brotando nos olhos. Nada a machucava mais do que diminuir seus sentimentos maternos.

- Demonstre isso, Mônica, ao invés de chamá-lo de “delinqüente”! – aquela discussão poderia durar horas, e Hugo não estava interessado nisso – Quer saber? Desculpa ter te tirado do seu trabalho. Sinto muito. Eu só queria passar um domingo com a minha esposa, coisa que não faço há muito tempo. Claramente, eu estava errado.

Ele deu as costas, sem dar tempo que ela rebatesse, revidasse, ou tentasse de qualquer forma continuar a briga.

Ao se ver sozinha no escritório, Mônica percebeu a estupidez daquela discussão. Todas eram assim. Estúpidas. Mas não tinha como voltar atrás. Ela ajeitou o robe, soltou o cabelo e o prendeu novamente. Tomou um gole do seu café, pra se concentrar no que tinha que fazer. Achar uma boa loja pra alugar.

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